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Invictos, isto é, ainda sem derrotas (já tendo enfrentado Croácia, Bélgica e Espanha), com três jogos sem sofrer golos em quatro disputados e pela primeira vez nos quartos de final de um Mundial de futebol. Marrocos está a ser uma das maiores surpresas da competição e este sábado tem confronto marcado com a Seleção Portuguesa no estádio Al Thumama, em Doha, no Qatar, às 15h portuguesas.
Estes são quatro pontos que ajudam a explicar o sucesso nesta competição do conjunto marroquino orientado por Walid Regragui, que assumiu o comando da equipa há poucos meses, depois de na época passada ter conquistado o título de campeão nacional do país ao serviço do WAC.
Uma geração de ouro que chegou ao Qatar no auge
Esta já pode ser chamada de geração de ouro do futebol marroquino — afinal, nunca a seleção marroquina tinha conseguido chegar até aos quartos de final de um Mundial de futebol, cotando-se como uma das oito equipas mais poderosas do mundo. E, se é uma geração de jogadores de qualidade reconhecida, é também um grupo que chega ao Mundial do Qatar no momento certo, experiente e já com rodagem no futebol internacional, mas sem estar numa fase de declínio e veterania (como foi o caso, por exemplo, da geração que representou a Bélgica neste Mundial 2022).
Basta olhar para o onze titular que enfrentou Espanha nos oitavos de final, derrotando a equipa de Luis Enrique nas grandes penalidades, para o perceber. Após a goleada portuguesa à Suíça esta terça-feira, por 6-1, Fernando Santos até lembrou a dificuldade de Portugal para vencer Marrocos no último Mundial, em 2018 (vitória por 1-0), mas esta seleção marroquina tem pouco a ver com essa que se apresentou há quatro anos. Não apenas o selecionador é outro, como apenas dois titulares nesse jogo, Hakimi e Ziyech, continuam a fazer parte do núcleo duro da equipa.
Na baliza está Yassine Bono, que foi herói nas grandes penalidades (um aviso a Portugal, que também tem um guarda-redes especialista nesta área, Diogo Costa) e que chegou a este Mundial com 31 anos e uma carreira construída em Espanha. Chegou à equipa B do Atlético Madrid com apenas 21 anos, mas foi noutros clubes espanhóis que acabou por se evidenciar: ganhou calo europeu primeiro no Real Saragoça, depois no Girona e nos últimos anos no mais poderoso Sevilha, onde disputou mais de 100 jogos nas últimas quatro temporadas. No último Mundial, foi suplente de Munir Mohamedi, guarda-redes que se mudou nesse verão do Numancia para o Málaga.
Na linha defensiva, nenhum dos jogadores marroquinos tem menos de 24 anos — mas também só um tem mais de 30. Os mais novos são os laterais, dois dos jogadores com mais créditos na equipa, e que, tendo já experiência internacional, beneficiam da frescura física que a idade garante: Hakimi, lateral do PSG de 24 anos, joga à direita, e Mazraoui, defesa do Bayern de Munique de 25 anos, joga do lado esquerdo. Os mais experientes são, como habitualmente se deseja, os centrais: Roman Saiss, de 32 anos, é o esteio da defesa, tendo-se mudado este ano do Wolverhampton (onde mostrou argumentos na Premier League) para o Besiktas, da Turquia. Ao seu lado joga Nayef Aguerd, de 26 anos, que depois de duas boas temporadas no Rennes (França) foi este verão para a Premier League, atuando no West Ham.
No meio-campo está outra pedra basilar da equipa, Sofyan Amrabat, que aos 26 anos está no pico da carreira e tem já uma grande rodagem no futebol europeu (na Liga Holandesa, no campeonato belga e nos últimos anos na Serie A italiana, ao serviço da Fiorentina), e vai emergindo Azzedine Ounahi, jovem de 22 anos que atua nos franceses do Angers. Amrabat é mesmo o jogador marroquino com mais quilómetros percorridos nesta competição: já correu 48.29 quilómetros nos relvados do Qatar. No sábado, terá de voltar a suar a camisola para travar a armada composta por Otávio, Bernardo Silva e Bruno Fernandes.
Também no ataque percebe-se que Marrocos tem jogadores de qualidade e que chegaram a este Mundial do Qatar num bom momento de carreira. Nas alas, estão os experientes Sofiane Boufal (que conhece bem Ounahi, seu colega de equipa no Angers) e o grande destaque ofensivo da equipa, o canhoto Hakim Ziyech, do Chelsea, com uma passagem anterior de grande sucesso pelos holandeses do Ajax. Ambos têm 29 anos. E no centro do ataque está Youssef En-Nesyri, avançado de 25 anos que vai cumprindo a sua quarta temporada ao serviço do Sevilha, da liga espanhola.
Curiosamente, olhando para as prestações da seleção de Marrocos que antecederam o Mundial do Qatar, o conjunto marroquino até foi eliminado na CAN 2021 nos quartos de final — derrotada pelo Egipto de Mohamed Salah no prolongamento, após 1-1 no tempo regulamentar — mas antes disso, nessa mesma competição, vencera o Gana (que defrontou Portugal neste Mundial) por 1-0, graças a um golo de Sofiane Boufal. Já no apuramento para a competição que agora disputa, o Mundial do Qatar, qualificou-se em primeiro lugar no seu grupo, que incluía a Guiné-Bissau, a Guiné (Conacri) e o Sudão. E fê-lo com brilhantismo: seis jogos, seis vitórias — sendo a única Seleção Africana a vencer todos os jogos dessa fase de apuramento —, 20 golos marcados e apenas um golo sofrido.
No site da FIFA, esta terça-feira era publicado um artigo que procurava explicar o “sucesso continuado do futebol marroquino”. Destacava por exemplo o “papel essencial” que teve a Federação Marroquina de Futebol, dando “apoio” à equipa e organizando “amigáveis contra equipas como a Argentina e o Brasil”, que podem ter contribuído para elevar a competitividade da seleção do país e a sua capacidade de defrontar potências futebolísticas.
Já a estação Al Jazeera optava por destacar outras coisas, na sequência do apuramento marroquino para os quartos de final do Mundial. Revelando, por exemplo, que por decisão do selecionador Walid Regragui e do presidente da federação marroquina de futebol, Fouzi Lekjaa, os jogadores convocados para o Mundial puderam escolher familiares que tiveram direito a viajar para o Qatar para estar com os atletas. “A sede escolhida por Marrocos no hotel Wyndham Doha West Bay parece por vezes um campo de férias de verão gerido por pais”, refere a Al Jazeera.
A mesma estação lembrava um outro detalhe que pode ter a sua importância no apoio a esta geração do futebol marroquino que representa o país no Qatar: é que neste país vivem pelo menos 15 mil marroquinos, que têm conseguido gerar “ambientes intimidantes para as equipas adversárias” nos estádios. O selecionador marroquino, aliás, comentou assim o jogo que apurou o país para os oitavos de final do Mundial: “Juro por Deus que se os adeptos não estivessem aqui, não teríamos avançado para a próxima ronda”.
O historial de emigração marroquina, e o facto de muitos futebolistas marroquinos crescerem e evoluírem já no futebol de formação europeu antes mesmo de chegarem a seniores, é outro dos pontos apontados como explicativo para a força desta seleção.
Consistência defensiva
Tem sido um dos grandes trunfos de Marrocos nesta competição, mas terá uma prova de fogo pela frente no sábado, quando este conjunto enfrentar aquele que é, a par de Inglaterra, o melhor ataque da competição com 12 golos marcados: Portugal.
Em quatro jogos disputados, a Seleção de Marrocos já conseguiu três clean sheets, isto é, jogos sem sofrer golos — contra Croácia, Bélgica e Espanha (que nem no prolongamento conseguiu marcar, nem nenhum dos 3 penáltis quando se entrou na fase de marcação de grandes penalidades) —, tendo sofrido apenas um golo na competição, na vitória por 2-1 contra a Seleção do Canadá. Curiosamente, esse único golo sofrido foi um auto-golo do defesa marroquino Nayef Aguerd.
A força nos corredores laterais, sobretudo no direito
Se no coração do campo a seleção de Marrocos tem um Sofyan Amrabat que se tem agigantado no miolo e um Azzedine Ounahi que tem aproveitado o Qatar para se revelar nos grandes palcos, é pelos corredores laterais que Marrocos tem mostrado mais força no plano ofensivo.
À esquerda, o destro Noussair Mazraoui vai disfarçando o facto de estar a jogar adaptado e tem mostrado neste Mundial do Qatar que é mesmo um jogador de eleição — algo que já se vira no Ajax, como o Bayern de Munique percebeu a tempo de o contratar —, apoiando Sofiane Boufal.
À direita, a força marroquina é ainda mais notória. A vir de trás para a frente, desequilibrando no ataque, Hakimi (que no PSG joga como ala, quase como um extremo de linha no processo ofensivo) tem sido um dos destaques da equipa. É por exemplo o jogador da seleção de Marrocos com mais passes, 191, o que mostra como a equipa e os colegas o procuram quando têm a bola.
À frente de Hakimi na direita, procurando mais espaços interiores para deixar o corredor livre para o lateral, está o farol ofensivo da seleção: o canhoto Ziyech lidera na sua seleção em vários capítulos estatísticos, como o número de cruzamentos (15), tentativas de visar a baliza adversária (7) e mais receções de bola entre a linha defensiva e a linha média do adversário (50). Dos quatro golos que Marrocos já marcou neste Mundial, metade tiveram mesmo intervenção direta de Ziyech, que leva um golo e uma assistência.
A eficácia ofensiva (ir na certa, não precisar de muitos remates para marcar)
Uma seleção taticamente disciplinada e organizada, com algum cinismo na frente. Assim poderia ser descrito o conjunto marroquino, que não precisa de muitas oportunidades para marcar. Em quatro jogos, a seleção marroquina tentou visar as balizas adversárias por 32 vezes (média de oito por jogo) e conseguiu 11 remates enquadrados com a baliza adversária — menos de três por jogo, em média.
A eficácia ofensiva é notória: quatro golos marcados em 11 remates enquadrados com a baliza adversária significam um golo a cada três remates à baliza.
Para se ter uma ideia do oportunismo ofensivo de Marrocos, a seleção da Croácia, que estava no grupo de Marrocos e também já chegou aos quartos de final do Mundial, tem quase o dobro dos remates enquadrados com a baliza adversária (20). Ainda assim, tem apenas mais um golo marcado ao longo do tempo regulamentar do que o conjunto marroquino (sendo que quatro dos cinco golos croatas foram conseguidos num só jogo).
Em Portugal, todos esperarão que a eficácia ofensiva da seleção de Marrocos não se confirme, de modo a que não se repita o resultado do Mundial de 86 no México, em que Portugal foi derrotado por 1-3, com golo português de Diamantino e golos marroquinos de Abderrazad Khairi (dois) e Krimau.