Questionar. Fazer as malas. “Quando achamos que estamos no bom caminho e que finalmente encontrámos o que queríamos, devemos viajar. Para questionar tudo de novo”, diz Pedro Lucas Freire. Arquiteto realizador. E jovem – tem 28 anos. Responde ao Observador na Bélgica, em Antuérpia, onde integra a equipa de arquitetos da Poponcini & Lootens. Pelo meio, China e uma mão cheia de prémios. Diz que saber o que não se deve fazer é mais importante do que saber como fazer. Essencial é “ver tudo de uma outra perspetiva”.
Pedro Lucas Freire é um dos candidatos ao prémio Empreendedorismo Inovador na Diáspora Portuguesa, que desde 2008 distingue os portugueses que pela sua atividade empreendedora e inovadora se distinguiram além-fronteiras. Com o alto patrocínio do Presidente da República e promovido pela Cotec – Associação Empresarial para a Inovação, este prémio pretende fortalecer a ligação dos portugueses ao país de origem e reforçar a imagem de Portugal no estrangeiro. Mais: pretende refletir a internacionalização da economia e atrair investimento. As candidaturas para a edição de 2015 estão abertas até 31 de março.
Pedro Lucas Feire é natural da Ericeira, mas aos 20 anos saiu do país para estudar Arquitetura e Cinema em Antuérpia. Queria estudar “a componente mais teórica e filosófica do cinema”. Optou por se licenciar em arquitetura, porque sabia que isso não o impediria de continuar a filmar (coisa que não aconteceria se fizesse a escolha inversa). O coração sempre se dividiu entre as duas paixões. Enquanto estudou, realizou curtas-metragens e videoclipes para bandas. Foi um autodidata, que aos 19 anos ganhou prémios e menções nacionais com a curta-metragem “Inquietude”.
Quando terminou os estudos na Bélgica, foi para a China. Depois de ter passado por alguns ateliês de arquitetura, começou a realizar curtas-metragens documentais para o Shenzhen Center for Design, que corresponde à Ordem dos Arquitetos local. Estava decidido a ficar na cidade, mas desiludido com o método de empregabilidade que tinha encontrado. Não baixou os braços. Recrutou uma equipa de jovens arquitetos estrangeiros e preparou uma apresentação do potencial da equipa ao presidente da CSCEC Shenzhen, construtora estatal chinesa, que está entre as maiores do mundo.
“Penso que os elementos-chave foram um forte aperto de mão, boa disposição, uma boa apresentação e a humildade patente no esforço de tentar os primeiros dois minutos de conversação em mandarim, explicando o meu percurso e experiência”, explicou. Dois anos depois de estar a liderar a equipa de arquitetura da única construtora que integra o top 100 do ranking das 500 maiores empresas da Fortune – é uma das três maiores construtoras do país, de acordo com o Fortune 500 China, de 2014 -, voltou para a Bélgica e aceitou o desafio da Poponcini & Lootens.
Da CSCEC, trouxe uma menção honrosa pelo Grand Theater de Xiangyang. “Um edifício icónico a contrariar a tendência de uma arquitetura mais monumental e de estado. Por ter acontecido nos primeiros seis meses da minha presença, foi um arrojo que fez merecer a continuação do voto de confiança que me havia sido dado”, conta.
O que é mais difícil quando se quer ter sucesso fora do país que o viu nascer? A ausência da família, dos amigos e do contexto cultural. “Os portugueses perpetuam um sentimento de nostalgia e dor pela distância, que nos persegue desde os Descobrimentos. É importante o espírito de aventura e lembrar que a tecnologia encurta as distâncias”, diz. E lembrar que o melhor amigo, agora, pode ser virtual. Chama-se Skype e ajuda a aproximar as pessoas a milhares de quilómetros de distâncias. As passagens de avião são encaradas quase como bilhetes de autocarros, conta.
“A saudade não é brincadeira. Nem vergonha. Há que tê-la em conta e resistir-lhe até poder”, lembra Pedro Lucas Freire. Segredos para o sucesso? Vários. Começando pelo (não problema) de expressão. Um nível de inglês que se quer “incontestável” e talvez o domínio de uma terceira língua. Depois, conhecer bem a realidade do país de eleição. “Estudar os costumes da cultura que iremos encontrar”, diz. E nada existe sem uma rede de contactos, explica Pedro Lucas Freire. Daí ser tão importante que os empreendedores “se misturem” com os locais.
“Não existe mau networking. Todas as pessoas que conhecemos, de uma forma ou de outra ligam-nos e aproximam-nos um pouco mais do próximo passo das nossas vidas”, revela Pedro Lucas Freire. A que se segue a humildade, a ambição e a vontade de aprender. É por isso que diz que a humildade leva as pessoas até onde elas querem de uma forma mais sustentável. E pensa voltar? Pensa. “Porque somos um país de descobridores. Porque somos educados numa cultura que nos é extremamente íntima”, diz.
Pedro Lucas Freire lembra os valores de família e os laços de amizade que se sentem em Portugal, diferentes do que se sente noutros países. “O nosso céu azul, o nosso jeito e trato, a nossa gastronomia fazem os portugueses que estão fora sonhar com o dia em que voltam. Com mais ou menos pressa, mais ou menos ansiedade, mas a vontade, essa, é decerto geral”, diz. Sem esquecer o “potencial gigantesco” que o arquiteto acredita que os portugueses têm, bem como o facto de serem dos povos “mais trabalhadores e motivados” que já conheceu.
“Desejo que um dia todas as condições estejam reunidas para que os que desejam regressar possam contribuir para o desenvolvimento e crescimento do país e que olhemos para nós próprios como um exemplo de qualidade e não como uma nação na busca de estar ao nível das demais”, explicou.
“É mais fácil ser artista em França do que em Portugal”
O “potencial” de ser português. Mito ou realidade? Para Cristóvão Fonseca, 38 anos, realizador luso-francês, realidade. Sobretudo, em França. É a capacidade de os portugueses saberem desenrascar-se que os distingue, conta. A capacidade de improvisarem face ao inesperado. Como o Estado português não promove tantos apoios à cultura, não hesita: “É mais fácil ser artista em França do que em Portugal”, diz.
Nasceu em Paris, filho de emigrantes, mas é um entusiasta da cultura portuguesa. É por isso que a promove sempre que pode e faz dela objeto central de filmes e documentários. Mais: é por causa desta cultura que não o viu nascer, mas pela qual se apaixonou, que está a lançar uma produtora em Portugal para investir em vários setores da indústria criativa nacional. Objetivo: realizar filmes e documentários que promovam os artistas portugueses fora do país.
Esta vontade de levar a voz, a cor e a imagem dos portugueses além-fronteiras já lhe valeu o reconhecimento do Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, com a menção honrosa do Prémio Empreendedorismo Inovador na Diáspora Portuguesa, em 2012. Cristóvão Fonseca estudou cinema e jornalismo e colaborou durante dez anos com as principais produtoras e agências de imprensa francesas. Em 2007, lançou uma produtora especializada na realização de documentários e de grandes reportagens para a televisão francesa e internacional. Produziu mais de cinquenta.
O reconhecimento tem acompanhado a carreira de Cristóvão Fonseca. Com o filme “Des femmes en blanc”, viu o seu trabalho ser distinguido com o prémio de melhor documentário, em 2008, que foi atribuído pelo público da France Televisions. Mas aquele que lembra como o maior foi o que dedicou aos pais e avós e que veio pela mão do Presidente da República. “Dediquei o prémio aos emigrantes no geral. Acho que foram gerações (a dos meus pais e avós) que nunca foram reconhecidas e que me inspiraram ao longo da minha carreira e vida”, explicou ao Observador.
A quem quer empreender e ter sucesso lá fora, o realizador lusodescendente sugere que cheguem ao país de destino “com as malas cheias”. O truque está em aproveitar a riqueza do património cultural português. “Nos últimos anos, as pessoas começaram a valorizar. Está a emergir uma paixão sobre a cultura [portuguesa]. A ideia é que as pessoas viajem com as malas cheias dessa cultura e façam a diferença com ela”, diz.
Cristóvão Fonseca conta que a ideia de fazer de Portugal a sua casa cresce de dia para dia. Mesmo sabendo as dificuldades que o país atravessa, diz, acredita que as indústrias criativas são o futuro. E que se aproxima cada vez mais, porque acredita “imenso” na cultura portuguesa. “É a indústria onde temos de apostar. Em Portugal, há a sorte de a indústria ainda estar pouco desenvolvida e há uma espécie de tesouro que está pouco valorizado. Ainda há muito por fazer”, diz. Um tesouro por descobrir?
Ana Romero, da costura da avó os estampados de Nova Iorque
Aos 29 anos, Ana Romero Monteiro trocou as ruas de Lisboa pelas nova-iorquinas. A luz amarela pelos ecrãs publicitários de Times Square. E a mudança na direção fez com que na série de televisão “Gossip Girl”, as capas do iPhone de Blake Lively, falassem português. Tudo culpa de uma “paixão por estampados”, que fez com que o Design de Comunicação ficasse pelo caminho.
“Apaixonei-me pelos estampados através da internet, embora as linhas e os tecidos tenham sempre estado presentes na minha vida, desde muito pequena. Aprendi a coser com sete ou oito anos, pelas mãos da minha avó. Acho que foi aí que a paixão começou”, conta. Foi para Nova Iorque por causa de uma proposta de trabalho que o marido recebeu. Na cidade que nunca dorme, começou por criar e vender estampados em feiras de especialidade. Mostrava-os aos clientes, que eram sobretudo startups ou empresas pequenas, em mostras privadas. Mas começou a sentir que os desenhos eram apenas “uma peça na engrenagem” da sua criatividade. Queria ter controlo sobre o produto final.
“Ver toda aquela iniciativa inspirou-me a criar a minha coleção. Quis aproveitar ao máximo a oportunidade de estar num dos principais centros de moda e desta vontade de querer fazer coisas que é tão característica do espírito nova-iorquino”, conta. Em 2012, aventurou-se a lançar a marca de acessórios de moda “Ana Romero”, que se dirige ao mercado de gama alta e que tem por base os estampados coloridos, de inspiração ótica e com complexas paletas de cores.
“É uma marca jovem, colorida, que aposta na inovação, na criatividade, no design e na qualidade. Há um investimento na utilização de novas tecnologias, como a impressão digital, e em materiais e acabamentos de alta qualidade”, diz. Quando decidiu arrancar com o seu projeto, selecionou os estampados que considerou que melhor representavam o seu trabalho e começou a produzir os primeiros protótipos das capas para iPhone e lenços. Apresentou-os na feira de design International Contemporary Furniture Fair.
Foi o ponto de partida para a entrada na loja de artigos de luxo Barneys. Duas responsáveis pelo departamento de compras da loja perguntaram à jovem se poderiam ter as capas para iPhone em exclusivo na Barneys para o período de Natal. Aceitou. “Criámos uma embalagem especial, a pensar no cliente de luxo, e correu muito bem”, conta. Algum tempo depois, voltou a fazer uma coleção exclusiva para a Barneys, que estará à venda em abril.
As capas de iPhone de Ana Romero saíram da Barneys. E chegaram à série que Blake Lively protagoniza com Leighton Meester nos papéis de Serena van der Woodsen e Blair Waldorf, respetivamente, a Gossip Girl. A pessoa responsável pelos adereços da série viu as capas online e contactou a jovem. Ana Romero enviou-lhe algumas amostras. “Ela garantiu-me que, se a Blake Lively gostasse, utilizaria na sua personagem e assim foi. Ver o meu produto com aquele destaque no pequeno ecrã foi fantástico, porque a série tem uma verdadeira legião de fãs no mundo inteiro”, conta, acrescentando que ainda hoje aquele é o modelo mais procurado.
De Nova Iorque para a Suíça, por questões familiares. E em 2014, o registo da empresa em Portugal. Depois de dois anos mais conturbados, 2015 começou a “dar frutos”, explica Ana Romero. “A minha coleção chega ao Barneys em abril, vou fazer a minha primeira exposição no ‘foyer’ do Grande Auditório do CCB a convite da Metropolitana (5 de Abril), os nossos produtos estão à venda no Harrods numa parceria com a marca Portuguesa Fine&Candy, vou lançar uma coleção de artigos em pele e temos agora uma excelente agente no Reino Unido com bons contactos no mundo inteiro”, explica a jovem.
Além dos Estados Unidos da América (EUA), a marca Ana Romero está presente na Irlanda, no Japão, em Taiwan, no Canadá, em Portugal e no Reino Unido. Sobre as grandes dificuldades de quem quer empreender além-fronteiras, diz que o pior são os custos financeiros. De resto, confessa, só encontra vantagens, porque há um mercado “enorme”.
Dicas para quem quer tentar a sua sorte lá fora: expor em feiras internacionais, porque é a melhor forma de dar a conhecer um produto ou serviço no estrangeiro, diz. “Fazem-se contactos valiosos”, refere. Acrescenta a importância de definir objetivos em termos de mercado e concentrar esforços, para que não haja dispersão. “Com isto não quero dizer que devamos ignorar clientes de outros mercados, mas que todo o investimento de captação de clientes em novos mercados deve ser objetivo”, diz.
Confiança no produto e demonstrá-la é outro dos conselhos, bem como a persistência, velha aliada dos empreendedores. “O investimento na internacionalização, como aliás quase tudo num negócio, nunca dá frutos imediatos. É preciso ter resistência e ir perseverando lentamente”, revela. Por último, uma expressão em inglês “Work hard and be nice to people”, ou seja “trabalha muito e sê simpático para as pessoas”.
Ana Romero Monteiro diz que partilhar o caminho e experiência que se tem com outros empreendedores é extremamente valioso para evitar erros, encontrar soluções ou levantar a moral. “Nunca se sabe de onde pode vir a inspiração ou até um potencial cliente ou fornecedor”, disse. Tem 33 anos, vive na Suíça, e é uma das empreendedoras que leva a marca nacional a viajar pelo mundo. Quem serão os próximos?