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A verdadeira história de Dusko Popov, o espião que viveu no Estoril e inspirou 007

Está tudo em "Na Toca do Lobo", livro de Larry Loftis. Em entrevista, o autor americano diz que Popov foi uma inspiração para o herói de Ian Fleming e foi também "o maior espião da história".

Larry Loftis queria ser espião. Como parece óbvio, não conseguiu, mas com Na Toca do Lobo nunca tinha estado tão próximo. Este é o livro que conta a história de Dusko Popov, espião sérvio transformado em agente duplo durante a Segunda Guerra Mundial. A história, diz o autor, é “100% verdadeira”, ainda que o livro esteja escrito “como se de um thriller se tratasse”.

Popov, diz-nos Loftis em entrevista, “foi o maior espião de sempre” e terá sido também nele que Ian Fleming se inspirou para criar James Bond. Entre a Alemanha e a Inglaterra, Dusko tinha em Lisboa a sua “base segura” e era no Estoril que passava boa parte do tempo, entre o casino, o Hotel Palácio e as aventuras que encontrava no (curto) caminho. E foi no Estoril que falámos com o autor.

“Na Toca do Lobo”, de Larry Loftis (Vogais)

Quem foi Dusko Popov?
Um agente-duplo, um espião e um playboy. Era muito charmoso, cavalheiro, bonito e muito inteligente. Tinha uma boa memória fotográfica. Extremamente corajoso. Também era teimoso e não aceitava não como resposta. Em 1942, os britânicos disseram-lhe que o seu disfarce fora descoberto e, se voltasse a Lisboa, os alemães podiam prendê-lo, torturá-lo e executá-lo. Contudo, ele veio na mesma porque acreditava que podia sair da situação — e conseguiu.

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A razão do título do livro (Na Toca do Lobo, em inglês Into the Lion’s Mouth) surgiu de uma citação que está no início. O Capitão Ewen Montagu era amigo de Popov, supervisionava-o e dava-lhe conselhos. E ele disse, a respeito de Popov: “Era firme como aço, implacável e tinha uma coragem e um sangue-frio que lhe permitiam circular vezes sem conta entre os quartéis-generais dos Serviços Secretos Alemães em Lisboa e Madrid, quando corria o risco de ser abatido; era como meter-se na toca do lobo”.

Como é que Popov se tornou agente-duplo?
Dusko era sérvio e licenciou-se em Direito, na Universidade de Belgrado. A Alemanha era muito forte na economia e na cultura. Se Dusko queria ter um bom emprego na área da gestão, tinha de saber alemão e conhecer a cultura alemã. Ele pensou “vou tirar o meu Doutoramento em Direito na Universidade de Friburgo, na Alemanha”. Era um programa de dois anos, de 1935 a 1936. Dusko era muito independente e veio de uma família com muito dinheiro, quando foi para a Alemanha pensou que podia fazer o que quisesse e estar onde quisesse, mas não era o caso. Hitler tornou-se chanceler em 1933, começou a fazer reformas e havia muitos sítios secretos. Os nazis começaram a infiltrar-se nas universidades, na Igreja e em todo o lado.

Como era a vida dele na Alemanha nazi?
Popov chegou a ser preso por criticar Hitler. Foi atirado para a cadeia e provavelmente teria desaparecido se não fosse o amigo dele, Johnny. Ele conseguiu falar com o pai de Popov que, por sua vez, falou com o primeiro ministro da Jugoslávia, que falou com Hermann Goering, importante dirigente nazi. No dia seguinte, os alemães deixaram-no sair, mas sabiam que ele era uma maçã podre por isso expulsaram-no do país. Dusko não podia voltar à Alemanha. Já Johnny teve um destino diferente.

Porque ficou na Alemanha.
Exato. Quando a Guerra começou, em 1939, Johnny teve de juntar-se aos nazis porque era alemão. Se não o fizesse seria preso e executado. Johnny juntou-se a Abwehr, uma agência secreta de informação. Ele recrutava espiões e a primeira pessoa na sua lista era Popov. Em 1940, mandou-lhe um telegrama a propor encontrarem-se num bar, Johnny precisava da sua ajuda. Apesar de Dusko desprezar os nazis, este era o homem que tinha salvo a sua vida, três anos antes, por isso Popov estava em dívida para com ele. Acabou por ser recrutado como espião. Pouco depois, apresentou-se sem Londres como agente-duplo: “O meu país é neutro mas estou pronto para entrar na guerra e ajudar os Aliados”.

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No meio de tudo isso, como é que Popov chegou a Lisboa?
Portugal e Espanha eram dois países neutros. Espanha não era neutra na prática, mas formalmente era. Ou seja, todos os espiões do mundo, americanos, russos, alemães e diplomatas que eram espiões, estavam em Madrid ou em Lisboa. Popov tinha de ir às duas cidades e Johnny também. No livro estão todos os detalhes sobre onde se encontraram e como. Quando estavam aqui, Popov ficava no Palácio Hotel, no Estoril, no terceiro andar. Quando queriam falar em privado iam para Cascais. Como Lisboa era o centro, Johnny disse a Popov que Lisboa era a sua base.

E o Estoril ganhou um estatuto especial nessa altura, sobretudo para gente que vivia na base do secretismo.
Sim. E é engraçado que em 1920 o Estoril era ainda uma vila pequena de pescadores, não havia nada. Há um homem com o nome de Delgado que já tinha estado por toda a Europa e pensou que em Portugal devia haver um resort de cinco estrelas como na Riviera Francesa. Ele era médico e na altura escreveu um ensaio que recomendava as termas daquela região e apresentou o artigo em Londres. Os londrinos leram o artigo e disseram que tinham de experimentar. Foi preciso desenvolver a vila. Precisavam de um hotel de primeira classe, uma atração — o casino –, tinham a praia, as termas, os jardins e, por fim, as lojas. Em 10 anos, em 1930, conseguiu-se construir tudo. A partir daí foi publicitar o espaço.

Começou a escrever este livro porque acreditou que Popov foi o melhor espião da história. Mantém essa afirmação?
Claro que sim. Quando comecei a minha pesquisa, tudo sugeria que Dusko era o melhor espião de sempre e, no livro, explico o porquê. Se perguntar a militares da Segunda Guerra Mundial, provavelmente eles dirão que o melhor era Garbo [Juan Pujol]. Ele foi importante, era bom, mas não é tão importante como Dusko. No fim da Guerra, os britânicos deram a Garbo uma distinção, o MBE, mas Popov teve um prémio mais elevado, um OBE, como oficial, porque arriscou a própria vida. Garbo nunca o fez. Bom, todos os espiões arriscam mas Garbo nunca conheceu o inimigo e nunca esteve com ele, nunca teve esse risco. No livro digo que não há discussão sobre quem é o espião mais importante, porque Dusko esteve envolvido em mais operações [dez] e teve mais sub-agentes [oito]. Garbo teve um exército de sub-agentes mas eles eram inventados, pessoas que não existiam. Dusko teve agentes reais, o seu irmão Ivo arriscou a vida. Não há dúvidas nenhumas. Eu, pelo menos, não tenho dúvidas.

"O que queria mesmo era ser espião. Quer dizer, ao ler os livros de Ian Fleming, ao ver os filmes do James Bond, quem não acha que aquilo é cool? E Popov podia beber toda a noite e não se importava de ir trabalhar todo o dia em reuniões com os britânicos e com os alemães"

Antes de chegar a Dusko, já tinha interesse em espionagem e agentes secretos?
Na verdade, o que queria mesmo era ser espião. Quer dizer, ao ler os livros de Ian Fleming, ao ver os filmes do James Bond, quem não acha que aquilo é cool? É muito apelativo e este homem não só é real como fez outras coisas além da espionagem. Ele treinou para ser militar e sabia auto-defesa. Podia matar pessoas com as próprias mãos. São coisas meio assustadoras mas, ao mesmo tempo, fascinantes. Ele era um craque com a pistola, fazia competições de tiro e ganhou duas, com alvos em movimento. Ou seja, temos um homem que era craque na pistola, que podia matar com as próprias mãos, mas por outro lado podia beber toda a noite e não se importava de ir trabalhar todo o dia em reuniões com os britânicos e com os alemães. Aparecia em vários sítios e tinha de ser invisível. Depois Dusko tem toda outra vida à noite, entre amantes. Não consigo pensar em ninguém que pudesse fazer tudo isto hoje em dia. Talvez haja alguém mas parece incrível que ele tenha vivido tudo isto.

Então parece-lhe que não existem espiões hoje? Espiões “verdadeiros”?
Acho que ainda existem espiões mas não são espiões como ele. Na Segunda Guerra Mundial, Kim Philby era agente do MI5 mas era um espião russo. A Rússia estava do lado dos Aliados, mas Kim Philby era um espião de informação, ele secretamente trabalhava para o MI5, preenchia documentos, planeava, fazia trabalho de escritório e passava informação aos soviéticos e isso é um espião de informação. Ele não era um assassino, era um trabalhador de escritório, se ele fosse apanhado não tinha maneira de escapar. Ian Fleming estava exatamente na mesma situação mas era melhor que Kim Philby. Por isso, acredito que há espiões de informação por todo o mundo porque toda a gente quer informação sobre quem é que faz o quê. Mas Popov era um operacional, não era um informador. Ele era Jason Bourne e James Bond, tudo junto. Se existe alguém assim hoje em dia? Que eu saiba não. Nos EUA existe a CIA e eles tem agentes no estrangeiro, mas eles carregam uma arma? Tem treino para matar? Não tenho a certeza.

Como conheceu a história de Dusko Popov?
Conheci a história em 2012 porque estava a trabalhar num romance histórico. Queria fazer uma ficção de espiões e pensei que era melhor fazer alguma pesquisa sobre aquilo que os verdadeiros espiões faziam. Comecei por procurar espiões com mais sucesso, mais importantes, agentes-duplos, e tudo ia ter a Popov. Todos falavam de Popov. O que aconteceu foi que ele fez mais na vida real do que eu alguma vez iria inventar para uma personagem num livro de ficção. Popov era melhor que a minha personagem porque é verdadeiro. Uma narrativa de não ficção.

E a ficção nunca se sobrepôs à realidade?
O livro é não ficção e é tudo 100% verdade. Lê-se como um thriller e as pessoas podem pensar que parte é ficção mas não é, é 100% real. Há partes que são difíceis de acreditar mas é verdade.

O autor, Larry Loftis

A pesquisa para o livro demorou muito tempo?
Demorei cerca de 18 meses a fazer a pesquisa. De 2012 a 2015, foi essa a janela temporal que tive para o livro e foi basicamente metade para pesquisar e metade para escrever. Mas quando comecei a escrever, às vezes encontrava coisas que tinha de procurar melhor. Escrevia um parágrafo e não podia continuar porque tinha de fazer pesquisa para acabar o capítulo ou porque era interessante falar mais de certa parte.

Sobre o Estoril, por exemplo, tive de encontrar fotografias, documentos, gravações, a Casa de Karsthoff [alemão que pertencia à Abwehr e que era chefe da delegação de Lisboa]. Consegui até aceder a documentos da polícia.

Afirma que Dusko foi uma das inspirações para a criação de James Bond. Os fãs de 007 vão aqui descobrir as ligações?
Muitos dos fãs de Bond nem querem ouvir a possibilidade de que ele poderia ser uma pessoa real. Há a noção de que Fleming se inspirou em alguém mas Ian não podia dizer que era o Popov porque os documentos estavam classificados e seria preso. Mesmo Popov não podia falar com a mulher e com os filhos sobre o assunto, não antes de 1974, quando escreveu as suas memórias e a informação deixou de ser top secret. E mesmo nessa altura teve de mudar e alterar muita coisa, os nomes, por exemplo. Durante trinta anos, a mulher e os filhos não fizeram ideia que ele tinha sido um espião.

E porque razão Popov não deu um filme?
Bom, tenho um representante em Hollywood e estamos a pensar fazer uma série a partir deste livro. Primeiro pensámos em realizar um filme mas disse que não, não consigo pôr tudo isto num filme de duas horas. Estamos então a ponderar uma série de cinco temporadas. Eles já têm um produtor, dois argumentistas e este mês vão falar com realizadores. Depois é negociar com os estúdios e isso pode acontecer nos próximos meses.

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