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O Novo Banco quer receber mais 600 milhões de euros do Fundo de Resolução para fechar o processo de reestruturação de quatro anos que começou em 2017. Para António Ramalho, presidente da instituição desde 2016, todos os compromissos impostos pelas autoridades para a ajudar o banco foram cumpridos e é tempo de virar a página ao rasto da herança que o antigo BES deixou. Agora, já se fala em lucros. A partir deste ano e nos seguintes.
Mas antes de receber aquela que será a última tranche de um envelope de 3,9 milhões de euros — do qual o Novo Banco quer usar até 3,6 mil milhões de euros — ainda falta ultrapassar vários obstáculos políticos, mas não só. E pela primeira vez, o banco poderá receber menos do que pediu.
Novo Banco vai pedir 598 milhões ao Fundo de Resolução que tem dúvidas sobre 166 milhões
Novo Banco pede (quase) 600 milhões. Vai recebê-los? O que se segue neste processo?
António Ramalho afirmou, na conferência de imprensa desta sexta-feira, que – tendo em conta que o Fundo de Resolução (e, pelo seu lado, o Novo Banco e a Lone Star) sempre cumpriu integralmente as obrigações até ao momento – não antecipa que seja agora que surjam problemas neste processo (que já dura há vários anos).
“Agora faremos o pedido na assembleia-geral. Depois isso enviaremos documentação, haverá parecer da comissão de acompanhamento, o agente de verificação independente analisará cautelosamente a chamada de capital e em função das conclusões de todos estes passos certamente haverá o cumprimento”, explicou António Ramalho.
Quase em simultâneo, porém, o Fundo de Resolução emitiu um comunicado no qual indicava que o processo não será tão simples assim. “Relativamente a determinadas matérias, encontra-se ainda em análise se os respetivos impactos nas contas do Novo Banco estão abrangidos, nos termos do contrato, pelo mecanismo de capitalização contingente”, indicou o organismo liderado por Luís Máximo dos Santos.
“As matérias em análise representam um montante que excede os 160 milhões de euros. Como também resulta dos termos do contrato, prevê-se que o pagamento que venha a ser devido pelo Fundo de Resolução seja realizado durante o mês de maio, cumpridos que estejam todos os requisitos e procedimentos aplicáveis”, indicou. Já Mário Centeno, governador do Banco de Portugal (em cuja dependência opera o Fundo de Resolução), indicou que estes 600 milhões são “um pedido, tem de ser validado. É o que teremos de fazer nas próximas semanas”, concluiu.
Que 166 milhões de euros separam o pedido do Novo Banco e o Fundo?
Foi quase em simultâneo. Logo que foram conhecidos os resultados, o Fundo de Resolução liberta um comunicado onde revela que está ainda a analisar o impacto de matérias de mais de 160 milhões de euros (166 milhões clarificou depois António Ramalho), num pedido de 598 milhões de euros que recebeu. É a primeira vez que o Fundo de Resolução expressa logo reservas públicas quanto ao valor pedido pelo Novo Banco, e desta vez a instituição até atrasou a apresentação dos resultados para ter, não só uma, mas duas auditorias às contas anuais.
Os 166 milhões correspondem a uma provisão para a venda de operação espanhola do Novo Banco, que ainda não foi concretizada, mas cuja perda o banco quer introduzir já na conta a enviar ao mecanismo de capital contingente que deve, aliás, ser a última.
O processo de venda de Espanha foi decidido no ano passado, uma operação que “perde dinheiro regularmente, destruidora de valor”. Mas “segue o processo normal. O banco abandona Espanha para se focar em Portugal, pelo comprometimento do banco com Portugal”, afirmou Ramalho. De qualquer forma, sublinhou, este montante em divergência não irá contar (para já) como capital regulatório do banco, uma decisão que o gestor justifica como tendo sido tomada “por cautela” e que será invertida assim que as “dúvidas” forem esclarecidas.
A injeção de capital pode ser inferior ao pedido do Novo Banco?
Seria a primeira vez, mas esse cenário está claramente em cima da mesa, apesar de o montante pedido pelo Novo Banco ser o mais baixo desde que foi acionado o mecanismo de capital contingente, em 2018. O Ministério das Finanças sinaliza de forma clara essa expetativa ao afirmar que o “Governo está plenamente convicto de que o valor final, após a verificação das entidades competentes, ficará abaixo do previsto na proposta de Orçamento do Estado para 2021”. Este documento previa que a injeção do Fundo de Resolução ficasse nos 477 milhões de euros.
Se descontarmos os 166 milhões de euros em dúvida, a chamada de capital cai para os 432 milhões de euros, cumprindo essa expetativa.
Basta o Fundo de Resolução validar o valor para a injeção acontecer?
De acordo com o contrato assinado em 2017, e estando cumpridos todos os passos de controlo e verificação previstos, o Fundo de Resolução tem um mês para executar a transferência. E tem sido assim, mas no ano passado esta metodologia provocou um conflito público entre o então ministro das Finanças, Mário Centeno, e o primeiro-ministro, que defendeu a necessidade de esperar pelo resultado da auditoria independente prevista na lei para bancos que recebem ajudas públicas (mas não no contrato) antes de fazer a operação.
O Ministério das Finanças de João Leão alinha com a tese que foi defendida no ano passado por António Costa. “Além dos mecanismos contratualmente previstos, aguarda-se ainda a conclusão da auditoria especial prevista na Lei n.o 15/2019, de 12 de fevereiro, relativa ao pagamento efetuado em 2020 pelo Fundo de Resolução, a qual deverá ser concluída em breve.”
António Ramalho contraria esta leitura. Para o presidente do Novo Banco, “não há uma relação direta” entre o resultado da auditoria da Deloitte aos resultados de 2019 e aprovação da nova injeção de capital. O gestor lembra que o modelo contratual define várias verificações profundas do pedido de capital, na auditoria às contas e nos pareceres de verificação. A auditoria especial prevista na lei e aprovada pelo parlamento “não consta de nenhuma dessas condições”. Ainda que, “seja útil” para esclarecer dúvidas sobre o mecanismo de capital contingente.
Como vai o Fundo de Resolução financiar a injeção depois da operação ter sido eliminada do Orçamento?
Ainda não há uma resposta para essa pergunta. E depende de dois fatores:
1. A dimensão da injeção e a necessidade do Fundo de Resolução obter financiamento fora das suas receitas próprias.
2. A reação da oposição sobre esta nova injeção de capital.
A transferência do Fundo de Resolução para o Novo Banco, ainda que financiada com um empréstimo dos bancos que substituiria o habitual financiamento do Estado, foi eliminada do Orçamento do Estado por uma coligação negativa que juntou os votos da esquerda ao PSD. Para viabilizar a solução financeira que permita cumprir os compromissos contratuais assumidos em 2017, não só com o comprador, mas também com o BCE e com o Comissão Europeia, o Governo pode precisar de apoio no Parlamento.
Os partidos da oposição, em particular o Bloco, defendem que a nova injeção de capital não deve ser feita sem outra auditoria que não a referida pelo Governo, aquela que o Parlamento pediu ao Tribunal de Contas. Mas se a auditoria da Deloitte deverá estar concluída no horizonte temporal em que terá de ser feita a operação — até final de maio — a do Tribunal de Contas não tem prazo para ser entregue. Ao contrário de outras injeções no Novo Banco, os partidos não reagiram ao anúncio do valor nos momentos seguintes. Aliás, nem nas horas que se seguiram.
As chamadas de capital acabam agora ou o Novo Banco ainda irá buscar mais dinheiro em anos futuros?
António Ramalho começou por dizer, de forma sintética, que o acordo do mecanismo de capital contingente – o CCA – dura até 2025 (extensível mais um ano) e “enquanto ele existir, existirá – para todos os efeitos”. Pouco depois, já na sessão de perguntas e respostas com os jornalistas, o presidento do banco elaborou um pouco mais sobre a possibilidade de não terem ficado por aqui as injeções de capital no Novo Banco.
“Seria absurdo da minha parte, enquanto este seguro do banco existir, eu falar sobre ele dessa forma”, afirmou António Ramalho, notando que o seu mandato vai até 2024 pelo que o CCA irá sobreviver a esse mandato. “Ainda pode haver outro presidente que enfrente outra crise”, afirmou o responsável.
Ramalho sublinha, porém, que “o processo de reestruturação no essencial terminou”. “O próximo ano é de crescimento e da rendibilidade do banco”, disse o responsável, adiantando que “desde o primeiro trimestre o banco terá resultados positivos”. “O banco está em processo de crescimento. Eu ouvi durante anos que este processo não tem fim. Teve fim. Mas abandonar um contrato assinado entre acionistas… esse é um assunto que cabe aos acionistas, porque é um instrumento de capitalização relativo a ativos que a instituição herdou”, atirou.
Ou seja, Ramalho “nunca vai dizer” que não haverá novo recurso ao mecanismo, onde ainda sobrarão cerca de 300 milhões de euros (caso estes 600 milhões sejam pagos agora). “Ninguém sabe o que vai acontecer com o fim das moratórias, com a economia nacional. Estou muito confiante na economia portuguesa, mas sou cauteloso em todas as minhas ponderações. Ser cauteloso é a função que me pedem”, rematou.
Quatro anos a perder mais de mil milhões anuais. De onde vieram os prejuízos?
2020 foi anunciado como o último ano de reestruturação da herança problemática do antigo Banco Espírito Santo e o quarto exercício consecutivo em que o Novo Banco apresentou prejuízos consolidados de mais de 1000 mil milhões de euros, um ciclo que começou no ano em que a instituição foi vendida à Lone Star. E passou a poder contar com uma almofada financeira para reforçar os rácios de capital. No ano passado, a maior fatura para os resultados negativos de 1,329 milhões de euros veio do reforço das imparidades e provisões para ativos da carteira a Legacy, os tais que têm direito a proteção do mecanismo de capital contingente. Em 2019, o Novo Banco tinha apresentado perdas consolidadas de 1059 milhões de euros.
O comunicado destaca duas operações:
A reavaliação já feita na primeira metade do ano aos fundos de reestruturação com um impacto de 300 milhões de euros que, segundo o Novo Banco, corresponde a uma obrigação imposta pelo Banco Central Europeu. E a provisão de 166 milhões de euros para a descontinuação da operação em Espanha que foi colocada à venda, mas que ainda não foi vendida. A passagem desta conta para a chamada de capital ao Fundo de Resolução não é pacífica e está a ser devidamente analisada pela instituição.
O banco refere ainda o reforço da provisão para a reestruturação, de 123,9 milhões de euros. Mas o maior impacto veio do “agravamento do nível de incumprimento de alguns clientes (a nível de crédito e garantias), mas também de instituições bancárias, onde se incluirá o Banco Económico, herdeiro do BESA. Nas contas pesam também uma provisão para fazer face aos riscos da pandemia (e das moratórias) no valor de 268,8 milhões de euros.
Já os resultados recorrentes do banco, onde está parte saudável da sua atividade, foram positivos em 189 milhões de euros, quando ajustado pelas imparidades decorrentes da pandemia Covid-19 de 215 milhões de euros.
O que vai acontecer com os “calotes” mais mediáticos, herdados do Banco Espírito Santo?
Questionado sobre os créditos problemáticos mais mediáticos, que dizem respeito ao “legado” herdado do BES, António Ramalho explicou que “a limpeza de balanço é feita pela recuperação, venda e a imparização”. “O que aconteceu a alguns destes casos, nalguns casos recuperámos o que pudemos, alguns vendemos”, mas não se fala sobre casos particulares, embora António Ramalho antecipe que essas perguntas lhe sejam feitas “noutros fóruns”, numa alusão à comissão de inquérito do Novo Banco.
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Ainda assim, Ramalho diz que “limpámos o balanço, mas isso não quer dizer que deixámos de perseguir os objetivos de recuperação“. O banco tem cerca de 90 mil ações em tribunal, é o banco nacional com mais ações em tribunal, segundo Ramalho. “Temos uma estratégia de agressividade em tribunal” que vai prosseguir, diz o presidente do Novo Banco.
Moratórias. Quão preocupado mostrou António Ramalho estar?
António Ramalho sublinhou, esta quinta-feira, que a questão das moratórias de crédito na banca portuguesa é uma “questão seriamente complexa”. Este é, afirma o presidente do Novo Banco, algo que “coloca um risco sobre a estrutura da economia portuguesa. Negá-lo é o pior que podemos fazer”. O Novo Banco terá analisado “profundamente, através de inquérito e análise, o efeito que as moratórias poderiam ter sobre os ativos”, daí que tenha registado “268 milhões em imparidades excecionais que não teriam existido se não fosse a pandemia” nestas contas (recorrentes).
O presidente do banco sublinhou que “as moratórias são um assunto para resolver já, não para adiar para setembro”, altura em que, de acordo com o que está atualmente previsto, termina a moratória pública (embora já tenha surgido alguma abertura para haver algum prolongamento das moratórias detidas por empresas que trabalham nos setores mais afetados pela pandemia.
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“Não deixemos para setembro o que podemos fazer em março, não deixemos para 2022 o que se pode fazer em 2021. Chamo a atenção que a banca não se faz por adiar problemas, se não entendemos isso não entendemos nada”, atirou António Ramalho.
As insinuações sobre imparidades na Comissão de Inquérito. Ramalho acusou o toque?
Questionado acerca dos comentários feitos por alguns na comissão de inquérito, de que o Novo Banco teria feito uma gestão irregular das imparidades até à venda (parcial) à Lone Star (acelerando-se, depois, essas imparidades), António Ramalho diz que “em relação à comissão de inquérito, sempre que o banco acha que deve intervir por observações descabidas e desatualizadas, nós já respondemos”.
“No caso dessas observações, nós aguardaremos que chegue a nossa vez para responder adequadamente a essas dúvidas, se elas se mantiverem junto de alguns deputados”, diz António Ramalho, notando que “o sistema de imparidades é muito técnico, segue as orientações determinadas em 2017 para uma homogeneização do processo” e os serviços do banco asseguram “muito bem profissionalmente” as imparidades feitas a cada momento.
Ora, aqui, António Ramalho, que só entrou no Novo Banco em agosto de 2016, sublinha que “a crítica afeta o meu colega Eduardo Stock da Cunha, anterior presidente do banco”. Sublinha Ramalho que “em nenhum momento encontrei um sistema de imparidades” como aquele, do melhor que existiu na banca portuguesa, na sua opinião.
“Acho inaceitável, por ser a parte do meu antecessor, eu gostaria de assegurar que houve um grande profissionalismo por ele e por outros que já cá estavam e ainda estão no banco”, diz António Ramalho, defendendo que “o dr. Eduardo Stock da Cunha é um gestor de primeiríssima qualidade” e tudo o resto são “soundbytes“.