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Aqui a nudez é natural. E recomenda-se

Há 40 anos nascia a Federação Portuguesa de Naturismo para defender a prática de tirar a roupa. Fomos perceber como funciona este modo de vida e quais os locais onde praticá-lo em Portugal.

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Da rádio para o parque de campismo, sem roupa

Nuno estava a caminho do hotel, depois de mais um dia de trabalho. Decidiu ligar o rádio para lhe fazer companhia no percurso. “Estava a dar a “Prova Oral” na Antena 3. Falava-se sobre naturismo. Nunca tinha ouvido a palavra”, recorda o responsável pela Quinta do Maral, no Marvão, um dos parques de campismo para naturistas em Portugal.

Ouviu o programa de Fernando Alvim até ao fim. Quando chegou ao hotel foi pesquisar mais sobre o tema. “Fiquei curioso. Havia imensa informação”, recorda Nuno, de 38 anos. Assim que regressou a casa, em Sintra, partilhou com Paula, de 34, o que tinha descoberto. “Fiquei com vontade de experimentar”, comenta. Convidou a mulher para ir à praia do Meco, a única para nudistas que conhecia. Inscreveram-se na Federação Portuguesa de Naturismo e começaram a frequentar praias onde as roupas não são permitidas. Longe de imaginar que iriam fazer disso um modo de vida.

Estávamos em 2005. Paula era aluna no curso de Turismo e decidiu fazer o relatório final sobre o tema. “Nos inquéritos que realizei percebi que havia muitos amigos e familiares que praticavam naturismo”, afirma. Já com o diploma numa mão e um plano de negócios na outra, avançaram para o projeto de ter um parque de campismo dedicado aos amantes desta prática. “Ambos fomos Escoteiros de Sintra, onde ganhámos o gosto pelo Turismo de Natureza e, em particular, pelo campismo”, explica Nuno.

Nuno e Paula abriram a Quinta do Maral, um parque de campismo naturista, em 2015. (Foto: DR)

Em 2008, partiram para uma “viagem de estudo” para perceber o que o mercado estrangeiro oferecia nesta área. Percorreram parques e centros de atividades em outros países, falaram com naturistas e com os responsáveis dos espaços. “Encontrámos projetos muito interessantes em França”, recorda Paula.

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Regressaram cheios de ideias e com vontade de passar rapidamente da teoria à pratica. “Sabíamos que existia oportunidade de negócio porque a oferta era pouca. Ainda hoje é”, dizem. Começaram a procurar no interior do Alentejo e optaram pelo Marvão. Com o apoio do PRODER receberam 100 mil euros para avançar com o projeto. Investiram mais 200 mil para tornar a Quinta do Maral no primeiro espaço rural dedicado aos naturistas e gerido por portugueses. Inicialmente as pessoas da terra estranharam o conceito e pensaram que os proprietários do parque eram do Canadá. Entre a escolha do terreno, compra, licenças e aprovações, a inauguração da Quinta do Maral aconteceu quase cinco anos depois, a 10 de junho de 2015.

“Nudismo não tem nada a ver com sexo”

Cinco anos é também o tempo que Rui Elvas leva na presidência da Federação Portuguesa de Naturismo (FPN). “Tornei-me naturista aos 40 anos”, recorda. De férias em Espanha com a mulher, reparou numa placa: “Se virasse para a esquerda tinha uma praia de naturistas. À direita uma normal.” Optou pela esquerda. Faz do naturismo uma forma de vida há sete anos.

Rui Elvas pratica nudismo há sete anos e é presidente da Federação Portuguesa de Naturismo há cinco. (Foto: DR)

“Foi uma coisa que me apareceu e me despertou atenção. Há pessoas que precisam de anos para se identificar, comigo foram alguns minutos”, explica Rui. Voltou para Portugal e decidiu pesquisar mais sobre o tema. “Não sabia como era. Fui ver as praias, os parques de campismo e os centros de atividades oficiais que existiam.” Começou a ter uma voz ativa.

Rui diz que o ambiente destas praias é diferente. “Há uma abertura de mente diferente, descontraída e sem preconceitos. Não tem nada a ver com sexo”, descreve o presidente. Este é um dos mitos que pretende desfazer. “A ideia errada de que os naturistas praticam atividades menos transparentes, ilegais e que são exibicionistas”, diz.

Com a Federação Portuguesa de Naturismo quer mostrar os benefícios para a saúde desta prática. “A questão física é uma delas. Aqui as pessoas são mais descomplexadas. Interagimos com todos os tipos de corpos.” Há estrias, há peitos maiores ou menores, pessoas mais gordas ou magras. A vergonha dissipa-se. “As pessoas são elas mesmo, sem máscaras, biquínis ou fatos de banho para esconder”, defende Rui.

"Aqui as pessoas são mais descomplexadas. Interagimos com todos os tipos de corpos. As pessoas são elas próprias, sem máscaras, biquínis ou fatos de banho para esconder."
Rui Elvas, presidente da Federação Portuguesa de Naturismo

Um desses exemplos são as pessoas vítimas de amputações ou cirurgias. “Temos muitos casos de mulheres mastomizadas que se libertam do biquíni e se sentem iguais aos outros”, explica. As dúvidas dos principiantes que chegam à atividade são muitas. “Os homens têm muitas com a parte sexual. É uma coisa normal.”

Na Federação, fundada a 1 de março de 1977 e portanto a celebrar agora 40 anos, desmitificam ideias quanto ao tamanho do pénis ou a uma ereção na praia. “Os naturistas não têm complexos, nem a sua prática coletiva tem a ver com posturas voyeuristas ou exibicionistas”, diz o presidente. Por isso, no site respondem como reagir a estas situações, como as mulheres naturistas devem fazer na altura da menstruação — em certos parques de campismo como o da Quinta do Maral podem usar cuecas, por exemplo — ou como explicar este conceito às crianças.

O rei vai nu e você também devia. É saudável

Atualmente contam com dois mil sócios, mas têm noção de que há muitas pessoas praticantes de naturismo em Portugal que não são associadas. “Pelo medo e o receio de serem reconhecidas por amigos ou no trabalho”, refere Rui. Por isso, juntam os associados em encontros na praia da Bela Vista, uma das oito oficiais no país para a divulgação do naturismo.

Respondem a dúvidas, levam merchandising da Federação e dão a conhecer as atividades dos centros federados, que em Portugal são três: o do Algarve, o do Centro e a Sociedade Portuguesa de Naturalogia.

O Clube Naturista do Centro existe desde 1998. (Foto: DR)

Há ainda o núcleo jovem da FPN, que tem como objetivo divulgar e promover a prática do Naturismo nos jovens entre os 18 e os 30 anos. “Temos cada vez mais famílias jovens com crianças a praticar naturismo. É importante porque elas serão os naturistas do futuro”, refere Rui, que considera esta prática adequada e até aconselhada para as crianças. “Nada melhor do que crescerem libertas de preconceitos ligados à forma do seu corpo, tantas vezes geradores de complexos e obsessões que diminuem, ou travam mesmo, o seu saudável desenvolvimento psico-social”, diz.

Com o cartão de sócio e 30 a 50 euros anualmente, têm direito a aceder às atividades dos clubes nacionais e internacionais, à entrada dos parques de campismo adeptos das práticas e aos convívios durante todo o ano. “É o caso da Piscina de Alvito que funciona todos os meses de inverno e permite-nos praticar naturismo sempre”, explica Rui, dizendo que esta é também uma forma de manter a ligação entre os associados.

"Temos cada vez mais famílias jovens com crianças a praticar naturismo. É importante porque elas serão os naturistas do futuro e nada melhor do que crescerem libertas de preconceitos ligados à forma do seu corpo, tantas vezes geradores de complexos e obsessões que diminuem, ou travam mesmo, o seu saudável desenvolvimento psico-social."
Rui Elvas, presidente da Federação Portuguesa de Naturismo

No parque ou na praia, locais autorizados onde andar nu

Em Portugal existem três parques de campismo naturistas, pelo menos oficiais. A NaturViana, em Viana do Castelo, é um espaço naturista rural com guesthouse, camas em árvores, beliches, espaço para cerca de 30 tendas e autocaravanas. O Monte Naturista O Barão, em Santiago do Cacém, é outro dos conhecidos espaços de férias naturistas com bungalows de madeira, uma casa móvel e uma zona de campismo que pode receber tendas, caravanas e autocaravanas.

A Quinta do Maral, do casal Paula e Nuno, no Parque Natural da Serra de São Mamede, Marvão, é a mais recente. Com uma área de 10 hectares, tem espaço para tendas, caravanas e autocaravanas, dois alojamentos com quarto, casa de banho e mini cozinha. Os hóspedes podem usufruir da piscina, bar e zona de convívio e biblioteca e ainda atividades como massagens, observação de aves, caminhadas e BTT. “Costumo dizer que vendemos silêncio e paisagem. É um parque muito rural”, diz Nuno.

É também 100% naturista. “Só entram pessoas praticantes ou que estejam dispostas a fazê-lo”, explica. Tem abertura para casais em que apenas um dos elementos faça nudismo desde que o outro se disponha a experimentar. “Temos logo esta conversa. Somos muitos exigentes nisto”, acrescenta Paula.

6 fotos

Em Portugal existem ainda outros espaços para a prática de naturismo. A Maison Africain, em Monchique, é um resort. A Cabana del Sol, na Serra de Alte, concelho de Loulé, é exclusivamente para casais adultos. Perto da conhecida área naturista de Portugal, o Meco, existe a Pool Houses, onde também se pode usufruir de massagens ou praticar ioga nudista. A Samonatura, em Odemira, é outro espaço que recebe naturistas.

Em Budens, no concelho de Vila do Bispo, a Quinta dos Carriços não é um parque de campismo exclusivo de naturistas mas tem uma área mais recatada para quem pretende despir-se de preconceitos. A Natural Portugal é uma unidade glamping onde é possível acampar com glamour e as tendas são de estilo safari, com cama king size, banheira e chuveiro.

Com a aprovação do regime da prática do naturismo e da criação dos espaços de naturismo, em 2010, esta passou a ser uma prática legalmente aceite em Portugal. Ao todo, existem oito praias oficiais de nudismo entre os arredores de Lisboa, no litoral alentejano e no Algarve, mas faz-se nudismo em muitas mais.

Ao todo existem oito praias naturistas oficiais em Portugal. Faz-se nudismo em muitas mais. (Foto: DR)

A Praia da Bela Vista é uma delas. Localizada entre a Costa da Caparica e a Fonte da Telha, no concelho de Almada, é composta por um extenso areal com dunas. Apesar de também ser frequentada por casais, é muito procurada por pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgéneros (LGBT). Por perto, a Praia da Adiça, na Fonte da Telha, é outro exemplo. A mais conhecida é a Praia do Meco. O extenso areal é um ponto de encontro dos praticantes de nudismo por excelência.

A Praia do Salto, a norte da Praia Grande de Porto Covo, no litoral alentejano, é outro espaço oficial. A sul da Praia da Zambujeira do Mar, a Praia dos Alteirinhos é um dos espaços onde a roupa não é permitida. A Praia das Adega, a sul da Praia de Odeceixe, no concelho de Aljezur, é uma praia assumida pelos nudistas. Já no Algarve, a Praia da Ilha de Tavira permite a prática do nudismo. Na Praia da Barreta, na Ilha Deserta, em Faro, também é autorizada a prática mas o acesso só é possível por barco.

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Segundo o Turismo de Portugal, os requerimentos para a autorização destes espaços devem ser apresentados junto das respetivas Câmaras Municipais.

O pior são os mirones. Há máquinas fotográficas que vão parar ao mar

Para fazer naturismo agora, Nuno e Paula deixaram as praias da zona de Sintra e do Meco e passaram a frequentar as barragens perto de casa ou, quando podem, a Comporta. Nunca sofreram de preconceito ou alguma situação embaraçosa. “Mirones há sempre”, contam.

Rui Elvas diz que são estas pessoas quem os incomoda mais. “Vemos os comportamentos de fotografar e filmar os genitais. Não é artístico ou profissional. É com maldade”, comenta o presidente da federação. “Já vi muitas máquinas fotográficas mergulharem no mar.”

Para os praticantes de naturismo, o pior são os mirones e as fotografias voyeuristas dos genitais. (Foto: DR)

Paula recorda que a situação pior que testemunhou foi na Praia da Vigia, em Sintra. “Havia uns movimentos estranhos entre um grupo de homens. Há pessoas que vão com as famílias e é desagradável”, diz.

São estas atitudes que Rui Elvas não quer associar ao naturismo. “Não temos nada contra grupos de swing, só pedimos que respeitem os nossos locais de naturismo.” Nos congressos internacionais da área, os problemas são os mesmos. “Mas lá fora as mentes são mais abertas do que aqui. Em Espanha o conceito é diferente, por exemplo”, diz, defendendo que é preciso mostrar às pessoas que o naturismo é legal e há espaços próprios para o praticar.

Para comemorar os 40 anos da Federação Portuguesa de Naturismo, o presidente vai reunir os sócios num jantar em que a roupa não entra. “Nem sempre é fácil encontrar um restaurante onde os empregados não se importam de servir pessoas nuas”, diz.

Rui Elvas insiste que as pessoas visitem os espaços destinados para este modo de vida e experimentem a sensação da nudez em público pelo menos uma vez na vida. Para comemorar os 40 anos da federação, o presidente vai reunir os sócios num jantar em que a roupa não entra. “Nem sempre é fácil encontrar um restaurante onde os empregados não se importam de servir pessoas nuas”, diz.

Espera trazer o naturismo para a ordem do dia, ver mais pessoas a dar cara pela causa. “Como as figuras públicas que vemos nas praias mas não o fazem por receio de se exporem”, atira. Daqui a cinco anos, o presidente espera duplicar o número de sócios. ”Uma realidade a crescer e virada para as novas gerações”, conclui. Foi o que aconteceu com o filho de Rui. “Com um mês, foi o primeiro bebé naturista em Portugal.”

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