Se, por um lado, as pessoas tóxicas são aquelas que nos causam irritabilidade e que nos julgam, por outro, há “pessoas vitamina” que são o oposto. “São aquelas que nos baixam o estado de alerta, que nos transmitem paz quando estamos em guerra, que nos fazem desfrutar das coisas boas da vida, ouvem-nos e não nos julgam”, diz em entrevista a psiquiatra espanhola Marian Rojas Estapé, que já antes comentou ao Observador como “trocámos o sentido da vida por sensações que geram vazio”.
Agora, no novo livro, “Encontre a sua pessoa vitamina”, a especialista que trabalha no Instituto Espanhol de Investigações Psiquiátricas em Madrid procura explicar como o bem-estar individual depende da forma como nos relacionamos e estamos dispostos a receber o afeto dos outros. Depois do best-seller “Como fazer para acontecerem coisas boas”, Estapé foca-se na “pessoa vitamina”, que potencia a segregação de oxitocina, e nas formas como podemos atraí-la, mas também no desenvolvimento do lado emocional de cada um.
“Às vezes, parece que ser frio faz de nós superiores, mas a realidade é que, quanto melhor gerimos o mundo emocional, melhor fica a vida pessoal, profissional, familiar e social. Quero que a questão emocional esteja na moda, que se fale dela, que não nos dê medo.”
Talvez estejamos mais habituados a falar de “pessoas tóxicas” quando devíamos estar concentrados em perceber quem são as “pessoas vitamina”. Como define uma “pessoa vitamina” e quais as suas características?
Sempre disse que uma pessoa não é tóxica em si, o que é tóxico é o efeito que produz nos outros ao elevar os níveis de cortisol, que é a hormona do stress. Quando convivemos constantemente com uma pessoa que nos altera, que nos deixa em estado de alerta e ativa o nosso sistema nervoso simpático, os níveis de cortisol sobem, pelo que o nosso organismo fica alterado. Essa intoxicação de cortisol é o que vai fazer com que a pessoa se converta em tóxica, no nosso organismo e na nossa mente.
Por oposição a isso, temos as pessoas vitamina: são aquelas que nos baixam o estado de alerta, que nos transmitem paz quando estamos em guerra, que nos fazem desfrutar das coisas boas da vida, ouvem-nos e não nos julgam. Para mim, a chave é o facto de elas não julgarem o outro. São pessoas que, mesmo que fiquemos algum tempo sem vê-las, quando estamos com elas notamos que há sintonia e harmonia, notamos que são pessoas que fazem sobressair o melhor em nós ou fazem-nos passar um bom bocado. Não nos criticam, não se fazem de vítima e não nos manipulam, são pessoas que, no geral, fazem com que nos sintamos bem e ajudam a melhorar o nosso organismo e o nosso sistema imunitário.
Como é que as “pessoas vitamina” impactam o nosso cérebro e o nosso bem-estar?
Como explicava, as “pessoas vitamina” são aquelas que nos ativam a oxitocina, que é a hormona dos vínculos, e baixam os nossos níveis de cortisol — quando esta hormona está muito tempo ativada, a intoxicação provocada pelo cortisol altera o nosso sistema imunitário e produz inflamação. Os estados de alerta — mantidos por causa de pessoas, por pensamentos ou lembranças — alteram o nosso sistema imunitário e podem levar-nos a um quadro de ansiedade ou de depressão. Por isso é tão importante conhecer o que nos altera e, por outro lado, ter “pessoas vitamina” que são capazes de mitigar esse efeito tão tóxico.
A ocitocina, essa hormona tão maravilhosa, que é a do parto e da amamentação, e dos vínculos, é a hormona que nos ajuda a sentirmos bem, gera bem-estar; é o símbolo bioquímico da empatia, é a hormona do “estou contigo, não te julgo e faço-te sentir bem”. É a hormona das carícias, a hormona dos abraços — os abraços de oito segundos são capazes de estimular a oxitocina. As pessoas a quem chamo de “pessoas vitamina” têm um poder curativo sobre a nossa a mente e sobre o nosso organismo. Já as pessoas tóxicas deixam-nos num estado de irritabilidade, de mal-estar, de raiva e de sofrimento — quando pensamos nelas, quando estamos com elas e até depois de estarmos com elas. Em relação às “pessoas vitamina”, a sua lembrança ajuda-nos a sentirmo-nos melhor.
Cuidado, talvez esteja a ser manipulado (no trabalho, nas amizades e no amor)
Uma pessoa considerada “tóxica” pode invejar e tentar destruir uma “pessoa vitamina”? O mundo consegue ser difícil para as pessoas mais empáticas…
Muitas pessoas não suportam a empatia, a proximidade e aqueles que cuidam porque isso fá-las sair da sua zona de conforto. Imaginemos pessoas que falam mal, que criticam, que invejam e que desfrutam disso… quando se encontram na vida com alguém bom, cuidador e empático, ficam nervosas, sentem-se mal e ativam o seu estado de desconforto — nesses casos, tentam destruir esse alguém com a crítica, procurando defeitos, fazendo-o sentir-se mal, julgando ou criticando alguns dos seus comportamentos. Há pessoas que são excessivamente empáticas, excessivamente próximas e sensíveis, e acabam por sofrer de uma forma desproporcional como tudo aquilo que as rodeia, é preciso ter cuidado. E se alguma pessoa se aproveita desse excesso de empatia ou de sensibilidade, há que também usar um “impermeável psicológico”, um sistema de proteção para não sofrer.
O que são "pessoas altamente sensíveis"?
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Tal como explicado nesta entrevista, o termo “pessoas altamente sensíveis”, do inglês “highly sensitive person”, foi cunhado na década de 90 pela psicóloga clínica norte-americana Elaine Aron, cujo marido, Arthur Aron, é um dos autores do guião das 36 questões que já antes fizeram dois desconhecidos apaixonarem-se.
O termo em questão, segundo a autora e fundadora da Associação de Pessoas com Alta Sensibilidade de Espanha (APASE) Karina Zegers de Beijl, “pode ser definido tendo em conta quatro grandes pilares“. Um deles remete para “a forma como estas pessoas processam toda a informação que lhes chega, é um processamento profundo, elas refletem sobre tudo”. O segundo tem em conta o facto de ficarem “demasiado estimuladas” dado o nível de informação: “Se há muita informação a entrar sem tempo suficiente para que esta seja processada da forma como elas o fazem, as PAS ficam muito estimuladas porque ficam nervosas e stressadas“.
E se a terceira grande característica remete para o facto de serem “bastante emocionais para o bem e para o mal”, sentindo o “sofrimento como, se de alguma forma, fosse delas”, o quarto aspeto é que “são sensíveis às subtilezas, são capazes de notar pequenos detalhes, como um cabelo solto no ombro, uma mudança de mobília na casa de um amigo ou um quadro que não está direito”.
“Reparam nestas coisas. Também ficam mais facilmente incomodadas com o barulho, quando outras pessoas não notam nada, as PAS são capazes de comentar ‘Porque é que está tão barulhento aqui?’. O mesmo com os cheiros.”
Ainda nesse sentido, uma “pessoa vitamina” pode ser uma PAS (termo para “pessoa altamente sensível”)?
Totalmente. Uma “pessoa altamente sensível” é uma pessoa com uma enorme capacidade empática, pelo que sente um pouco mais do que os outros, tem mais intuição. Uma das minhas melhores amigas é PAS e é uma pessoa maravilhosa com uma capacidade excecional de cuidar dos demais. É certo que uma pessoa PAS pode ser demasiado sensível e estar sempre alerta porque tudo lhe provoca muita perturbação.
Gostava que comentasse as seguintes citações retiradas do livro:
- “Ser emocional não está na moda”:
Quero meter o mundo emocional nas empresas, nas universidades, nas escolas, na política e na vida social. Quase tudo o que nos rodeia requerer uma boa gestão emocional para sairmos os mais fortalecidos possível das situações. Não é o mesmo ser um jovem com inteligência emocional do que sem inteligência emocional — e o mesmo se aplica a um casal, a um diretor ou a um líder. Às vezes, parece que ser frio faz de nós superiores, mas a realidade é que, quanto melhor gerimos o mundo emocional, melhor fica a vida pessoal, profissional, familiar e social. Quero que a questão emocional esteja na moda, que se fale dela, que não nos dê medo.
- “Não se deve fomentar o acesso a lugares executivos de pessoas com um historial negativo em termos humanos”:
Efetivamente, porque um líder é uma pessoa com muita influência no resto da equipa. Não é o mesmo ter um chefe empático ou um chefe frio. Se um chefe passa confiança nos seus empregados, há um impulso em trazer ao de cima o que há de melhor neles, a equipa funcionará muitíssimo melhor. Mas existem pessoas que têm um historial de dureza, de frieza e de mau trato. Conheci pessoas maravilhosas em cargos de liderança com uma enorme capacidade empática e de gestão de pessoas. A minha opinião é que as boas pessoas podem potenciar as equipas, em relação às más é preciso ter cuidado: um chefe que é má pessoa pode destruir o coração e a vida dos seus empregados.
Viajando agora à esfera familiar, como são os “pais vitamina”?
Passa por dar muito carinho e por expressar o mundo emocional aos nossos filhos, e não ter medo de pedir perdão. Ter os limites claros e ter as ideias claras face ao principais temas da educação, caso contrário é uma negociação constante. Por outro lado, é importante tentar estarmos bem com as nossas vidas enquanto filhos dos nossos pais, para não replicarmos padrões dolorosos ou traumáticos.
“Como foste amado, assim amarás” é sempre assim? É possível que muitos de nós não tenhamos consciência de como fomos amados?
Dei-me conta em terapia que muitas das feridas que trazemos vêm de um passado doloroso. Numa casa onde ninguém demonstra afeto, nem com palavras nem com gestos, é provável que em casal haja a replicação, de alguma forma, desses padrões aprendidos. Uma pessoa que não foi ensinada a amar, que não recebeu amor ou sofreu maus-tratos, bullying ou abuso, nos piores casos, é uma pessoa danificada no plano afetivo e muitas vezes replica isto.
Escreve também que “no plano das relações há uma imaturidade galopante” e que “vivemos como se os trinta fossem os novos vinte e os quarenta os novos trinta”… Como assim?
Por um lado, há pessoas que têm um enorme medo de compromisso, que preferem divertir-se a semear algo mais sério como formar uma família. Por outro, há relações que vivem à base de sentimentos… para que uma relação funcione também é importante ter cabeça e ter ideias claras do que se está à procura. Os sentimentos são algo muito maleável, dependem de muitos fatores. O amor que funciona é o amor que se trabalha em detalhes pequenos, como evitar discussões desnecessárias — a maturidade é ser capaz de meter a cabeça nas coisas que estão relacionadas com o âmbito dos sentimentos.
E, já agora, porque é que nos apaixonamos por quem não nos convém?
Há múltiplas respostas. Às vezes é a história que trazemos às costas, às vezes sentimos uma certa atração por pessoas com quem replicamos padrões. Esta pergunta dava para uma conferência inteira a dar exemplos.
Afinal, quais os critérios para escolher bem um/a companheiro/a?
Sempre disse que é preciso ter cabeça no momento de escolher um/a companheiro/a. Tem de haver uma faísca e, num segundo momento, é preciso perceber se a pessoa combina ou não connosco. É nos momentos de paz e de serenidade que fazemos essa introspeção: “Tendo em conta a minha forma de ser, o que é necessário para que uma relação comigo funcione?”. Cada um terá os seus próprios critérios. E convém que esses critérios sejam claros já que a faísca é algo que enevoa o córtex pré-frontal, que é a capacidade de prestarmos atenção — corremos o risco de sermos incapazes de analisar as coisas de forma sensata e de as relações falharem.
Voltando um pouco atrás, quais são os sinais de que estamos na companhia de uma “pessoa tóxica”?
Notamos que, quando estamos próximos dessas pessoas, o nosso organismo fica em modo alerta, ficamos irritados e nervosos. Vamos comer com essa pessoa e, de repente, a comida cai-nos mal. Nesses casos, temos de ter um plano, há que fazer um trabalho de introspeção e identificar quem são essas pessoas [que nos prejudicam]. Às vezes estamos tão acostumados à toxicidade de um companheiro/a, de um sogro, de um cunhado ou de uma nora, que não damos conta que isso nos está a afetar o organismo. Não podemos permitir que isso nos deixe doentes.
E se a “pessoa tóxica” na nossa vida for um filho, uma mãe ou um companheiro?
Esta é a chave da vida. Primeiro é a identificação, o segundo passo é colocarmos a seguinte pergunta: “De certeza que esta pessoa me altera os níveis de cortisol?”. Depois é perguntar “porquê”— porque nos julga, porque nos critica, porque nos insulta ou manipula — e “desde quando?”. Às vezes temos de pedir ajuda a um terapeuta, aplicar um “impermeável psicológico”. E às vezes há que perdoar.
A “pessoa tóxica” vai sempre a tempo de se tornar numa “pessoa vitamina”?
Nunca é tarde para começarmos a viver a vida de um ponto de vista positivo, não há que ter medo em mudar, em pedir perdão. Mas não podemos ser “pessoas vitamina” para toda a gente. Perdoar é um ato de amor e não há nada melhor em começar a curar as feridas e tentar a conversão para uma “pessoa vitamina”.