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Quem dá o que tem, a mais não é obrigado. O sr. Pires dá histórias e, a quem lhe dê dois dedos de conversa, café e pastéis de nata. Datas é que não é com ele. Sabe que entrou como empregado para a Central da Baixa “em 1968. Ou 67”. Sabe que se juntou com uns sócios e comprou a pastelaria em 1999. Mas não sabe dizer há quantos anos, naquele prédio de azulejos esverdeados da Rua do Ouro, em Lisboa, é que existe a carismática pastelaria. Ele tem apenas uma vaga ideia que a Central da Baixa abriu ao público “em 1800 e tal”, mas de uma coisa não tem dúvidas: o espaço fechou há cerca de dois meses.
As grades estão corridas para baixo e um aviso afixado na porta informa que a pastelaria, famosa pelos palmiers e pelos pastéis de nata, vai reabrir com nova gerência. Diz o sr. Pires, e é informação que corre por toda a Baixa, que a Central fechou porque o senhorio propôs um aumento da renda para 15 mil euros mensais. O negócio já não andava famoso nos últimos anos — os bancos e escritórios que outrora povoavam esta zona da capital já se foram quase todos embora — e por isso esta gerência decidiu que não queria pagar uma quantia daquelas.
É uma história recorrente na Baixa de Lisboa. O Observador andou rua a rua, porta a porta, loja a loja, e ouviu vários episódios semelhantes. Seja porque receberam ordem de despejo, seja porque o negócio está mau ou seja porque os comerciantes temem ter atualizações de renda incomportáveis, há dezenas de espaços comerciais ameaçados neste bairro. Alguns podem fechar dentro de dois ou três anos, outros só sobreviverão mais alguns meses, outros não resistiram ao fim de março.
Rua da Prata
A Rua do Ouro, onde fica a Central da Baixa, não parece ser das mais afetadas pelo eminente fecho de muito comércio. A Rua da Prata, por exemplo, tem muitos mais exemplos. A começar pela Drogaria S. Pereira Leão (no mapa, tem o número 6), que fecha já esta quinta-feira, 31 de março, depois de mais de cinquenta anos aberta ao público. Neste local funcionam drogarias desde o século XIX, mas o edifício está devoluto do rés-do-chão para cima e vai ser transformado num hotel.
Do outro lado da rua, outra drogaria também pode ter os dias contados. É a Central (5), aberta desde 1921, cujos proprietários também receberam uma ordem de despejo que está atualmente a ser contestada judicialmente. Os mesmos empresários já tiveram de abandonar um espaço semelhante na Rua do Loreto, num prédio que vai ter apartamentos para turistas.
Situados em prédios muito degradados, na Ourivesaria Crisólita (9) e no Café Restinga (7) teme-se pelo futuro. Ambos os edifícios foram vendidos recentemente e já começou por aqui a correr a ideia de que, à semelhança de prédios vizinhos, estes vão ser transformados em hotéis. Só o tempo dirá se isso se confirma, mas parece certo que são necessárias obras profundas. Diz a lei das rendas, aprovada em 2012 pelo Governo de Passos Coelho, que, caso os contratos não tenham duração determinada (a maioria dos existentes nesta zona), os senhorios podem despejar os inquilinos para “realização de obra de remodelação ou restauro profundos”. Muitos proprietários recorrem a esta disposição legal para ficarem com os edifícios vazios, mas também são muitos os comerciantes que acusam os senhorios de terem deixado os edifícios degradarem-se ao ponto de precisarem de uma remodelação profunda. No edifício do Restinga também há uma garrafeira (8), mas o Observador não conseguiu falar com os responsáveis.
Situação diferente é a da Casa da Borracha (12), que fecha também no fim do mês e atira para o desemprego duas pessoas. Aqui, dizem-nos que o que dita o encerramento é o baixo volume de vendas dos últimos tempos. Nesse mesmo quarteirão, um prédio próximo tem uma grande tela da Santa Casa da Misericórdia (SCML) a anunciar obras. À semelhança de outros inquilinos comerciais noutros edifícios da SCML, uma loja de vestidos de noiva (10) e uma ótica (11) podem ter de fechar.
Se na Ourivesaria Luar de Prata (13) reina uma certa preocupação porque o prédio está à venda e o contrato de arrendamento acaba daqui a dois anos, o destino da Casa das Malas (4) já está traçado há muito tempo. Todo o enorme edifício que esta loja de 1887 ocupa está vazio, os restantes inquilinos já se foram embora. E o dono, apesar de não saber quando, tem a certeza de que vai ter de fechar portas. Isso, por exemplo, aconteceu muito recentemente à Casa Terenas (3).
Também para a Tabacaria Império da Sorte (2) o futuro é uma incógnita. Este prédio, na esquina com a Rua de São Nicolau, vai entrar brevemente em obras e os donos do espaço ainda não sabem se poderão lá ficar. O mesmo se passa com um restaurante (1) do outro lado da rua.
Rua dos Fanqueiros
A Rua dos Fanqueiros é daquelas da Baixa onde se ouvem mais queixas aos comerciantes. Logo na primeira porta a que batemos, a loja dos Armazéns Godinho (1), descobrimos um despejo. O prédio, diz o gerente, vai ser transformado num hotel, e os donos da loja recebem um pouco mais de um ano de renda como indemnização (cerca de 20 mil euros). Mesmo em frente, no passeio do outro lado, acabou de fechar o Mundo dos Fatos (2).
O prédio em que estão as lojas de fatos Figueiredo e Ferreira (4) e Manuel Sousa e Companhia (5) poderá entrar em obras daqui a muito pouco tempo, segundo nos dizem os responsáveis. Na Figueiredo e Ferreira, loja com mais de 50 anos, a renda é de 200 euros e, de acordo com o gerente, o senhorio já lhe disse que dentro de dois anos vai ter de se ir embora. A situação é semelhante na Sousa, onde a dona assegura que todos os dias aparecem muitas pessoas a perguntar se o prédio está à venda.
Nas lojas Saratoga (6) e Zínia (7), os contratos de arrendamento já não são como muitos que ainda subsistem na Baixa — têm a duração de cinco anos. Daqui a dois, há renegociação. E as queixas sobre o estado do negócio avolumam-se, o que leva os responsáveis a torcer o nariz a novos aumentos de renda. Queixa igual tem o dono da Galeria de Londres (3), situada num prédio devoluto. Com uma diferença: o contrato de arrendamento aqui é dos antigos.
Das rendas também se queixa a responsável pela Casa Azevedo (X), que garante que vai fechar a pequeníssima loja antes do fim do ano. A renda desta casa especializada em fardas e roupões subiu de 30 para 70 euros no início do ano, mas o estado do negócio é tão mau que nem esse montante pode ser comportado.
Já o contrato de arrendamento do Gravador Manuel Joaquim (8) termina só daqui a nove anos, mas o dono garante que muito antes disso há de ir embora.
Rua Augusta
Naquela que deve ser a mais movimentada rua da Baixa de Lisboa, há cinco espaços comerciais que podem ter o futuro em risco. A Ourivesaria Pimenta (1), por exemplo, está a vender joias em outlet até ao fim de março. Depois disso, não se sabe se continuará aberta. Ao lado, a Casa Frazão (4), de tecidos, tem contrato de arrendamento até 2018, mas a gerência diz ter perspetivas negativas para o que aí vem, uma vez que já em 2013, altura da renegociação do contrato, os valores pedidos pelo senhorio eram incompatíveis com as vendas da casa.
Do lado oposto da rua, a Casa da Sibéria (2), aberta desde 1918, luta pela sobrevivência. Os donos desta loja de malas estão a negociar com os senhorios, que querem fazer obras de remodelação profunda. Em igual situação está uma loja de roupa (3). O Observador sabe que, num outro prédio da Rua Augusta, uma loja centenária também luta por sobreviver. Decorrem neste momento negociações entre inquilinos e o senhorio.
Rua do Ouro
Na Rua do Ouro, já bastante despida de comércio, o Observador descobriu que a Relojoaria Salgado (1), aberta há 60 anos, vai fechar também no fim do mês, depois de o gerente ter chegado a acordo com o senhorio. No outro passeio fica a já fechada Central da Baixa, onde trabalhou o sr. Pires e onde iam ministros, presidentes de câmara e milhares de trabalhadores das redondezas. O Observador tentou saber junto do senhorio — um hotel — qual será o futuro do espaço, mas não obteve resposta.
Rua da Conceição
Na Rua da Conceição ainda não há dados concretos sobre o que se vai passar nos próximos meses, mas uma coisa é certa: o prédio onde ficam as retrosarias Nardo (1), Arqui Chique (2), Bijou (3) e J.R. da Silva (4) foi vendido recentemente e diz-se por aqui que o novo proprietário quer fazer um grande hotel, que ocupe todo o quarteirão. Mas isso, para já, são só rumores.
Rua do Comércio
Na Rua do Comércio há atualmente dois hotéis em construção, um em frente ao outro. E cada um tem outro hotel como vizinho. Ou seja, num quarteirão há quatro hotéis. Apesar do nome, a rua tem muito pouco comércio. Um dos estabelecimentos é a Relojoaria Conde (1), que é proprietária do espaço que ocupa. Apesar de não terem que se preocupar com rendas, Conde pai e Conde filho lamentam que as vendas não sejam as de antigamente e temem não ter volume de negócios suficiente para aguentar a relojoaria por muito mais tempo.
Rua dos Bacalhoeiros
Na Rua dos Bacalhoeiros, num prédio que atualmente está em obras, fecharam dois restaurantes há pouco tempo. É nesta artéria que fica a Conserveira de Lisboa (1), loja de 1930 onde os turistas vão em busca de uma vasta gama de conservas portuguesas. O prédio foi recentemente vendido e precisa de obras, mas o senhorio terá dito que queria manter a loja no local.
Rua dos Douradores
A Relojoaria Quartzo (1) está num dos prédios que a Santa Casa quer reabilitar. Quando o Observador a entrevistou em março do ano passado, Amândia Fernandes já dizia ter medo que o senhorio, de um momento para o outro, a obrigasse a encerrar portas. A notícia do despejo chegou no fim de fevereiro e, desde então, ela e a família têm estado em negociações com a instituição de modo a encontrar um espaço onde possam trabalhar enquanto o prédio vai para obras. “Ainda não me sinto velha para ir para casa”, disse em março de 2015 e repetiu em março de 2016.