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Graffiti Free Alex Saab In Caracas, Venezuela
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Alex Saab pode ser o "garganta funda" do chavismo

NurPhoto via Getty Images

Alex Saab pode ser o "garganta funda" do chavismo

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Alex Saab. O empresário desconhecido que pode contar nos EUA os segredos da Venezuela de Maduro

Detido com documentos para o ayatollah, foi agora extraditado para os EUA. Maduro já o invocou para suspender negociações com a oposição. Quem tem medo que Alex Saab conte o que sabe?

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Aquela era uma reunião normal entre dois governos. Juan Manuel Santos, presidente da Colômbia, e o seu homólogo venezuelano, Hugo Chávez, estavam juntos para assinar dezenas de acordos entre os dois países. Nicolás Maduro também estava presente, já que à altura ocupava o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros da Venezuela. Estávamos a 28 de novembro de 2011, a Colômbia e a Venezuela ainda tinham relações diplomáticas e esta não seria uma reunião particularmente marcante, não fora por um pormenor: a presença de Alex Saab. Colombiano de nascimento, estava ali, porém, com a delegação venezuelana, pelo seu papel num negócio de construção de casas que envolvia investimento público dos dois países. Mas o empresário era tão desconhecido que o presidente colombiano perguntou entredentes a uma colega “Quem é este senhor?”

Dez anos depois, Santos já sabe quem é Alex Saab — e o resto do mundo também. O seu nome está agora nas capas de jornais, depois de ter sido extraditado de Cabo Verde para os Estados Unidos, onde está atualmente a ser investigado por lavagem de dinheiro. A antiga procuradora-geral da Venezuela, Luisa Ortega, definiu-o como “o principal testa-de-ferro” do regime venezuelano. O seu julgamento será acompanhado com expectativa em Washington e Caracas, já que tudo indica que Saab é afinal bem mais do que um simples empresário. O seu papel no governo de Nicolás Maduro é outro, como indicia a própria reação do executivo: cancelou a participação na próxima ronda de negociações com a oposição, em protesto pela deportação de Saab.

Rally In Solidarity With Alex Saab In Caracas, Venezuela

Um manifestante em Caracas pede a libertação de Alex Saab

NurPhoto via Getty Images

“Saab move-se nos círculos mais altos do poder na Venezuela. É um depositário dos segredos do regime. Maduro depositou nele toda a confiança para que solucionasse várias crises do país”, resume ao Observador Gerardo Reyes, jornalista da Univision e autor do livro Alex Saab: la verdad sobre el empresario que se hizo multimillonario a la sombra de Nicolás Maduro (sem edição em português). “Para que tenha uma ideia da sua importância: Saab era o emissário de Maduro para as relações com o Irão. Quando foi detido, levava na mala uma carta escrita por Maduro para o ayatollah Ali Khamenei, onde lhe delegava poderes para negociar com o ayatollah sobre a crise de abastecimento na Venezuela.”

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Essa detenção ocorreu em junho de 2020. Saab seguia para Teerão quando o seu avião parou para se abastecer em Cabo Verde. O país respondeu ao pedido feito pelos EUA através da Interpol e deteve o empresário. Este ficou no país até agora, contestando judicialmente a sua deportação — que os tribunais de Cabo Verde acabaram por autorizar no passado sábado. Logo na altura, as ruas de Caracas encheram-se de graffiti a pedir a libertação de Saab; agora, Caracas fez a contestação à prisão do empresário subir de tom.

“Se faltava leite na Venezuela, telefonava-se a Saab”

Alex Saab foi presente a um juiz norte-americano na passada segunda-feira. A sessão foi transmitida por Zoom e contou com presenças de peso na audiência, como o embaixador colombiano nos EUA e o homem nomeado como embaixador “interino” no mesmo país por Juan Guaidó — com quem Maduro está envolvido numa luta pela legitimidade do poder como Presidente desde janeiro de 2019. Os 327 espectadores assistiram, segundo o jornal venezuelano Efecto Cocuyo, enquanto Saab, envergando o fato laranja que distingue os presos nos Estados Unidos, ouviu a acusação de lavagem de dinheiro e falsificação de documentos. O juiz não concedeu fiança e marcou a próxima sessão do julgamento para o dia 1 de novembro.

“Os Estados Unidos acusam Saab de ter corrompido funcionários públicos com subornos e de ter feito esse dinheiro chegar aos EUA com a finalidade de o branquear aí”, resume ao Observador José Vicente Carrasquero, professor de Ciência Política da Universidade Simon Bolívar, na Venezuela. Em concreto, sob a mira das autoridades judiciais norte-americanas está o negócio para construção de casas assinado por Saab com Chávez e Santos naquela reunião de 2011, na Colômbia: os procuradores creem que o empresário aproveitou o sistema de câmbio para dólares que o regime venezuelano utiliza, subornando funcionários públicos venezuelanos, para apresentar documentos de importação falsos e beneficiar de dinheiro para materiais que, na verdade, nunca foram comprados — e as casas nunca construídas. O facto de o esquema envolver divisas norte-americanas faz com que a justiça norte-americana considere ter jurisdição para acusar formalmente Saab.

Mas a expectativa em torno do caso do empresário vai muito para lá deste alegado esquema, já que o governo norte-americano considera que Saab é uma peça fulcral do regime que, se colaborar com a Justiça, pode revelar muito sobre o funcionamento interno do regime de Maduro. “Isto não faz parte da acusação do tribunal de Miami, mas está claro num comunicado de imprensa do Gabinete de Bens Externos do Departamento do Tesouro, onde se justifica as sanções impostas a Saab e aos seus colaboradores [em 2019]”, acrescenta o jornalista Gerardo Reyes. Nesse comunicado, as declarações do secretário do Tesouro à altura, Steven Mnuchin, deixam clara a importância que o governo norte-americano crê que Saab tem: “Estamos a atacar aqueles que estão por trás dos sofisticados esquemas de corrupção de Maduro”.

“Saab era o emissário de Maduro para as relações com o Irão. Quando foi detido, levava na mala uma carta escrita por Maduro para o ayatollah Ali Khamenei, onde lhe delegava poderes para negociar com o ayatollah sobre a crise de abastecimento na Venezuela."
Gerardo Reyes, jornalista da Univision e autor de um livro sobre Saab

Ryan Berg, líder da Iniciativa Futuro da Venezuela, do norte-americano Centro para os Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), completa assim o retrato em conversa com o Observador: “Ele é uma daquelas peças-chave que ajuda a fazer mover o dinheiro e que cria empresas de fachada para contornar a arquitetura de sanções aplicadas à Venezuela”. Se assim for, e perante uma possível pena de 30 anos de prisão, irá Saab negociar com a Justiça e contar o que sabe sobre o regime de Maduro?

Alex Saab nasceu em Barranquilla e começou nos negócios em 1995, ao criar uma empresa para tentar expandir o negócio de toalhas do pai, um libanês que se estabeleceu na Colômbia na década de 1950. Segundo o El País, acabou por criar a sua própria empresa de venda de merchandising de supermercados e gasolineiras que, porém, foi à falência em 2009. Foi aí que conheceu o empresário venezuelano Álvaro Pulido, com quem iniciou uma série de negócios ligados a Caracas — e se aproximou do poder.

No seu livro, Gerardo Reyes ilustra quão importante se tornou Saab para o regime: “Os seus amigos não conseguem explicar como é que um tipo tão comum e banal, de aspirações modestas e sem paixões a não ser o amor pelo filhos, se tornou no chacal financeiro da revolução bolivariana”, escreve o jornalista da Univision. “Se faltava leite na Venezuela, passou a telefonar-se a Saab. Se faltava combustível, ele era chamado para resolver a situação”, ilustra Reyes em entrevista ao El País.

Em causa está o seu papel como empresário fundamental a por a funcionar as chamadas caixas CLAP (Comités Locais de Abastecimento e Produção), que fazem parte de um programa de distribuição alimentar para os mais pobres. Na prática, este mecanismo de apoio social tem sido usado na Venezuela como arma política, sendo permitido o acesso às CLAP a quem tem cartão do PSUV (partido de Maduro) e dando a sua gestão aos colectivos (grupos armados próximos do regime). “É um processo injusto, militarizado e discriminatório, onde na prática só quem está filiado no partido do governo tem acesso a comida”, explicava ao Observador em 2018 Marianella Herrera, médica venezuelana especialista em nutrição.

Votos por comida. Magra e subnutrida, a Venezuela vai a votos depois da “dieta de Maduro”

Segundo o governo norte-americano, os CLAP funcionam através de uma rede de empresas de fachada que compram alimentação de má qualidade a países como o México, a Colômbia e a Turquia e a vendem ao governo venezuelano a preços inflacionados. A má qualidade da alimentação é comprovada pela população e pelos media locais — em 2017, por exemplo, o site de investigação ArmandoInfo fez análises ao leite em pó disponível nas caixas e concluiu que não se tratava de leite.

E os CLAP não são o único problema de Saab. O departamento do Tesouro norte-americano acusa-o ainda de estar ligado a um esquema de venda de ouro pelo governo da Venezuela à Turquia, através de empresas-fantasma montadas pelo empresário. A mesma conclusão é sustentada pelo think tank Fundação para a Defesa das Democracias, que apontou a criação de uma empresa criada logo após um encontro entre Maduro e o presidente turco que terá movimentado 900 milhões de dólares em ouro da Venezuela para a Turquia. Em troca, o país receberia alimentação para as próprias caixas CLAP.

Opposition And Officialism Demonstrate On Venezuela's Independence Day

Militares seguram caixas dos CLAP durante uma parada. EUA consideram que Saab esteve ligado a esquemas de corrupção com os CLAP

Getty Images

Geraldo Reyes aponta, contudo, que estes negócios não estão diretamente ligados à acusação que pende sobre Saab: “A acusação do tribunal de Miami foca-se apenas no mecanismo de exportações fictícias e de suborno de funcionários venezuelanos. Não há nenhuma referência aos CLAPs ou à sua intermediação em negócios com a Turquia, apesar de esses dados estarem disponíveis em investigações jornalísticas que têm como denominador comum a intermediação de Saab em negócios do governo venezuelano, sem qualquer controlo de preços nem de qualidade.”

Negociações canceladas e americanos detidos. A reação de Caracas

Independentemente da veracidade ou não destas restantes suspeitas, certo é que Caracas reagiu à detenção e agora à deportação de Saab de forma intempestiva. Primeiro, após a detenção em Cabo Verde, decidiu nomear o colombiano Saab como representante diplomático da Venezuela nas negociações com a oposição, que estão a decorrer no México.

Agora, Nicolás Maduro fala num “rapto”, ataca os EUA e já decidiu abandonar as negociações com a oposição que estão a decorrer no México em protesto. “Saímos do México e pronto. Depois faremos a avaliação do que se irá passar com este diálogo, mas por enquanto estamos indignados, em protesto e a enfrentar esta injustiça”, afirmou numa conferência de imprensa o presidente venezuelano.

Nicolas Maduro Press Call At Miraflores

Nicolás Maduro anunciou a suspensão das negociações com a oposição por causa do caso Saab

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Uma reação que o professor Carrasquero apelida de “exagerada”. “Tendo em conta os esforços feitos pelo governo para evitar a extradição de Saab, parece que ele poderá falar da trama de negócios e contratos que permitiram à Venezuela contornar as sanções impostas pelos Estados Unidos, bem como possíveis laços ao Irão, a grupos guerrilheiros e ao tráfico de droga.” Ryan Berg, do CSIS, concorda: “Esta reação parece indicar que ele guarda segredos importantes. Não creio que seria a mesma se não houvesse o risco de Saab, perante uma pena tão pesada, vir a colaborar.”

Caracas foi ainda mais longe: pouco depois da notícia da exportação de Saab, seis executivos norte-americanos da CITGO que estavam em prisão domiciliária no país foram transferidos para uma prisão. “O facto de o senhor Saab estar nos Estados Unidos antes do meu pai é uma vergonha”, lamentou-se Cristina Vadell, filha de um dos executivos, citada pelo LA Times.

O mais certo é que, por enquanto, a situação assim se mantenha. “A administração Biden tem estado muito calada em relação à Venezuela, ao contrário do que fazia a administração Trump”, resume Ryan Berg. Uma posição que, crê, está relacionada com o facto de os EUA serem intermediários nas negociações com a oposição que decorrem atualmente no México. “Acho que só vão definir a sua política nesta matéria quando as negociações terminarem e será consoante o resultado dessas negociações.”

“Ele é uma daquelas peças-chave que ajuda a fazer mover o dinheiro e que cria empresas de fachada para contornar a arquitetura de sanções aplicadas à Venezuela.”
Ryan Berg, líder da Inciativa Futuro da Venezuela no CSIS, sobre Saab

Estas, porém, estão neste momento suspensas. O diálogo entre o governo de Maduro e a oposição seguia para tentar quebrar o impasse criado em 2019, quando o presidente da Assembleia Nacional Juan Guaidó se auto-proclamou Presidente do país, por não ter havido reconhecimento internacional das presidenciais de 2018, que reelegeram Maduro. Recentemente, a oposição aceitou por um fim ao boicote eleitoral e participar nas regionais que estão marcadas para novembro — o que fez com que a União Europeia aceitasse enviar observadores eleitorais, numa missão que será chefiada pela eurodeputada portuguesa Isabel Santos.

Isabel Santos. Missão de observação eleitoral da UE na Venezuela é “oportunidade” para um fim da crise com Caracas

Irá Saab dinamitar por completo as negociações com a oposição?

Agora, perante o caso Saab, Caracas salta fora. Guaidó reagiu no Twitter, lamentando e dizendo que continua pronto para alcançar um acordo. Mas aproveitou para deixar uma bicada a Maduro: “Nós, venezuelanos, que temos visto a justiça sequestrada há anos, apoiamos e celebramos o sistema judicial de países democráticos como Cabo Verde”.

Isso significa que o empresário quase desconhecido, que em 2011 intrigava Juan Manuel Santos naquela reunião, pode ser a peça que põe todo o processo de diálogo em causa. Uma decisão que divide os analistas ouvidos pelo Observador. A partir de Caracas, José Vicente Carrasquero diz que Maduro entrou num beco sem saída: “Não consegue nada. Isto torna evidente a pouca importância que o povo venezuelano tem para ele. Há que ter em conta que a reunião deste fim de semana ia servir para começar a tratar da resolução dos problemas graves que afetam a população, sem pleno acesso a alimentação e saúde”. Já Ryan Berg, em Washington, tem uma visão mais cínica: “A verdade é que o regime já obteve o que queria desta negociação”, afirma. Por um lado, fazer a oposição sentar-se à mesa e reconhecer que Maduro ainda é o presidente de facto; por outro, com a missão eleitoral europeia, ganhar armas de reconhecimento no plano internacional.

“Ele quer é fazer esgotar a experiência Guaidó e está a conseguir. A oposição já está completamente dividida sobre esta negociação. E em janeiro o mandato de Guaidó na Assembleia chega ao fim. Quando assim acontecer, vamos ver sei lá quantas pessoas a dizerem que são eles os presidentes legítimos…”, comenta o investigador do CSIS. “Mesmo que o relatório final da missão eleitoral europeia seja crítico, o preliminar será mais controlado. E nós podemos criticar o que quisermos, mas o governo venezuelano não vai querer saber.”

Anti-Maduro Demonstration in Caracas

Juan Guaidó proclamou-se Presidente da Venezuela em 2019. Desde então o país tem estado num impasse político

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A crise social na Venezuela perdura. Mais de cinco milhões de pessoas abandonaram o país nos últimos anos e os que ficaram lidam com elevados índices de pobreza (95% da população afetada) e uma crise sanitária pré-Covid que se agudizou com a pandemia. Politicamente, Maduro procura acabar com as sanções impostas por EUA e União Europeia e estava a usar esta negociação como arma. Neste momento, com o caso Saab à mistura, decidiu dar um murro na mesa. Irá voltar?

Berg crê que não: “Fizeram tanto barulho com o caso de Saab que não vejo como podem voltar sem perder a face”, diz o analista. “E eles continuam a controlar a situação, têm a lealdade do exército e da polícia. O problema é a situação económica, mas se as eleições correrem bem ganham um elemento de respeitabilidade para obter mais ajuda internacional, enquanto continuam a ter algum apoio do Irão e da Rússia.”

Já o professor Carrasquero está mais otimista — e nota que a própria Rússia, que também está presente na mesa de diálogo, incentivou Caracas a continuar. “Note que usaram a palavra ‘suspensão’ e não ‘cancelamento’”, avisa. Até porque ninguém sabe o que pode acontecer se Saab decidir falar: “Ele pode ter informação sensível que envolve atores do governo. E até o próprio Maduro.”

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