Conan Osiris está cansado. Entre passar à final do Festival da Canção e vencê-la, Tiago Miranda, o rapaz de 30 anos que é a nova sensação da música portuguesa, teve duas semanas com dias longos. Ensaios, entrevistas, conversas em programas de televisão e de rádio antecederam a noite do passado sábado e a vitória no concurso de canções da RTP, que o tornaram o próximo representante de Portugal na Eurovisão em Israel. “Já falei demasiado nestas duas semanas”, disse ao Observador, numa conversa em registo muito mais sóbrio e sério do que aquele que lhe temos visto.
Apanhámo-lo precisamente através do telemóvel, antes de Conan Osiris “desligar”, deixar a Eurovisão em suspenso e focar-se noutras coisas. Apesar de ser hora de voltar “à funcionalidade normal do dia-a-dia”, porque tem “concertos e um monte de outras coisas para fazer”, o autor de “Telemóveis” acedeu a falar sobre o antes, o durante e o depois do Festival da Canção.
O cantor, produtor musical e letrista contou o que pensou quando viu o nome dos outros participantes, como foi compor a canção vencedora, como reagiram ao tema os primeiros ouvintes — os amigos –, como preservou as horas de sono porque “se não tomar conta de mim e da minha saúde psicológica ninguém vai poder ajudar-me”, como passou o dia da final e como superou as dores no pé torcido para “ligar para o céu” e marcar voo para Israel.
Conan Osiris, que já é um dos dez favoritos à vitória em Israel, disse ainda estar “a estudar” a situação política do país — que já motivou pedidos de organizações internacionais para que não atue em Telavive — e estar “permeável a receber informações”. Ou seja: logo se vê.
Quão perto ou quão longe estava de achar que tudo isto podia acontecer?
Ao aceitar participar no Festival da Canção não estava a pensar que chegaria tão à frente, nem de perto nem de longe. Assim que descobri os outros compositores pensei: ok, há mil pessoas mais conhecidas, aclamadas e experientes do que eu. Nem sequer pensei que era uma coisa onde ia avançar propriamente muito. Na minha semifinal, à medida que comecei a ver o tempo passar pensei: ok, isto pode tornar-se possível. Não fazia ideia o que é que os júris da semifinal iriam votar, mas quando a ação se foi desenrolando a ida à final começou a tornar-se cada vez mais real. O resto ainda não.
E vencer a final, não sentia que ia mesmo acontecer?
Aí pensei: ok, calma, estão aqui o Mattay, o NBC, os Calema, são candidatos fortes. Nunca na vida pensei que pudesse ganhar pelo menos de forma tão maciça como acabei por ganhar. Como não tinha tido a pontuação máxima do júri na semifinal, a partir do momento em que começo a ver os júris regionais a darem-me [praticamente todos] aquelas pontuações máximas achei muito estranho, não esperava mesmo.
A letra da “Telemóveis” foi a primeira que fez para o Festival da Canção? Ou havia rascunhos anteriores, de letras e instrumentais?
Já tinha esboços tanto do instrumental como da letra, mas acabei por dar-lhes uma roupagem completamente diferente daquilo que cada parte era individualmente. Acabei por dar uma forma diferente tanto à batida como à letra para as juntar naquilo que veio a dar a versão final. Da [primeira] maquete nasceu uma coisa nova.
A quem é que mostrou primeiro a “Telemóveis” e o que é lhe disseram esses ouvintes em primeira mão?
Mostrei primeiro os meus amigos e foi… a reação das pessoas que estão ao pé de mim nunca é logo imediata: “Sim, é a melhor coisa que já ouvi na minha vida”. Nunca é isso, é sempre: à primeira vez ok, à segunda vez ok, à terceira, à quarta e quinta é que de repente já é isto ou aquilo. Não ouvem uma vez e acham que é logo a melhor coisa do planeta. Nem comigo isso acontece, há alturas que adoro, outras que já não aguento cantar, que me apetece fazer de novo… nem eu próprio às vezes gosto das minhas coisas, há alturas em que estou farto da minha música. Quando fiz a música para o anúncio da NOS adorava e passado uma semana odiava, depois passada outra semana já adorava outra vez, hoje oiço e gosto novamente.
Quão longos foram os dias antes da final? As horas de sono terão sido poucas, não?
Estou habituado a arquitetar as coisas, a música, a escolher a roupa, não deixar nada ao acaso completo. As horas de sono fui tentando ter, porque aprendi cedo na minha vida que se não tomar mesmo conta de mim e da minha saúde psicológica ninguém vai poder ajudar-me, as coisas têm de partir de mim, ainda que evidentemente com algum apoio. Preocupar-me com outras coisas, com os media e tudo o mais, é algo que está muito longínquo de mim, não tenho muito tempo para filtrar e analisar, não me é natural. Saber o que ia levar, o que ia fazer, o que ia mudar, o que ia tentar melhorar, como é que ia reagir, a logística toda de ir lá para baixo, reunir equipa, etc, aí sim sou um bocado mais pragmático e tento ser o mais rentável na gestão do tempo.
Uma coisa que não se notou na atuação mas foi visível depois é que tinha dores no pé. Disse também que o torceu na segunda-feira anterior. Como é que isso aconteceu?
Foi segunda-feira, sim, num dia em que fiz uma coisa para a SIC Notícias. Estava a ir para lá e falhei o último degrau e caí redondinho em cima do tornozelo, ia desmaiando. Fui logo à osteopata e ela ajudou-me bastante, fez-me logo um género de uma tala elástica, ligou-me o pé, disse-me que tipo de fisioterapia e cuidados devia fazer e ter para recuperar o mais rápido possível. A ideia era conseguir já estar minimamente bem pelo menos na quinta-feira, que foi o primeiro dia de ensaios. Tentei não exagerar muito ou estar muito tempo em pé nos ensaios, mas naquele dia da final lá tive de abusar um bocado e fiquei um pouco pior, mas de qualquer forma está tranquilo.
Como é que passou o dia da final, pode recordá-lo ‘cena a cena’?
Foi muito pior os ensaios do que a final, já estava a ansiar pela final porque estava farto de cantar a mesma música. Apesar disso o dia foi bastante comprido, estivemos a preparar as coisas, fizemos ensaio geral às 14h, depois fui tentar ter um género de uma power nap [sesta rápida] para descansar um bocado. Foi basicamente tudo num ápice: maquilhagem, cabelos, show.
Ia falando com as pessoas que estavam consigo em Portimão ou ia comunicando com outras pessoas à distância?
Habituo um bocado as pessoas que estão ao meu redor a que haja um ponto em que já não estou mesmo no telefone. Na final não estive praticamente no telefone. Na véspera da final fomos ter com o presidente da câmara de Portimão, estivemos todos juntos, foi o dia em que estivemos mais tempo na rua. Nos ensaios ainda estivemos a conviver nos camarins, mas no dia da final, como o espaço dos camarins era pequeno, cada um tentava encontrar o seu espaço para estar sozinho, a aquecer a voz, o corpo, etc, para o espetáculo em si.
O momento em que cantou, já vencedor, com os restantes concorrentes foi um momento forte da final. Contaram-nos que estava planeado um convívio com todos depois da final. Esteve presente?
Para ser honesto, fiquei logo a ter alguma ansiedade porque quase não ia despedir-me deles. Se não fosse aquele momento final no palco, quase não ia despedir-me porque basicamente assim que foi anunciado que tinha ganho, a Inês [Lopes Gonçalves] arrancou-me logo da cadeira e nunca mais vi ninguém. Se eles não tivessem ido ao palco tinha sido muito complicado. Depois ‘roubaram-me’ para ir fazer os milhões de vídeos e conferências de imprensa, no final da noite já cada um tinha ido para o seu caminho e eu estava ainda preso a fazer entrevistas. Mesmo assim depois ainda vi alguns, ainda estive a falar montes de tempo no próprio hotel com o Mattay, por exemplo. Mas muito mais do que isso não deu, a noite começou a avançar severamente, estava muito cansado, o pé estava a doer-me horrivelmente, acabou por ficar demasiado tarde face ao que me foi imposto em termos de imprensa. Às tantas perdi as pessoas, já não sabia onde é que estavam e apaguei, mesmo.
É um dos dez favoritos a vencer a Eurovisão nas casas de apostas. E agora?
Agora tenho de desligar um bocadinho essa parte. Tenho outros shows, tenho outros assuntos, montes de coisas para fazer, se estiver sempre a pensar nisso não vou ter tempo. Vou ter de desligar um bocadinho essa ficha, agora, para continuar na minha funcionalidade normal do dia-a-dia. Vou estar sempre com atenção para ver o que é que se vai desenrolar em termos de trabalho e tudo o mais. Mas realmente tenho mesmo de deixar um bocadinho esse assunto de parte porque já falei demasiado estas duas semanas.
Qual é o lado bom e o lado mau disto tudo? Passado este tempo, já consegue ver prós e contras?
Embora seja televisão, a repercussão das coisas hoje em dia está muito na internet. Todas as coisas da internet têm a sua efemeridade. Na internet hoje acontece uma coisa e parece que é a última coisa a acontecer antes do apocalipse, de repente passado uma semana já ninguém se lembra daquilo. As coisas têm a sua polarização mas também é uma questão de prazo, às vezes as coisas oscilam, nada é sempre um pico incessante de nada, nada é assim tão bom ou tão mau como possa parecer. Todos os lados bons e maus na realidade não são assim tão bons e assim tão maus. O que está a acontecer é um sub-produto de um acontecimento que fizemos ali em Portimão, que foi a final do Festival da Canção, um espetáculo feito por nós maioritariamente, pelos artistas. Houve muito trabalho e esforço individual de cada um e também produto porque os artistas o produziram. Isso é um mérito coletivo gigante. Agora o que vem depois já é uma coisa que cada um vai digerir à sua maneira.
Já existiram organizações internacionais a apelar que não fosse a Israel, um país que tem uma situação política e social sensível. Está a par desses pedidos? O que vai fazer?
Como disse, é uma coisa super difícil de analisar e eu não serei a pessoa mais indicada para a analisar sozinho. Estou permeável a receber informação e a estudar as coisas. Estou nesse processo de estudo. Infelizmente — aproveito para deixar a mensagem — há disciplinas de moral religiosa e católica e disciplinas de formação cívica na escola em que pouco se faz, mas não há disciplina de política, nem de política global e geopolítica. É uma lacuna que eu próprio acabo por ter e é uma falha que deveria ser colmatada pelo próprio sistema educacional. Nesse parâmetro, ainda estou a estudar as coisas.
“Telemóveis” de Conan Osíris no top 10 dos favoritos da Eurovisão
Recebeu, por certo, muitas mensagens desde a noite de sábado. Quais o marcaram mais?
Recebi montes de mensagens de pessoas tão distintas, a dizer por exemplo “a minha mãe tem 80 anos e quer que tu vás à Eurovisão”. Também recebi mensagens de tantas crianças que fico mesmo quase emocionado. Não dou primazia a nenhuma faixa etária mas essas são pessoas que estão a viver de uma forma mais pura do que outras, dos dez aos 65 anos. Ter essas reações de crianças e de idosos, ter pessoas a dizer-me “o meu filho não dormiu nada só à espera de ver a tua canção”, “o meu filho mascarou-se de ti”, “o meu filho fez um desenho de ti”… essas são as coisas que realmente me ‘batem’, fico com elas cá dentro. É o passado e o futuro, há pessoas com um passado muito longínquo que me estão a dar aprovação por alguma razão e por algo que veem em mim e há crianças que estão a dar-me aprovação e a ver algo excitante em mim. Ter isso para mim é o pleno.