Os discursos no Congresso do CDS
João Almeida: “Se acham que não vamos mudar de vida, não votem em mim”.
João Almeida não quer ser o rosto da continuidade de Assunção Cristas — é essa a principal crítica que lhe tem sido feita pelos adversários. Por isso, o começo do seu discurso foi desenhado para vincar muito bem que, com ele, o partido vai mudar — e vai mudar muito. Ao entrar no Congresso, já tinha avisado que, se ganhar, renovará 2/3 dos órgãos nacionais do CDS. E, depois, sublinhou ainda mais o ponto no seu discurso: “Se acham que vim para fazer igual, não votem em mim”.
João Almeida: “Como candidato: no País o CDS teve o pior resultado de sempre, mas aqui em Aveiro não tivemos o pior resultado de sempre, num círculo que elege 16 deputados. É isto o rosto do insucesso?”.
João Almeida contra-ataca as acusações de Francisco Rodrigues dos Santos que o critica por ser um dos rostos da derrota das legislativas de 2019 (por ser o porta-voz da direção de Cristas). Almeida, que esteve à frente da lista de Aveiro, lembrou que não teve no distrito o pior resultado de sempre — e que conseguiu ser eleito num círculo com apenas 16 deputados. A indirecta ao adversário é esta: Francisco Rodrigues dos Santos não conseguiu ser eleito no Porto (como número dois) num círculo com 40 deputados. E, por isso, João Almeida questionou: “É isto o rosto do insucesso?” Para ele, o rosto do insucesso foi Francisco Rodrigues dos Santos no Porto.
João Almeida: “Não vamos ser a direita que quer agradar à esquerda, mas também não vamos ser a direita que encaixa na caricatura que a esquerda faz de nós. Vamos ser um partido sem controleiros. E sem cesarismos. E sem messianismo. Sem coação e sem ameaças. Quero ser presidente de um partido livre e não controlado, de um partido de opiniões diferentes e não unanimismos, de um partido de muitos protagonistas e não de muitos seguidores”.
João Almeida voltou a atirar diretamente àquele que é visto como o seu principal adversário: Francisco Rodrigues dos Santos. Uma das principais críticas que lhe fazem é o facto de ter uma liderança unipessoal na presidência da Juventude Popular (os “cesarismos”), que controla os aplausos dos “jotas” com membros da sua confiança (“os controleiros”) e que tem uma legião de ‘chicãominions’ que o seguem independentemente para onde vai e do que defende (os “muitos seguidores”).
João Almeida: “Sabem qual é a minha opinião do atual Presidente da República. Se for preciso o CDS ter um candidato, vamos ter. E sei quem é. E vamos ter esse candidato. Quero dizer também que sei o resultado que tivemos em Lisboa. E quero dizer que tenho uma candidatura para conseguirmos manter o nível que tivemos nas últimas eleições”.
João Almeida quis mostrar que tem trunfos na manga (bem escondidos) para as Presidenciais e para as autárquicas. No que diz respeito às Presidenciais, quis dizer a Marcelo Rebelo de Sousa (e acima de tudo aos congressistas que acham que o atual chefe de Estado se afastou da direita) que, se o CDS acabar por não se rever na recandidatura do atual Presidente, tem um nome para lançar para Belém com o apoio do CDS. Só não disse quem será. Em Lisboa, onde o CDS é atualmente a segunda força política, na sequência do resultado de Assunção Cristas, diz ter um nome à altura. Só não disse também que nome é esse. Em tempos, Cavaco Silva venceu o seu primeiro Congresso do PSD — na Figueira da Foz — ao apoiar um nome para Presidente da República. Mas nessa altura, revelou o nome — era Freitas do Amaral. Já João Almeida mantém o mistério, o que tira eficácia à sua estratégia.
Francisco Rodrigues dos Santos: “Esta não é a moção das fontes anónimas que querem condicionar este congresso na imprensa. Damos a cara. Nestas intervenções iniciais, as fontes anónimas tiveram uma assinatura. (…) Internamente vamos ser um partido forte. Um partido que faz uma transição digital, que dispensa a mediação da imprensa para veicular as suas mensagens”.
Francisco Rodrigues dos Santos vitimizou-se com aquilo que diz serem artigos de imprensa contra a sua candidatura baseados em “fontes anónimas”. E insinuou que algumas dessas “fontes anónimas” o teriam precedido a falar aos militantes. Estaria a visar os apoiantes de João Almeida. Disse ainda que dispensa a “mediação da imprensa” para veicular as suas mensagens e assegurou que terá uma comunicação própria com os eleitores. Resta saber porque via. Será usando o Twitter, como faz, por exemplo, o Presidente americano? Ou estará a pensar num outro método?
Francisco Rodrigues dos Santos: “Nunca fomos um catch-all—party, de contrafação, um partido de meias-tintas (…) Não seremos nenhuma força de protesto bacoco, não vamos ser o Bloco de Esquerda da direita. Vamos resgatar o Estado e a economia da ditadura dos interesses, combater a corrupção, reforçar a regulação em setores estratégicos, reformar o nosso sistema eleitoral, encontrar um SNS modernizado e equipado, em que as pessoas não demorem três anos à espera por uma cirurgia urgente. Vamos criar um novo contrato de gerações”.
Francisco Rodrigues dos Santos atirou à direção cessante, dizendo que com ele o partido nunca será de “contrafação” ou de “meias-tintas” para tentar agradar a todos — o tal catch-all party que Cristas assumiu ter procurado. Esta é a grande crítica à direção anterior: ter-se tornado num partido sem identidade definida. Além disso, o candidato assume uma ambição de ser um partido de governação, que pode voltar ao poder, e não um partido de protesto, uma espécie de “Bloco de Esquerda da direita”.
Francisco Rodrigues dos Santos: “Para os nossos adversários, ultra-conservadores somos todos, reacionários somos todos, neoliberais somos todos, radicais somos todos — e, quando o combate aperta e a febre aumenta, até fascistas somos todos”.
João Almeida tinha visado Rodrigues dos Santos ao dizer que o CDS não pode ser a “direita que encaixa na caricatura que a esquerda faz de nós”. E não ficou sem resposta. O candidato lamentou que João Almeida utilize as mesmas críticas da esquerda para o atacar. E puxou de um argumento muito caro aos militantes do CDS desde o 25 de Abril: a acusação de que, seja quem for o líder ou a estratégia seguida, para uma parte da esquerda o CDS é e sempre será um partido de “fascistas”. O Congresso entusiasmou-se e esse era o objetivo de Rodrigues dos Santos: puxar pela camisola do CDS.
Francisco Rodrigues dos Santos: “Vamos renovar a autoridade do Estado e das suas polícias, uma escolha livre na educação, combater a ideologia de género nas escolas porque à família cabe educar e o Estado não deve coartar essa liberdade”.
A segurança e a autoridade do Estado foram bandeiras do CDS desde os tempos de Manuel Monteiro (primeiro) e de Paulo Portas (depois). Mas, recentemente, o partido perdeu a exclusividade para o Chega de André Ventura. Francisco Rodrigues dos Santos volta a insistir nelas e junta-lhes a luta contra a “ideologia de género”, comum a candidatos como Abel Matos Santos.
Filipe Lobo d’Ávila: “Estou de consciência tranquila e estou com total confiança. Avisei que o caminho não era o correto, fui o único e sei que se não o tivesse feito hoje estaríamos bem pior”.
Foi o momento “Eu bem vos avisei que isto não ia dar certo”. Filipe Lobo d’Ávila lembrou que foi aquele que melhor leu politicamente o rumo do partido e que no congresso anterior foi o único a contrariar o entusiasmo coletivo e esmagador em torno de Cristas. Tem isso na lapela: discordou de uma estratégia que parecia vencedora enquanto outros foram para a direção da atual líder (Nuno Melo) ou aceitaram ir nas listas de deputados (Francisco Rodrigues dos Santos) mesmo alegadamente discordando da direção.
Filipe Lobo d’Ávila: “Não esquecemos o teu sucesso em Lisboa e que se quiseres voltará a renovar o teu compromisso”.
Embora tenha carregado nas tintas para atacar a direção de Cristas (mais para destacar que estava certo do que para espezinhar quem já estava no chão), Lobo d’Ávila elogiou o resultado da anterior líder em Lisboa e pede ‘bis’. Caso seja líder, o candidato deixa a porta aberta e lança uma candidatura de Cristas à câmara da capital em 2021. Aliás, Filipe Lobo D’Ávila foi o primeiro a defender Cristas no púlpito, agradecendo-lhe o trabalho que fez pelo partido.
Filipe Lobo d’Ávila: “Sim, sim, vou a votos. Sim, sim. Sabendo que o voto é de quem o dá e não de quem o recebe e por isso mesmo sabendo que está tudo nas mãos dos congressistas”.
Filipe Lobo d’Ávila repetiu várias vezes que não ia abdicar a favor de nenhum dos outros candidatos e que levaria a moção a votos. Ainda assim, havia quem desconfiasse que poderia não ir até ao fim — e que, em alternativa, podia abdicar a favor de Francisco Rodrigues dos Santos. Agora, no palanque, reiterou que vai a votos. Além disso, disse acreditar no voto livre, fora de lógicas de apoios de concelhias ou distritais. Resta saber, caso não vença, para onde cairão os seus apoiantes na eleição
Abel Matos Santos: “Temos de perceber quem conduziu o partido a esta fase e pedir-lhes que se afastem. Deixem quem tem outra visão, sem vícios, com outra energia e com outra força apresentar-se e tomar nas mãos o destino do CDS (…) Devemos contar com todos, mas precisamos de novos atores políticos que substituam os que levaram ao quase desaparecimento do grupo parlamentar do CDS”.
Abel Matos Santos não quer nada com a continuidade e com o atual status quo do partido. Decretou o fim dos protagonistas que fizeram parte do portismo e sucederam ao portismo e exigiu-lhes que saiam da frente. Para o candidato, são eles os responsáveis pelo atual estado do partido e devem dar espaço a quem defende uma estratégia diferente. Ao pedir “novos atores políticos”, Abel Matos Santos está a dizer claramente: todos menos João Almeida e os membros do inner circle de Cristas.
Abel Matos Santos: “Eu quero um CDS seguro e confiável, um CDS que confia na economia privada, mas com responsabilidade social. Que defende a família, a base de uma sociedade saudável e positiva. Defendo um CDS conservador, porque ser conservador é manter o que está bem e mudar o que está mal”.
Abel Matos Santos sempre insistiu na questão ideológica. Para ele, o partido deve deslocar-se para a direita conservadora, de defesa das tradições (como as touradas e a caça) e também da defesa da vida, lembrando “todos aqueles que não podem nascer devido ao aborto, por terem pouco apoio do Estado”. O candidato atirou ainda à “ideologia de género” nas escolas, querendo posicionar o CDS como um partido “guerrilheiro” contra a agenda de costumes da esquerda.
Carlos Meira: “O CDS bateu no fundo e com muito estrondo. Negar a realidade escura do CDS em nada ajuda para ter uma vida nova no CDS”.
O candidato que dispensa o politicamente correto teve um discurso mais institucional do que no último congresso. Foi menos agressivo, até porque o seu alvo-de-todas-as-horas, Assunção Cristas, já tinha batido em retirada e abandonado a sala do Congresso. Ainda assim, Meira responde aos que dizem que prejudica o partido pela forma crua com que critica a direção cessante, dizendo que o CDS não ganha nada em dourar a pílula da derrota de outubro.
Carlos Meira: “Desafio-vos a todos, e cá estarei para dar o exemplo, a sair da comodidade do sofá para sairmos à rua e sem tréguas. Combater a nova ditadura do gosto, apoiada, suportada e financiada por uma certa esquerda que nos quer impor limites à nossa forma de viver, barreiras à nossa forma de educar. Contem comigo”.
Carlos Meira é um dos candidatos que defende o regresso do CDS conservador, rural, de valores. E, por isso, quer uma mobilização centrista contra as bandeiras da esquerda (como o aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou coadoção). Tal como Abel Matos Santos, promete ser um soldado numa guerra contra a “ideologia de género”.