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Entrevista com Bárbara Timo, judoca, a propósito do tema da saúde mental (depressão), no hotel Pestana Palace. Lisboa, 21 de Fevereiro de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR
Entrevista com Bárbara Timo, judoca, a propósito do tema da saúde mental (depressão), no hotel Pestana Palace. Lisboa, 21 de Fevereiro de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR
Escrevia no diário e eram sempre coisas muito negativas. Sentia-me muito mal, um lixo. Às vezes escrevia isso: “Eu sinto-me um lixo, eu sinto-me um lixo"
Tinha uma falta de respeito tão grande para comigo própria, que nem consigo expressar isso em palavras
Tinha vergonha. Tinha um preconceito e não queria que as pessoas me vissem como fraca. Se eu perco comigo, vou ganhar a quem?
Quando ele disse que ia ter de tomar um remédio, pensei logo para mim: 'Ai, sou maluca, não acredito!'
Ainda há um preconceito. Quem vai ao psiquiatra é quem não tem controlo de si próprio. A doença mental ainda é vista assim
Ninguém me dizia nada, eu é que imaginava que tinha de passar uma imagem de força. E que ter depressão era sinónimo de ser fraca ou não ter força
A primeira ação vem de uma decisão. Às vezes, a decisão para uns pode ser levantar-se da cama
Agora entendo que a depressão é uma condição que tenho e vou ter durante um tempo. Talvez me cure, talvez não. Mas isso não me define
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Bárbara Timo é uma judoca luso-brasileira. Foi medalha de ouro no Grand Slam de Paris em 2021, prata no Mundial de 2019 em Tóquio e bronze no Europeu em Lisboa em 2021

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Bárbara Timo é uma judoca luso-brasileira. Foi medalha de ouro no Grand Slam de Paris em 2021, prata no Mundial de 2019 em Tóquio e bronze no Europeu em Lisboa em 2021

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Bárbara Timo e a depressão: “Dizemos coisas a nós próprios que não diríamos a um inimigo”

A gargalhada esconde os dias maus. Depois de duas lesões que a afastaram da competição e de um confinamento que a deixou dois anos longe da família no Brasil, Bárbara Timo deixou de se reconhecer. “Será que eu já sou triste?”. A inquietação perseguiu-a e foi com muita vergonha e em segredo que marcou uma consulta com um psiquiatra que procurou no Google. Este foi só o primeiro passo. Tal como no tatami, a judoca sabe que cada avanço é uma vitória e que é preciso coragem para seguir em frente. Nesta entrevista da série “Labirinto – Conversas sobre Saúde Mental”, uma parceria do Observador e da Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento, Bárbara conta como foi receber o diagnóstico de uma depressão e seguir para os Jogos Olímpicos sem contar a ninguém. A vergonha e o estigma pesaram muito até ter descoberto a empatia. A medicação ajudou-a e a psicoterapia permitiu conhecer-se a si própria: “A depressão é uma condição com que vou conviver, mas não me define. E vou superá-la quantas vezes for necessário”, diz, quase um ano depois do inicio do tratamento.

Lembra-se do momento em que começou a perceber que não se sentia bem. Quando é que isso aconteceu?
Foi por fases. Havia momentos em que me sentia triste. Eu, que sempre estudei muito comportamento humano pensava, está bem, pode ser uma fase. Mas essa fase durou meses. Chegou o momento em que pensei: será que já sou triste? Já não me lembrava de uma Bárbara feliz. Tinha uns momentos com os meus amigos, tinha uns momentos de alegria, sim, mas quase que não sentia emoção. Ou a emoção era negativa.

Sentia-se assim no dia a dia, desde que acordava até que se deitava. Que era triste e não tinha emoções além da tristeza?
Sim. Sentia pensamentos negativos, algo que me fazia muito mal.

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Entrevista com Bárbara Timo, judoca, a propósito do tema da saúde mental (depressão), no hotel Pestana Palace. Lisboa, 21 de Fevereiro de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Que tipo de pensamentos?
Pensamentos obsessivos. Como sou atleta preciso muito de trabalhar os pensamentos, aquilo que vem à minha mente, mas estes eram pensamentos que
não conseguia controlar. Escrevia no diário e eram sempre coisas muito negativas sobre mim. Sentia-me muito mal, um lixo. Às vezes escrevia isso: “Eu sinto-me um lixo, eu sinto-me um lixo”. E era de uma forma tão obsessiva, que chegou o momento em que pensei: “Será que sou assim agora?” Porque já não conseguia ter memória de quando era uma pessoa feliz, ou de quando tinha pensamentos que conseguia controlar e tinha uma vida normal.

Ouça aqui a entrevista em podcast.

Bárbara Timo: “Estava a chorar e não sabia porquê. Me sentia Lixo”

Mas o “eu sou um lixo” porquê? Porque não fazia as coisas bem, porque não tinha amigos, porque não gostava de si? Era “um lixo” porque sentia que era uma pessoa que não prestava?
Foi uma das consequências da pandemia e toda a mudança que causou: a incerteza sobre os haver Jogos Olímpicos de Tóquio, o adiamento por um ano, a distância da minha família. Fiquei dois anos sem os ver. Apesar de tudo, nesse tempo, sempre tentei ter o controlo de mim própria. Só que num período de seis meses tive de fazer duas cirurgias. Tive lesões nos dois cotovelos.

Quando sente que tem essas fases, em que já não sabe se é alguma coisa mais além dessa tristeza, já estávamos em pandemia? Estávamos no primeiro confinamento?
Sim, em agosto, perto da primeira cirurgia, eu já não era eu. Acho que foi a partir de outubro de 2020.

Os meus amigos estavam fechados, e já não os via todos os dias. Acho que a depressão é muito fácil de esconder da sociedade. Sempre gostei de fazer os outros rir, acho que continuei com esse objetivo e ninguém reparou.

Então até lá, diria que era uma Bárbara feliz, com altos e baixos como todos nós, mas era uma mulher completamente integrada e sem esses pensamentos obsessivos. E depois teve a lesão. A lesão chega primeiro que esses pensamentos tristes?
Acho que uma uma veio a seguir à outra. Não tive o tempo suficiente para a tratar, porque tinha sempre a marca para os Jogos. Fiz a primeira competição oito semanas depois da cirurgia. Treinava ainda com os pontos. Não senti, mas tinha entrado em modo sobrevivência. Só que há uma altura em que a conta aparece. E depois de competir, continuava com dores. A cirurgia é um processo, não é em oito semanas que recuperamos. Às vezes é mais. E o stress vem depois. Acho que é um pouco como a pandemia: quanto estávamos no ponto mais crítico, todos sobrevivemos da maneira possível. Só que vejo agora, saindo um pouco desse cenário, que as pessoas estão a sentir mais ansiedade, não sabem o que está a acontecer. Acho que foi isso que aconteceu comigo.

Foi uma espécie de ressaca?
Aguentei no modo de sobrevivência..

Passou pelo primeiro confinamento, viu os Jogos Olímpicos serem adiados, teve uma lesão, uma cirurgia, tenta dar tudo e depois tem essa tristeza. Isso mudou o seu dia a dia? Essa tristeza fez com que por exemplo deixasse de sair, deixasse de conseguir estar com amigos, de conversar?
Acho que me fechei mais, sem dúvida. Mas o meu meio e a minha rotina também é muito de não sair. Os meus amigos estavam fechados, e já não os via todos os dias. Acho que a depressão é muito fácil de esconder da sociedade. Sempre gostei de fazer os outros rir, acho que continuei com esse objetivo e ninguém reparou.

Portanto, era uma Bárbara triste que fazia os outros rir?
Era. Era para esconder o que sentia. Ou então tentava cumprir o papel de que estava tudo bem. Mas por dentro estava destruída.

O diário foi o seu único confidente? Era só a ele que ia contando que tinha esses momentos de tristeza tão profunda?
Sim. Naquele momento era só o diário. Mesmo já a fazer terapia, ainda tinha barreiras muito grandes, ou então não sabia mesmo o que tinha. Não conseguia dizer o que pensava de mim própria. E só dizia, ‘Como é possível? Nem tenho coragem de dizer isso a outra pessoa’. Tinha uma falta de respeito tão grande para comigo própria, que nem consigo expressar isso em palavras.

Na minha segunda cirurgia, quando saí da clínica, tive uma crise que pensei que não ia aguentar. Faltavam quatro meses para os Jogos Olímpicos e decidi que não queria sofrer. Resolvi que ia marcar um psiquiatra, porque já chegava, não era mais possível.

Quanto tempo é que demorou a perceber que estava triste e a colocar essa interrogação ‘quem é que eu sou’? Quanto tempo é que guardou isso só para si?
Em outubro de 2020 fiz a cirurgia do cotovelo esquerdo, passou o ano, e em fevereiro de 2021 lesiono o cotovelo direito. Aqui a chave mudou totalmente. Dava por mim a chorar muito. A disciplina nunca foi um problema. Estava sempre nos treinos, mas estava sem vontade, sem dar aquele ‘a mais’ que acho que os atletas de alto rendimento precisam, o de dar um pouco mais de intensidade. Essa parte faltava-me um pouco. Estava ali, fazia o que estava escrito. Só. Só para me manter em movimento.

Fazia os mínimos…
Os mínimos, sim. Só que quando ia para casa, às vezes entrava no carro e tinha crises de choro. E não sabia porquê. Às vezes do nada, via-me a chorar e pensava: ‘Porque é que estou a chorar? Não sei explicar. Sinto tristeza, sinto angústia, mas não sei explicar o motivo. Estou triste, estou muito triste mas ao mesmo tempo estou numa luta’. Pensava, sou atleta, tenho de ser forte, tenho de mostrar. Não tenho razões para estar triste, como às vezes muitas pessoas pensam. Se tenho uma casa, tenho amigos, tenho saúde, porquê? Mas isto pode acontecer com qualquer um. Na minha segunda cirurgia, quando saí da clínica, tive uma crise que pensei que não ia aguentar. Faltavam quatro meses para os Jogos Olímpicos e decidi que não queria sofrer. Resolvi que ia marcar um psiquiatra, porque já chegava, não era mais possível. Não sabia o que tinha, mas queria saber a opinião de um especialista para me dizer se era normal viver assim ou se tinha alguma alteração.

Esses momentos em que chorava, explodia, desabafava foram passados sempre sozinha? Nunca teve nada disso perto de ninguém?
Tinha amigos, mas na maior parte do tempo estava sozinha.

Porque aguentava até estar sozinha ou acontecia só ter vontade de deitar cá para fora a tristeza nessas situações?
Tinha vergonha. Tinha um preconceito e não queria que as pessoas me vissem como fraca. Se eu perco comigo, vou ganhar a quem? É uma frase que dizemos, se eu perder para a minha mente, vou ganhar a que adversário? Achava que mostrar esse meu lado, era mostrar ser uma pessoa fraca. O que não
tem nada a ver.

Na verdade, como fiz tudo sozinha, foi o Google! Foi pela internet que procurei o médico, pelo plano de saúde. Mas tive a sorte de ter um excelente médico que é o que me acompanha até hoje. Desde o inicio e até agora ele foi muito empático.

Guardava para si. Mas ninguém percebeu?
Acho que não. Que me lembre, não.

Nem a treinadora? Quando tinha uma atleta que só cumpria os mínimos, apesar de gostar de criar os seus próprios desafios, a treinadora, a equipa, não perceberam que a Bárbara estava só a tentar passar despercebida e a não dar mais do que aquilo que conseguia?
Já li que muitos atores, até pessoas que acabaram por cometer suicídio, no dia anterior, no jantar anterior, estavam a sorrir. As pessoas conseguem manter uma máscara. Eu acho que conseguia. Mesmo fazendo o mínimo, já é muito mais do que muita gente faz. E conseguia manter uma rotina social mínima. Essa é também a dificuldade das pessoas se conseguirem abrir. Às vezes as pessoas nem imaginam o que se passa dentro de nós, porque conseguimos manter um papel. Um papel de fortaleza. Como sou atleta, como sou judoca, como sou uma lutadora, sei fazer esse papel. Mas não preciso de o fazer sempre…

Às vezes quando se faz esse papel, tendemos a nem perceber que estamos a passar por isso. Estamos numa necessidade de enganar a sociedade, que nos enganamos a nós próprios. Mas a Bárbara sabia que havia qualquer coisa que não estava bem?
Sabia. Não era possível sentir tanta tristeza, tanta angústia, tantos sentimentos ruins durante tanto tempo. Em fases de luto, fases de derrotas, de lesão, isso acontece, é importante deixarmos esses sentimentos virem. Mas quando isto se arrasta no tempo, começa a ficar uma coisa estranha. E também já não me conseguia lembrar de como era feliz. A minha grande questão era: ‘Será que sou assim? Será que a Bárbara hoje é triste e negativa e vai ser assim para sempre?’ Essa era a minha dúvida.

E então decidiu sozinha procurar ajuda? Para perceber se a Bárbara era isso ou ainda era aquilo que era no passado? Lembra-se quando é que tomou essa decisão de pedir ajuda especializada?
Foi logo depois dessa segunda cirurgia, no ano passado. Sei a data porque foi um dia antes de fazer 30 anos. Foi dia 9 de março. Faço 31, no dia 10. Foi uma data interessante, porque o nosso aniversário é um ciclo. E eu tive a coragem de ligar, marcar e comparecer. Porque também pensei em não aparecer na consulta. Acho que foi um acto de coragem, porque pensei que estava a fechar um ciclo e a iniciar outro.

Entrevista com Bárbara Timo, judoca, a propósito do tema da saúde mental (depressão), no hotel Pestana Palace. Lisboa, 21 de Fevereiro de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Como é que escolheu o médico? Foi uma decisão sua, procurou, aconselhou-se para procurar o médico certo, aquele que a pudesse verdadeiramente ajudar?
Na verdade, como fiz tudo sozinha, foi o Google! Foi pela internet que procurei o médico, pelo plano de saúde. Mas tive a sorte de ter um excelente médico que é o que me acompanha até hoje. Desde o inicio e até agora ele foi muito empático. Cheguei à primeira consulta, sentei-me já a chorar, a desabar, a contar o que sentia, o que pensava e ele tratou isso de uma maneira tão natural. Deve ser assim que ele vê, não é? Nunca mais me senti estranha. Ele disse-me : ‘Estas coisas acontecem, dadas as características e as circunstâncias da tua vida, tens sintomas de depressão. Vais ter de tomar um remédio’. Quando ele disse que ia ter de tomar um remédio, pensei logo para mim: ‘Ai, sou maluca, não acredito!’ E então perguntei: ‘Vou ficar maluca com este remédio?’ E ele respondeu que não, que era tudo muito tranquilo. É um remédio a longo prazo, só a partir da sexta semana é que se começa a sentir resultados. É um tratamento.

A Bárbara vai para uma consulta destas com os preconceitos todos que existem? Quem vai para uma consulta destas é porque se calhar “é maluca”…
Todos os preconceitos! Lembro-me que pensei mesmo em desistir da consulta. Naquele dia só pensava, acho que não preciso disto.

Porquê? Tinha medo de quê?
Acho que é o medo do desconhecido. E ainda há um preconceito. Quem vai ao psiquiatra é quem não tem controlo de si próprio. A doença mental ainda é vista assim. E tinha isso. Desde pegar na ficha da consulta, mostrar na receção e dizer baixinho “psiquiatra”, a ver se ela entendia logo. Sentar-me, olhar para todos, pensar se eles estariam todos a olhar para mim, será que todos sabiam quem sou? E também eu a julgar: ‘Todos os que estão aqui também são doidos? Ai meu Deus!!’ Acho que são pensamentos normais de se ter, mas o medo acho que é um pouco do desconhecido.

Tinha medo de ouvir alguma coisa que não estava preparada para ouvir? Que o médico lhe dissesse alguma coisa que pusesse em causa a imagem que tinha de si própria, dessa atleta que tem de ter segurança e que é forte?
Talvez. Na verdade quando ele me deu o diagnóstico foi um alívio. Porque pensava que tinha alguma coisa. Talvez o medo também pudesse ser de ele me dizer que não tinha nada e que esta era agora a minha realidade. O meu medo talvez fosse esse. Agora tenho de conviver com esta pessoa, comigo. E estava insuportável viver comigo. Os pensamentos eram muito ruins, havia falta de motivação, tristeza e crises de ansiedade. Iria ser muito difícil conviver comigo desta maneira.

Na farmácia, a máscara ajuda muito. Nós pensamos que estamos escondidos do mundo. Só há os olhinhos, pomos um capuz e pensamos: 'Vou comprar um remédio de maluco". Mas também é tudo muito fácil, porque o farmacêutico trabalha com isto todos os dias, eu devo ser só mais uma pessoa.

Ouve o diagnóstico logo na primeira consulta? Fica logo a saber que tem uma depressão?
Sim. Contei o que sentia, falei dos meus pensamentos, do que me aconteceu na vida nesses dois anos, e na primeira consulta ele diagnosticou uma depressão e indicou uns remédios.

Diz que o que sentiu foi quase um alívio, porque afinal tem uma doença e não vai continuar a ser essa pessoa tão triste.
Foi um alívio primeiro e foi muito fácil. Depois de ter acontecido, é daquelas coisas que dizemos: ‘Afinal é só isso?’ Pensei que era mais difícil. Porque o médico foi muito recetivo, muito empático e acho que isso também faz a diferença. A pessoa que está ali entender a tua dor e diagnosticar de uma forma natural. É muito importante a forma como o médico passa isso. Eu saí de lá a dizer, ok, está bem. Mas aí vem a fase 2, que é ter a receita e a farmácia. Aí também demorei um bocadinho.

O que é que aconteceu? Tem um papel com a receita e tinha de tomar medicação.
Sim. Na farmácia, a máscara ajuda muito. Nós pensamos que estamos escondidos do mundo. Só há os olhinhos, pomos um capuz e pensamos: ‘Vou comprar um remédio de maluco”. Mas também é tudo muito fácil, porque o farmacêutico trabalha com isto todos os dias, eu devo ser só mais uma pessoa. No nosso foco e na nossa perspetiva é que achamos que isto é o fim do mundo, mas não. Afinal também foi fácil e já fiz isto, já estou a fazer há um ano e é muito tranquilo.

Mas quando sai dessa primeira consulta, com a receita na mão, vai logo à farmácia ou fica a pensar se vale a pena dizer ao resto do mundo que vai passar a tomar uma medicação para pessoas “malucas”, como lhe chama?
Fui logo diretamente à farmácia. Como o meu aniversário era no dia seguinte, decidi começar logo para iniciar um novo ciclo. Aos 30 anos dar o primeiro passo para tentar ser uma nova pessoa. Comecei um dia antes do meu aniversário, mesmo à noite.

E sentiu alguma coisa? Houve logo alguma consequência imediata?
No inicio, nos primeiros dias, sentia uns enjoos e sonolência. Um pouco cansada, sono. Mas só. Depois foi tranquilo. Não me alterou nada no treino, que tenha tido a perceção. Por um lado acho que diminuiu o meu apetite. Mas não sei se foi da ansiedade. Eu descontava muita coisa na comida. Tudo para mim era uma razão para comer. Se estava feliz, comia. Era uma desculpa que tinha. Acho que juntando os dois, talvez o remédio me tenha tirado um pouco de apetite e eu também tirado um pouco da ansiedade. E acabei por perder bastante peso.

Tanto que até depois mudou de categoria no Judo. Foi nessa altura?
Isso foi um processo. Comecei em março a tomar os medicamentos. Senti melhorias 4, 6 semanas depois. Não sei se foi psicológico, mas lembro-me que na sexta semana avaliei-me e achei que estava melhor. Já sentia uma alegria, uma felicidade. Competi no Europeu sete semanas depois da cirurgia do cotovelo direito, fui medalha de bronze, e lembro-me que nessa altura já me sentia bem melhor, bem mais feliz por estar ali. Não tinha falta de confiança no tatami. Sabia que tinha condições, que era capaz. E sabia o que me faltava. Parecia que as sinapses, os neurónios não estavam a bater certo. E já no Europeu, em abril, seis semanas depois, comecei a sentir a felicidade de estar a competir. Sentir o prazer de estar no pódio. E isto foi melhorando, até ao Jogos Olímpicos, em julho de 2021. Só que aí perdi, o que foi…

Já vamos aos Jogos Olímpicos. No dia 9 de março começa essa medicação, o novo ciclo dos 30 anos. O tratamento era só a medicação ou também implicava ter consultas e conversas com o médico sobre aquilo que sentia?
Todas as consultas levavam mais de uma hora. Era uma consulta-terapia. E ele explicava-me muitas coisas. Ainda hoje me explica como abrir a minha mente para coisas que acha certas ou erradas, ou como eu ou a sociedade consideram certas. E ele abriu-me sempre a cabeça para seguir aquilo em que
acredito, aquilo que sou e o que me faz bem.

Contei ao médico do Comité Olímpico, porque nós temos de dizer todos os remédios que tomamos. Não é doping, mas é preciso estar descrito. Ele também me apoiou e até me disse que não tenho noção de quantos atletas têm depressão e são medicados. Só que isso ainda é um estigma. Ainda é uma coisa muito fechada. Lutei nos Jogos sem contar a ninguém.

Portanto, o seu processo de reequilíbrio tinha a ver com medicação mas também com questionar aquilo que sentia e a forma como olhava para a sociedade e a sociedade para si e toda a pressão que sentia.
Ninguém me pressionava! Eu é que achava. Ninguém me dizia nada, eu é que imaginava que tinha de passar uma imagem de força. E que ser fraca e ter depressão era sinónimo de ser fraca ou não ter força. Ou ser frágil. Mas sim, eu sou frágil. Há momentos em que sou fraca, há momentos em que tenho medo. Acho que a grande diferença hoje é que aceito os meus dois lados.

Quando é que conta que está a fazer um tratamento deste género? A quem conta em primeiro lugar? E depois como é que isso se reflete na sua vida e nos seus treinos?
Antes dos Jogos, contei ao médico.

Ou seja, só antes de julho, já com dois, três meses de tratamento?
Contei ao médico do Comité Olímpico, porque nós temos de dizer todos os remédios que tomamos. Não é doping, mas é preciso estar descrito. Ele também me apoiou e até me disse que não tenho noção de quantos atletas têm depressão e são medicados. Só que isso ainda é um estigma. E disse-me: ‘Está tudo bem’. Eu respondi: ‘A sério? É assim tão fácil?’ Mas é mesmo. Ainda é uma coisa muito fechada. Lutei nos Jogos sem contar a ninguém.

Nem à família? Porquê? Não quis preocupar?
Acho que foi a distância. E principalmente não queria que me tratassem de uma forma diferente. Como achava que os outros me iriam ver como frágil, não queria que de alguma forma me tratassem como diferente por causa desta condição. Por isso a minha decisão foi manter a máscara. Mas já me estava a sentir melhor. Só quando perco os Jogos, volto para o Brasil, passo lá as férias e conto à minha família, eles agem de uma forma muito natural. Com muita recetividade e amor. Mais uma vez, levo ‘um tapa na cara’ e penso, ‘ah, não é assim tão difícil’. Tive a sorte de ter uma família que me apoia e entende. E como eles me apoiaram e lidaram com isto da melhor maneira possível, senti-me mais à vontade para contar a toda a gente.

Portanto, estava muito na sua cabeça? O monstro estava na sua cabeça? Ninguém à sua volta a estava a julgar…
Ninguém. Isso é muito o que nós pensamos. Nós temos um ‘eu’ muito crítico, que é o mais difícil de lidar e o mais difícil de domar. Nós pensamos muito naquela voz que nos chama para o que fizemos de errado, ou que precisamos de fazer melhor e mais. Essa parte crítica é muito dura. Imaginava que seriam duros comigo, que teriam preconceitos ou então que não ia ser bem recebida. E foi absolutamente ao contrário.

Estava a falar dos Jogos. Não lhe correram bem. Isso abalou-a de alguma forma?
Completamente. Porque mudei a vida. Nasci no Brasil, vim para cá, conquistei a vaga para os Jogos num ano e meio, fui vice campeã do mundo em 2019, supostamente um ano antes dos Jogos, mas que acabaram por ser dois anos. Com alguma incerteza, sabia que tinha capacidade de ter bons resultados. Só que cheguei aos Jogos e senti que apanhei mesmo. Doeu muito. Perdi e perdi mesmo. Só tenho de dizer que a outra atleta foi melhor e isso é que me doeu muito. Custou tanto que não tive mais motivação para voltar. Já estava decidida a não voltar no próximo ciclo. E foi então que tive a ideia de descer de categoria no Judo. Aí pensei que tinha uma nova história para fazer. Gosto de novos desafios, acho que é isso que me motiva. Já são muitos anos na modalidade. Comecei aos oito. Já são 20 e poucos anos e acho que preciso de encontrar caminhos novos. Já que posso e tenho oportunidade de fazer mais um ciclo, quero agora encontrar novos caminhos.

Essa derrota fez regredir o seu tratamento, ou o facto de ter encontrado logo um desafio novo é a prova de que as consultas e a psicoterapia a ajudaram a encontar formas de dar a volta a uma situação de crise?
Não vejo muito como uma regressão. Vejo como uma condição que tenho hoje. Mas há coisas que tenho como certas para mim: sou capaz de superar e existem altos e baixos. Há dias bons e dias menos bons. Fases boas e fases menos boas. Uma derrota como a dos Jogos Olímpicos, não sei se quem não acompanha pode entender, mas é como se fosse o trabalho de uma vida deitado fora. Pelo menos no início, quando temos a derrota, pensamos que deitamos tudo ao lixo. Foram 4 anos. Nem 4 anos, é uma vida toda de trabalho para nada. Só depois é que se vai assimilando, vai-se percebendo que o que vale é o processo, a experiência. Ser atleta olímpico é algo muito grandioso e que poucos conseguem. Aí é que vai entrando essa parte de se valorizar e de perceber o quanto já conquistei. Mas no início é realmente um luto do trabalho. Parece que o trabalho foi todo em vão.

Os Jogos normalmente há entrosamento com as outras equipas, com os outros países, vamos assistir a jogos de futebol, natação, a outras coisas. Vamos conhecer a cidade. Mas nós só estávamos fechados ali, não podíamos ir para outro prédio sequer. Até a alimentação era limitada. Nós comíamos numa cabinezinha. Acredito que essa pressão tenha ficado a fervilhar numa panela de pressão e que muita gente estoirou.

Quando faz as malas em Pequim para voltar para Lisboa, vinha com a ideia de que já não ia lutar mais, não ia competir mais?
Sim. Sai da luta a dizer à minha treinadora: ‘Ana, arranja-me um emprego! Quero ser treinadora, não dá mais’. E ela diz-me: ‘Cala-te!’ Mas respondi-lhe, ‘Não treino para isto’. Foi entre lágrimas e raiva e choro. Acordava no dia seguinte e pensava, não tenho vontade. E acordava no outro dia e olhava à volta e não tenho vontade. E não tenho vontade. E foi assim. Fui para o Brasil de férias sem vontade.

Comunicou à família que nunca mais voltava a entrar no tatami?
Quando cheguei pedi, ‘por favor, não vamos falar sobre Jogos Olímpicos. Vocês viram a experiência que foi, depois, quando estiver bem, eu falo’. Tanto que nas primeiras semanas não me encontrei com ninguém lá. Só fiquei com a minha família. Ficámos mesmo fechados, porque sei que toda a gente ia querer saber dos Jogos. E eu nem conseguia falar. A primeira vez que falei sobre isso foi antes de voltar para cá. Uma Academia convidou-me para os visitar e conhecê-los. Aceitei por causa de uma amiga que era lá professora. Fui pela amizade. Quando lá cheguei, as crianças preparam uma festa para mim: cartazes, desenhos. No Brasil! E isso não foi só por mim. Quando vamos aos Jogos Olímpicos pensamos que é só por nós, mas impactamos em várias pessoas. É também por isso que estou aqui. Porque acho que a minha voz pode mudar a vida de alguém. E foi ali que senti que conseguia falar dos Jogos e disse-lhes: ‘É a primeira vez que estou a falar disto’. E eles ficaram todos ficaram a olhar para mim. ‘Como assim? Você foi aos Jogos!’ Foi aí que começou o processo de me valorizar e de valorizar a minha história.

Os Jogos Olímpicos do ano passado foram marcados por muitos atletas que tiveram este tipo de reação no fim. Houve muita emoção e muitas lágrimas, como provavelmente em nenhuns outros Jogos. O que é que aconteceu? Acha que a pandemia abalou mesmo a preparação destes atletas, que estão uma vida inteira a planear este momento e depois tudo parece desabar? Não foi só consigo, pois não?
Só fui a uns Jogos e o que posso dizer é com base noutras pessoas que foram a outros Jogos. Houve várias componentes. Esse ano a mais fez muita
diferença nos atletas de alto rendimento. Eu fiz duas cirurgias nesse ano a mais. Se fosse em 2020, teria feito os Jogos sem cirurgias. Outras pessoas
tiveram lesões. Outras não conseguiram manter mais um ano em alto rendimento. Isso é difícil. É como se as cartas fossem baralhadas e lançadas novamente. Houve muita mudança. Além disso, fizemos todos os Jogos num cenário fechado. Nós ficámos trancados na Aldeia. Não conseguíamos extravasar as emoções. Pela comparação do que outras pessoas contavam, nos Jogos normalmente há entrosamento com as outras equipas, com os outros países, vamos assistir a jogos de futebol, natação, a outras coisas. Até para distrair um pouco. Vamos conhecer a cidade. Tóquio é uma cidade maravilhosa. Mas nós só estávamos fechados ali, não podíamos ir para outro prédio sequer. Até a alimentação era limitada. Nós comíamos numa cabinezinha. Não havia  essa parte que é normal dos Jogos Olímpicos, que é a festa. Acredito que essa pressão tenha ficado a fervilhar numa panela de pressão e que muita gente estoirou.

Chega uma altura em que eles começam a blá blá blá... parecem gremlings... e vão dominando a cabeça. E quando chega essa altura digo 'não, está alguma coisa a acontecer'. Hoje, com a psicoterapia, o tratamento com o psicólogo e uma rede de apoio, faz-me sentir muito mais confortável em falar com os meus amigos. Isso vai fazer a diferença.

Está quase há um ano a fazer tratamento. Como é que está hoje a Bárbara?
Hoje vejo-me muito mais segura. Principalmente tenho mais entendimento de quem sou e aceito. Se há uma palavra que posso dizer hoje é que aceito muito mais quem sou. Agora entendo que não é uma condição que me define. Entendo que a depressão é uma condição que tenho e vou ter durante um tempo. Talvez me cure, talvez não. Mas isso não me define. O que me define são as minhas ações e o que faço com elas. E isso dá-me um empoderamento, sei que posso ter controlo sobre a minha vida e posso ter sucesso, como tive. Ganhei um Grand Slam. Estou a treinar em alto nível e tudo o mais. É saber que mesmo com essa condição, isso não me define.

Quer dizer que agora permite-se ter momentos de tristeza?
Sim, muito mais. Entendo quem sou e como funciono da melhor maneira. Não sei muito bem dizer quem eu sou, mas sei como funciono. Acho que uma das grandes oportunidades que surgiram desta fase, desta depressão, foi mesmo aceitar-me como sou e saber que está tudo bem assim. Que há fases ruins, que há momentos ruins, que é para deixar a emoção vir, não reprimir. É tentar também ajudar o próximo, porque de nada vale fazer isto só para mim. E é por isso que acho que estou aqui, para deixar uma mensagem que dê coragem às pessoas. De tomar uma decisão, e que às vezes a decisão é ligar para alguém, às vezes é ligar para o médico, é marcar uma consulta.

Se por acaso — e ninguém quer — tivermos de passar por outro momento de confinamento, essa perspetiva de podermos passar por isso outra vez, deixa-a como? Acha que isso lhe pode dar um clique negativo, que isso a possa afetar outra vez de uma forma muito dura e profunda?
Acho que hoje consigo ter sinais de alerta. Aceito os dias bons, os dias maus, mas tento ter o melhor de mim. Ter comportamentos que tragam o melhor de mim. Deixo a tristeza vir, mas tento que não fique muito tempo. Só o tempo suficiente, que ache necessário.

Entrevista com Bárbara Timo, judoca, a propósito do tema da saúde mental (depressão), no hotel Pestana Palace. Lisboa, 21 de Fevereiro de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

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O que são sinais de alerta?
Desmotivação. Sentir-me muito desmotivada. Sentir pensamentos negativos. Os pensamentos vêm, isso é algo que há-de vir sempre, mas como atleta tenho várias ferramentas para poder levar para o pensamento positivo, para poder cortar e poder entender porque me sinto assim. Mas chega uma altura em que eles começam a blá blá blá… parecem gremlings… e vão dominando a cabeça. E quando chega essa altura digo ‘não, está alguma coisa a acontecer’. Hoje, com a psicoterapia, o tratamento com o psicólogo e uma rede de apoio, faz-me sentir muito mais confortável em falar com os meus amigos. Isso vai fazer a diferença. Provavelmente pode acontecer novamente passar por outra fase ruim, mas isso já não me assusta porque sei que sou capaz de superar e sou capaz de recuperar quantas vezes forem necessárias.

Por exemplo, quando acorda já percebe se vai ter um dia com esses pensamentos gremlings ou eles podem surgir num momento qualquer?
Acho que isso tem muito a ver com os meus hábitos. Parece um cliché, mas quando tenho hábitos saudáveis, tento dormir melhor, alimentar-me melhor, fazer o treino como deve ser feito, ter uma vida saudável, isso coloca-me num estado mental mais saudável também. E às mesmo é ao contrário: às vezes há uma rotina de má alimentação, de hábitos errados, de sono totalmente desregulado, e isso altera completamente a minha forma de ser. Acho que a minha e de todas as pessoas. E isso traduz-se às vezes em desmotivação, preguiça. E a preguiça leva a pensamentos negativos. Eu cobro-me muito. Não deixei de ser exigente comigo. Quando há hábitos não saudáveis, claro que não tenho forças para contrariar. Então cria-se uma bola de neve. Hoje em dia, não só pelo rendimento, não só pelo judo e pelas medalhas, acredito que ter hábitos saudáveis é bom também para a minha paz de espírito.

Portanto agora tem controlo, tem estratégias para controlar quando os sinais de alerta aparecem.
Sim. Às vezes saem, às vezes voltam. Não sou cem por cento, mas consigo manter-me ali, bem.

Quando olha para trás, o que é vê e o que é que diria à Bárbara triste, àquela Bárbara de há mais de um ano?
Primeiro acho que lhe daria um abraço e dizia-lhe que está tudo bem. E dir-lhe-ia muito que é um caminho de auto cuidado e respeito. Às vezes queremos logo ter amor próprio, aceitação e tudo o mais, mas o primeiro passo é o de nos respeitarmos. Às vezes nós respeitamos mais o outro do que a nós mesmos. Se pudesse dizer alguma coisa às pessoas, a primeira decisão é a de se auto-respeitarem. O que seria essa decisão? Às vezes nós dizemos coisas para nós próprios que nunca diríamos a um inimigo. E a nossa cabeça diz-nos a nós. Esse processo de auto-cuidado e de respeito por si próprio é o inicio da aceitação do amor próprio, de entender quem somos. Esta é uma condição com que vou conviver, mas não me define. E vou superar quantas vezes for necessário.

Agora, passado praticamente um ano de tratamento, afinal já não há ‘malucos’ ou somos todos um bocadinho assim?
Como o (António) Raminhos disse, somos todos malucos! Ele foi uma pessoa que me ajudou muito. Li o livro dele e às vezes ainda mantemos contacto. Foi uma pessoa que me deu muitos conselhos. É um comediante e fala dos problemas de uma forma muito humanizada e engraçada. E muitos dos episódios da vida dele eu revi-os em mim também. Tive episódios de crises de ansiedade que nem sabia que o eram. Contava aos meus amigos, dizia-lhes o que me tinha acontecido e como tinha ficado desesperada, mas contava de uma maneira em que não dava importância. Mas não, tive mesmo crises de ansiedade. E lendo o livro dele percebi isso e de uma forma muito natural. É uma pessoa que me inspira muito, que vejo que tem sucesso, que está na batalha, que fala disso abertamente e que também tem os seus dias bons e os seu dias maus.

Entrevista com Bárbara Timo, judoca, a propósito do tema da saúde mental (depressão), no hotel Pestana Palace. Lisboa, 21 de Fevereiro de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

E é por isso que decidiu falar agora abertamente sobre saúde mental?
A primeira vez que falei foi no meu Instagram e de uma forma muito descontraída. No dia seguinte, a Lusa procurou-me para me pedir uma entrevista. Pensei, tudo bem, vou dar entrevista. Um pouco receosa, com medo, mas ok. Dei a entrevista. Só que da Lusa foi para todos os jornais possíveis e foi na semana do Grand Slam de Paris. Estava a almoçar e olhava para a televisão e estava ‘Bárbara Timo assume que tem depressão’. Na semana que eu ia competir! ‘Meu Deus, o que é que eu fiz?’ Tanto medo que tinha de me mostrar fraca e afinal foi o que mostrei. Mas aquilo já não me atingia tanto. Já não era cem por cento, mas mesmo assim atingia-me de alguma forma. Entro para a competição e corre-me da melhor maneira possível, porque estava feliz, estava a aproveitar, já tinha a tática de me conhecer e ganhei uma das competições mais importantes do circuito mundial. Então os títulos foram ‘Bárbara, que assumiu a depressão, ganha, supera’. Bom, pelo menos ficou legal. E aí surgem mais entrevistas. Não foi fácil no início, porque não é fácil falar sobre isto. Abri um lado meu que ainda tenho dificuldade de entender e de falar. Mas comecei a ter mais força quando tive pessoas próximas, recebi muitas mensagens de atletas, de treinadores, às vezes de fisioterapeutas que passaram por isto. Trabalhei com eles e não sabia que eles tiveram um problema deste tipo. Depois muitos jornalistas que falaram comigo também tiveram alguma coisa. Numa das primeiras entrevistas que dei, e foi daí que tirei a frase, disseram-me que podemos mostrar é que possível tomar remédios, ter depressão e ter sucesso. Aquilo que tu fazes é muito importante para muitas pessoas. Senti uma responsabilidade. De outubro do ano passado até hoje, tenho recebido histórias inspiradoras e pessoas que se inspiram a mim. E aí, ai meu Deus, é muita responsabilidade. Então, tento usar a minha voz. Não por mim, mas pelas pessoas que possa ajudar ou a quem possa dar um bocadinho de coragem para tomar uma decisão e fazer uma ação pelo seu próprio bem.

Dar coragem às pessoas é permitir que elas façam o quê? Num momento de sofrimento destes, o que é um ato de coragem?
Depende muito de cada situação. Mas é uma decisão. A primeira ação vem de uma decisão. Às vezes, a decisão para uns pode ser levantar-se da cama.

Tão simples quanto isso?
Tão simples quanto isso e tão difícil quanto isso. Requer coragem. Às vezes a decisão pode ser tomar banho. Há pessoas que não têm força. Às vezes a decisão é ligar para a Saúde 24, ligar para algum amigo ou marcar uma consulta. Alguma coisa assim. Procurar ajuda, até de aplicações. Hoje a pandemia trouxe essas ferramentas tecnológicas. Acredito que cada um tenha a noção do que deve ser o seu primeiro passo. E isso é uma decisão que requer coragem. E depois de dar o primeiro passo, vais ver o que é isso. E depois de ficar um pouco no primeiro passo é uma vitória, e orgulhas-te disso. E dás mais um passo. E vais orgulhar-te e ter prazer disso, do processo. E dás mais um passo, e mais um passo. Às vezes voltam dois atrás, mas depois já sobes três e é assim. É assim com tudo.

Agradecimentos: Pestana Hotel Group

Labirinto – Conversas sobre Saúde Mental” é uma série de entrevistas do Observador em parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. Em cada conversa, os convidados — figuras públicas de várias áreas, da política ao entretenimento — fazem um relato pessoal e detalhado da forma como lidaram ou lidam ainda com problemas de saúde mental — os sintomas, os tratamentos, as recaídas e a recuperação — num esforço para combater o estigma associado a este tipo de doenças.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

Uma parceria com:

Fundação Luso-Americana Para o Desenvolvimento Hospital da Luz

Com a colaboração de:

Ordem dos Médicos Ordem dos Psicólogos

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