Foi em 2022 que o escritor, editor e historiador britânico Andrew Lownie publicou O Rei Traidor, agora disponível numa tradução portuguesa de Inês Vaz Pinto. O autor apresenta o livro como “um dossier sobre o passado obscuro de Eduardo VIII, as suas ligações à Alemanha nazi, a complexa e obssessiva relação com Wallis Simpson e a amizade com o banqueiro português Ricardo Espírito Santo”. Em 2022 foi também lançado um documentário no canal britânico Channel 4 sobre este destapar de um lado mais obscuro de uma das figuras mais polémicas da família real britânica, o rei que abdicou pelo amor que não podia alimentar enquanto ocupante do trono.
Diz-nos o próprio Andrew Lownie, em entrevista, que foi o primeiro a ter acesso a informação “sensível” guardada nos Arquivos Reais do Reino Unido. Porém, para o que escreveu sobre Espírito Santo Silva, não consultou nenhum arquivo português nem teve qualquer feedback da família Espírito Santo desde que o seu livro foi lançado. Primeiro, afirma, porque sobre este período, outros já tentaram e não conseguiram obter informação nova. Depois, acrescenta, porque os documentos a que teve acesso deram-lhe confiança para afirmar que Ricardo Espírito Santo, além negociar e trabalhar com associados ao regime de Adolf Hitler, terá acordado com Eduardo VIII um plano para que o duque de Windsor regressasse das Bahamas, onde foi governador, assim que a Alemanha vencesse a Segunda Guerra Mundial. Motivo suficiente para que, Winston Churchill, então primeiro-ministro britânico, tenha, diz Lownie, ameaçado o duque o tribunal marcial.
O duque esteve durante um mês em Cascais, na residência de Espírito Santo. Foi vigiado por portugueses, alemães e norte-americanos, escreve o autor inglês, que também afirma que Eduardo VIII foi “apanhado” a dizer que a Grã-Bretanha “deveria ser bombardeada” e terá ainda passado informações confidenciais sobre a localização da tropas francesas aos alemães. Ao mesmo tempo, ambos ansiavam pelo reconhecimento e afeto da família real. Até ao fim dos dias viveram num luxuoso e controverso exílio. Uma relação de dependência complexa, movida a dinheiro, alcoolismo e status social.
O escritor de 62 anos diz ter total confiança no livro que escreveu, na informação que obteve e de como esta serve “a verdade dos factos” — mesmo que já tenha sido alvo de muitas críticas. Lownie está agora a preparar uma nova investigação, desta feita sobre o Príncipe André. Quanto ao Rei Traidor, que vagueia entre a extensíssima descrição dos acontecimentos, repleto de excertos de diários, conversas, cartas e relatórios, e o explorar de um lado mais íntimo, um pouco tablóide, da vida desta figura da realeza britânica, já colocou o duque, segundo o autor, como um verdadeiro traidor da pátria. “Muitos historiadores aceitam o status quo, são preguiçosos. Em todos os meus livros tento apresentar a História de uma forma mais apurada. Na minha carreira, olhei para estas figuras controversas com vidas secretas e tentei mudar a visão que o público tinha delas”, diz.
O seu livro começa na abdicação do Duque de Windsor. Acha que a família real se sentiu aliviada, queria que aquilo acontecesse, apesar de todo o escândalo que se sucedeu?
Sim. Acho que sim. Perceberam que Eduardo VIII não seria um bom rei, estavam preocupados com o facto dele interferir com assuntos constitucionais, das suas simpatias com os nazis. Portanto, Wallis [Simpson] deu uma oportunidade à família real de tirar o duque do trono britânico. Usaram o facto de ele querer estar com uma mulher divorciada para o forçar a abdicar.
Faz referência aos famosos “documentos alemães”, a que dedica um capítulo inteiro, para mostrar o que diz ser a “relação” que o Rei Eduardo VIII tinha com Ricardo Espírito Santo. O rei chegou a passar um mês inteiro em Cascais na casa do banqueiro português. Mas no livro diz que Espírito Santo teve ligações com o regime nazi. Que provas encontrou?
Existem provas de que, de alguma maneira, ficou com bens de judeus, que era referido pelos serviços secretos britânicos como “o banqueiro dos nazis”. Sim, acho que era um agente nazi. Há evidências no livro, há documentos consultados por jornalistas portugueses sobre as ligações de Espírito Santo ao regime de Hitler. Também existem relatórios dos serviços secretos do Reino Unido a afirmar que não se deveriam envolver com o banqueiro por causa destas mesmas ligações. Portanto, parece-me incontestável. Há muito mais a uni-los do que se pensa.
O que quer dizer quando fala em “bens de judeus”?
Na parte da “Operação Willi” [plano dos alemães para raptarem o duque de Windsor], há um memorando de um homem chamado Desmond Morton, que pertencia aos serviços secretos britânicos, em que se lê que “o senhor Espírito Santo era muito pró-Alemanha”. Li relatórios onde se alega que se trata de um bandido, que está a tratar de uma série de dinheiro alemão via Suíça para as Américas, sendo quase certo que esse dinheiro foi retirado pelos alemães dos países capturados”. Portanto, posso dizer que era dinheiro capturado pelos nazis. No fundo, era dinheiro judeu.
Um artigo publicado no jornal Expresso sobre o seu livro faz referência a críticos que contestam a sua versão destes acontecimentos. Um deles, por exemplo, é o investigador Carlos Alberto Damas, que alega que Andrew Lownie não avaliou a veracidade dos testemunhos. Muitos deles foram redigidos por funcionários zelosos que procuravam corresponder aos anseios do MI5 e do ministério britânico da Guerra Económica.
Bom, no que diz respeito à parte portuguesa, recorri a segundas fontes. Estamos a falar de uma parte pequena do meu livro. Não vejo o porquê de alguém inventar esta suposta conspiração. Nem o porquê de haver motivos para o MI5 inventar estas informações que, na verdade, queriam que fossem silenciadas. Também vale a pena ver o documentário do Channel 4 sobre este assunto. Acho que, a nível de investigação sobre este tema, esta é a mais recente. Este documento de Desmond Morton é novo, nunca tinha sido consultado, tal como tantos outros documentos britânicos. Muitos deles foram disponibilizados através do pedido Freedom of Information [que permite acesso a informação detido por autoridades públicas]. Depois, sou o primeiro académico a ver este tipo de material dos arquivos reais. Estas descrições não são sobre as atividades bancárias de Espírito Santo, mas sim sobre a traição do rei. Um dos espiões que vigiava o casal Eduardo VIII/ Wallis disse o mesmo, quando foi entrevistado quarenta anos depois. Esse homem que me critica, claramente quer só dar o lado certo desta família.
Mas que lado é esse de Espírito Santo que defende?
Certamente que era um dos homens associados ao Terceiro Reich. Era um banqueiro poderoso, muito respeitado, foi usado como armadilha para judeus em Cascais. Ele foi mesmo importante na “Operação Willi”. Não consigo compará-lo com outro porque não conheço a história portuguesa a fundo, nem sequer sei a fundo de outros simpatizantes portugueses do regime nazi, mas sim, era uma figura importante. A Alemanha gastou muito dinheiro nesta operação, havia muita gente envolvida. Devia ser alguém em quem os nazis confiavam.
Quando se refere aos documentos que comprovam essas ligações, está a referir se a quais: aos arquivos da família real, aos arquivos do MI5 ou dos serviços secretos franceses?
Não são os franceses, esses referem-se ao período após a estadia do duque em Portugal. Refiro-me aos documentos britânicos, a diários de inteligence officers, de responsáveis do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Dos seus diários privados mais alguns documentos terão sido eliminados [o autor usou a palavra “weeded”, que significa apagar documentos segundo um determinado critério]. O livro também se sustenta em cartas privadas. Um dos problemas é que muito deste material foi destruído, não foi guardado em papel nem as pessoas falavam destas informações. A fonte mais crucial foram os documentos alemães, encontrados no fim da Segunda Guerra Mundial. Houve uma grande luta entre os britânicos e os norte-americanos para os destruir ou torná-los públicos. Os norte-americanos acabaram por vencer esse argumento, mas só foram tornados públicos em 1957. Doze anos depois de serem encontrados, portanto. Ainda há material desaparecido, outro encontrei nos Arquivos Reais. Mostram as ligações entre Berlim, Lisboa e Madrid para persuadir ou até raptar este casal durante a Operação Willi, para que o duque regressasse à Europa como rei.
Consultou documentos portugueses?
Não fiz pesquisa em Portugal, não falo português. Tive de confiar noutras pessoas, obter segundas fontes. Mas, lá está, se olhar para as notas de rodapé, verá que estão referidos os relatórios da PIDE sobre a passagem de Eduardo VIII por Portugal, por exemplo.
Parece-lhe que encontraria essas evidências nos arquivos portugueses? Teme que exista aqui algum exercício de adivinhação?
É pouco provável. Estamos a falar de uma ditadura, os arquivos estavam fechados. O autor Neill Lochery escreveu livros sobre Portugal durante esta guerra e não identificou nada. Outros historiadores também não encontraram. Foi por isso que considerei que não achei relevante tentar investigar esses arquivos.
O império britânico conhecia Ricardo Espírito Santo?
Sim. Há relatórios dos serviços secretos britânicos, como disse. Revelam alguma preocupação pelo facto do duque ficar na casa do banqueiro em vez de num hotel no Estoril. A ideia era ficar só dois dias, mas foi arranjando desculpas para ficar em Lisboa durante semanas, enquanto negociava com os alemães e decidia o que queria fazer.
Já teve algum feedback da família Espírito Santo sobre o livro?
Não, nenhum. Talvez agora que o livro foi publicado em Portugal e com alguns artigos e entrevistas como esta, se dê o caso de haver uma reação. Ou mesmo a família possa ser questionada sobre estas ligações. Tenho a certeza que vão negar, porque é um episódio que embaraça a história da família.
Que Lisboa e Cascais encontrou naquela altura?
A Grã-Bretanha ficou, a certa altura, sozinha na guerra, e havia a hipótese de uma invasão Alemã. Já o duque andava a jogar golfe em Portugal e a divertir-se. Lisboa, durante as guerras, foi um centro de intriga, havia um enorme contingente de alemães nazis na cidade, muitos espiões. Era um eixo onde se passavam coisas secretas durante as guerras. Houve um grande debate sobre de que lado Portugal iria ficar. Era um sítio muito importante.
O duque chegou a estar fora da casa de Ricardo Espírito Santo, a conhecer Lisboa e Cascais?
Sim, podia fazer caminhadas, mas era seguido, não só para sua proteção, mas também porque estava a ser vigiado. E vigiado por toda a gente. Os portugueses, os alemães e os britânicos. Não tinha muita liberdade, mas foi a eventos sociais, jogou golfe e saía para jantar. Mas, na verdade, era um prisioneiro na casa de Cascais. Esta zona era um eixo onde se passavam coisas secretas durante a guerra, era um sítio muito importante.
Escreve a certa altura sobre um código que seria partilhado entre o duque e Espírito Santo enquanto o inglês estivesse nas Bahamas como governador. Um sinal para regressar porque significaria que Hitler tinha ganho. Conseguiu descobrir que código era?
Não. Comunicar com o inimigo — e, neste caso, Espírito Santo era o inimigo — era visto como um crime capital. A mensagem que o duque enviou nunca foi encontrada, portanto, o mais provável é ter sido destruída. O que temos é uma comunicação sobre o que o duque deveria responder caso recebesse essa mensagem em código. E como sabemos que ele comunicou com Berlim sobre isto, também sabemos que, caso ele fosse chamado para regressar à Europa, podia voltar das Bahamas e tomar o lugar como rei.
E está convencido de que se os aliados não tivessem ganho a guerra, isso poderia mesmo acontecer, é isso?
Ele passou semanas a falar com os nazis, esteve dentro e fora da embaixada alemã em Lisboa. Não reportou qualquer tipo de envolvimento deste género aos britânicos. Portanto, seria diferente se ele simplesmente estivesse a ser usado. O duque levou muito a sério estas aproximações, nem sequer as usou a seu favor junto dos britânicos para conseguir o reconhecimento da mulher junto da família real. Estava completamente comprometido com esta oferta do regime nazi, estava feliz por receber dinheiro e por ir para a Suíça. As coisas mudaram a partir da ameaça de Churchill com a Lei Marcial — e o primeiro-ministro nunca a usaria se não achasse que o Rei estava disposto a avançar. Por isso, sim, acho que esteve próximo da aceitar a proposta dos nazis. Se não tivesse ido para as Bahamas, poderia ter acontecido. Só que depois tivemos o episódio de Dunkirk. Se os militares britânicos não tivessem regressado, se a Alemanha tivesse conseguido algum tipo de invasão da Grã-Bretanha… Enfim, tudo poderia ter sido muito diferente.
Quais são os documentos que comprovam que o duque era uma real ameaça à Grã-Bretanha?
Os documentos alemães. Explicam que o duque lhes disse que se queriam vender a Grã-Bretanha, deveriam bombardeá-la, algo que fizeram. Não é possível falsificar estes documentos, existem várias fontes que apontam no mesmo sentido. Outra fonte é o diário de um oficial do MI5, Guy Liddlel, que estava a relatar tudo isto; ou o antigo secretário privado de Eduardo VIII, Alan Lascelles, que também fala sobre isto e da necessidade de encobrimento. É gente séria que não tinha nenhum motivo para não contar a verdade.
Sentiu algum tipo de pressão ao investigar e explorar estes documentos?
Não. São documentos genuínos. Os documentos alemães foram publicados e foram revistos por académicos. Havia uma grande pressão para não os libertar. O diário de Alan Lascelles pode ser consultado e o de Guy Liddlel também. Não existe nenhuma dúvida sobre a autenticidade destes documentos.
Fala também de uma altura em que o duque chegou a passar informação confidencial sobre as movimentações francesas na guerra com os alemães. Ele estava mesmo consciente do que estava a fazer?
Sim, considero que sim. Sentiu que era melhor que a Alemanha ganhasse e enfrentasse a União Soviética. Até ao fim dos seus dias teve uma simpatia para com Hitler e o seu partido. Não é nenhum acidente que esses planos tenham chegado a Charles Bedaux, que era um agente nazi, através das autoridades alemães. Era material top secret que nunca deveria ter saído de um gabinete. O duque sabia o que estava a fazer. Em 1941, regressou à Grã-Bretanha, fez campanha contra a guerra e tentou criar um partido da paz com uma Alemanha eventualmente vitoriosa. Há muitas evidências das suas visões nazis.
Mas o Andrew descreveu-o, baseando-se no relato de diferentes protagonistas que privaram com Eduardo VIII, como alguém que não seria particularmente perspicaz.
Sim, era um homem fraco e preguiçoso. A Wallis era muito mais forte, mais decidida, o duque não, tinha a porta aberta para estas negociações, não tinha de tomar a iniciativa. Os alemães fizeram esta oferta numa bandeja, envolta em muito dinheiro e estatuto. Os britânicos queriam exilá-lo também porque era visto como uma figura importante dos fascistas dos Black Skirts na Grã-Bretanha. Houve grandes manifestações deste movimento quando o duque abdicou. E, portanto, queriam-no fora. Os britânicos tinham grandes suspeitas sobre as intenções do duque. Depois, no que diz respeito à relação dele com o irmão mais velho, que ficou no seu lugar, havia uma animosidade pessoal.
Sobre o tempo de Eduardo VIII como governador das Bahamas, como conseguiu informação sobre a conturbada estadia do rei naquela região?
A parte mais interessante das Bahamas é a de que havia cópias [o autor usou a expressão “miror copies”] dos Arquivos Coloniais, arquivos responsáveis sobre o período do duque naquela ilha. Na Grã-Bretanha os ficheiros foram descontinuados, mas nas Bahamas não. Já lá estive em investigações interiores, mas desta vez não fui por causa da pandemia de Covid-19. Só que, como já tinha trabalhado com eles, digitalizaram e enviaram-me os ficheiros que tinham. Paguei-os e enviaram-me. Foi muito útil. Mas também há muita informação nos diários. Toda as cartas que passavam pelas Bahamas eram censuradas e tinham uma cor: vermelho. Se fossem incriminatórias ou se mostrassem algo contra a governação das Bahamas, esse material era reportado. Portanto, temos muitos relatórios sobre o duque, os seus falhanços, o seu comportamento social, financeiro e de como tentou encobrir um caso de homicídio. Claro que também há muita informação nos EUA. Não cheguei a entrar nos arquivos sul americanos, mas suspeito que também exista algo.
Temos, portanto, um duque perdido, sem propósito, que se embriagava com facilidade. Mas uma Wallis com um propósito, onde trabalhou com a Cruz Vermelha, por exemplo.
Sim, mas nenhum deles gostava das Bahamas porque era muito húmido, tinha imensos insectos. Acharam que era um exílio, que não havia ninguém de interesse. Esse período é apelidado de “segunda abdicação”. Mas a Wallis, sim, tentou fazer o trabalho que lhe foi entregue. O duque não, era preguiçoso. Parte do problema é que a região era liderada pelos Bay Street Boys, conjunto de homens brancos que não queriam nenhuma mudança. Faziam muito dinheiro ao manter a comunidade negra num lugar inferior, não desenvolviam a economia. O duque percebeu que não conseguiria alterar o estado das coisas, portanto acabou alcoolizado e a jogar golfe.
As Bahamas terão alguma memória história de Eduardo VIII?
Acho que não. O famoso homicídio de Harry Oakes [nobre e empresário inglês, cuja morte foi a tribunal mas em que os acusados acabaram absolvidos] acabou por ensombrar a estadia do duque nas Bahamas. Há muitas dúvidas sobre o seu envolvimento neste caso, mas também com Michael Harold Christie, o suposto assassino. E, claro, o relacionamento com um empresário suíço influente, Axel Wenner-Gren, que depois suspeita-se que seria um agente nazi. Sei que outros investigadores já foram ameaçados quando decidiram investigar o período em que o duque esteve nas Bahamas. Penso que nunca saberemos realmente o que aconteceu.
A família real sabia que o duque poderia estar envolvido num caso destes?
É interessante que a Scotland Yard não tenha sido chamada para investigar este caso de homicídio num território britânico. Fizeram, de facto, um relatório após a guerra, mas continua interdito. O que sugere que pode ter havido um encobrimento e porque deve referir a hipótese do duque ter tido um envolvimento embaraçoso. Portanto, sim, acho que as autoridades britânicas sabiam. Ele estava a ser vigiado até pelo FBI. Há mais por onde explorar, não sei é se essa informação será alguma vez tornada pública.
Sobre Wallis Simpson, descreve-a como uma norte-americana meticulosa e com simpatias políticas extremistas.
Ela era muito próxima de Ribbentrop [ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha nazi e, antes, embaixador alemão no Reino Unido]. É possível que tivessem um caso e por isso é que ela foi sinalizada pelos alemães. Foi igualmente persuadida por outros elementos do regime nazi. De muitas maneiras, Wallis foi encorajada a desenvolver uma relação com o rei. Acharam que podiam controlá-lo ainda mais se a mulher estivesse do seu lado. Portanto, por um lado, os primos do rei tentavam influenciá-lo, e, por outro, a mulher fazia o mesmo. Tinham os dois simpatia pelo nazismo, mas ela foi também usada como peça fundamental.
No livro descreve uma espécie de sentimento de culpa ou arrependimento pelo facto de o rei ter deixado o trono. Ao mesmo tempo, havia muita humilhação à mistura, Wallis Simpson mantinha uma certa distância. É difícil traçar um retrato sobre esta figura?
A sua motivação era o estatuto de ser a mulher do rei. Foi muito bem tratada financeiramente, conheceu imensa gente influente. Penso que nunca quis casar com o duque, mas ele ficou obcecado. Wallis ficou presa a um homem pelo qual foi perdendo respeito ao longo do tempo. Só que sentiu que não tinha alternativa. Depois de dois divórcios, tinha uma boa vida. Deixou de lado frustrações ou raiva. Aliás, quanto pior o tratava, mais ele era devoto. Uma relação muito submissa. Não eram felizes. Tinham interesses mútuos, ficaram presos um ao outro.
Como é que conseguiu descobrir mais informações sobre Wallis Simpson?
É descrita em diários, por amigos, pelo FBI. Qualquer documento que toca no duque, toca nela. Não são vistos como corpos diferentes. Também há quem tenha trabalhado com eles ou até escrito as suas biografias. Portanto, há muitos relatos na primeira pessoa. Também consegui ver as entrevistas que outros seus biógrafos fizeram. Há muito material primário que permita tirar-lhes uma fotografia.
Se surgisse agora um novo Eduardo VIII na família real teria o mesmo impacto que teve?
Temos o príncipe Harry, que é filho do rei, que revelou muita informação sensível e segredos familiares nos últimos meses. Isso está a danificar a família. Não é um traidor no mesmo sentido, porque não está a trabalhar para outro país. O príncipe André, que abusou do seu poder e estatuto, também ganhou dinheiro através da sua posição pública. Há outras figuras como estas em formas diferentes. Mas o duque é único. Alem disso, Harry e André estão numa posição de sucessão muito inferior, não é a mesma coisa. Mas há paralelismos.
Entre o príncipe Harry e Eduardo VIII?
Sim. Estamos a falar de um príncipe muito famoso e carismático que casou com uma mulher norte-americana divorciada. É filho de um monarca, afasta-se da sua família, do seu pai e dos seus irmãos e culpa tudo isto com o facto de ter tido maus pais. Um príncipe que partiu para o exílio, que ameaça a estabilidade e o futuro da família real. Que quer escapar, mas que explora a sua posição real. Envolve-se em projetos financeiros embaraçosos, como entrevistas pagas ou atividades comerciais. Que tenta fazer uma curadoria da história através de certos jornalistas e biógrafos. Que se queixa das finanças, dos títulos que não foram dados a Meghan Markle, sua mulher. Há mesmo muitos paralelismos.
Voltemos ao passado. Winston Churchill foi uma figura paternal para o duque? Como é que um dos mais famosos e influentes primeiros-ministros do mundo perdia tanto tempo com um rei moribundo?
Churchill era um grande apoiante do duque até o conhecer realmente. Apoiava a monarquia e apoiou a abdicação. Acho que percebeu as qualidades e os defeitos de Eduardo VIII em 1937 durante as negociações financeiras sobre a pós-abdicação. A verdade é que o ameaçou com a possibilidade do rei ir a tribunal marcial durante a guerra. Depois, considerou que o duque deveria ter um trabalho para se manter ocupado. É claro que Churchill não queria congelá-lo por razões práticas. A nível pessoal, não gostava dele. Mas para proteger a monarquia, achou que os documentos alemães deveriam ser destruídos para manter a reputação da família real.
Não o conseguiu.
Felizmente não.
Onde é que encontrou a correspondência entre os dois?
Há um grande arquivo chamado Churchill College Cambridge. Tive acesso a todos os documentos. Li cada pedaço dessas correspondências. Até os rascunhos. Acho que olhei para esta relação mais do que ninguém.
Foi difícil encontrar informações novas?
A escrita e a investigação demoraram dois anos. E estou a falar de um trabalho a tempo inteiro. Foi rápido, mas duro. Havia muito material novo, quase todo estava para ser usado. Viajei pelos arquivos do mundo inteiro para os conseguir. Tive de fazer vários pedidos, até através de tribunais. Fui a primeira pessoa a olhar para os documentos confidenciais dos arquivos reais. Ninguém pode dizer que não seja material novo. Penso que estabelece mesmo um caso sobre a traição de Eduardo VIII. Muitos historiadores desistiram dessa evidência. É irrefutável que o homem estava metido com os nazis e não era um simples inocente usada por eles.
Com que dúvidas ficou?
Gostava de saber mais sobre a morte de Harry Oakes, que acho que continua a ser encoberta. Há também partes da vida de Eduardo VIII sobre as quais gostava de saber mais, mas também sobre os negócios que mantinha com os alemães. Há documentos que continuam fechados. O triste é que muitos deles foram destruídos. Por exemplo, os documentos especiais da polícia britânica sobre o duque foram destruídos há vinte anos. Mas agora estou a escrever sobre o príncipe André. Acho que a ideia que as pessoas têm sobre ele pode mudar, pode ser ainda menos respeitado.
Qual é a sua motivação para escrever estes livros?
Durante quarenta anos dediquei-me à edição de livros. Isso atrasou-me na escrita. Em 1985 fiz uma biografia, mas desde então publiquei em 2015, 2019 e 2021. Olhei para figuras controversas com vidas secretas e tentei mudar a visão que o público tinha delas. Porque acho que houve encobrimentos. É isso que me interessa, pessoas que têm vidas paralelas. Muitos historiadores aceitam o status quo, eu tento mudar isso. Para que possamos ter uma melhor perspetiva do passado.
Não há agenda à mistura?
Não, não. Alguns acho-os realmente marcantes. Tento ser justo e equilibrado. A minha agenda é com a verdade.