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A passagem de 250 anos sobre o nascimento de Ludwig van Beethoven não poderia deixar indiferente a indústria discográfica e desde meados de 2019 que as editoras se têm afadigado a lançar novas gravações de obras canónicas, a remasterizar e reempacotar o seu acervo de gravações históricas e até a trazer à luz do dia fragmentos e obras menores que tinham sido negligenciadas. O afã é justificado, pois poucos compositores são tão consensuais quanto Beethoven: dos aficionados da polifonia renascentista aos entusiastas das vanguardas dos séculos XX/XXI, passando pelos coleccionadores de concertos barrocos e da ópera verista italiana, não há quem não se renda a Beethoven.
O primeiro registo fonográfico conhecido de uma obra de Beethoven teve lugar a 13 de Setembro de 1889 e contemplou o Romance para violino e orquestra n.º 2 op.50, num arranjo para violino e piano, tocados, respectivamente, por uns certos Krahmer e Schmalfuß (membros da banda do Regimento de Granadeiros da Guarda do Kaiser Franz), e encontra-se hoje num estádio praticamente inaudível. A primeira gravação de uma sinfonia de Beethoven chegaria 22 anos depois: seria a n.º 5, registada em Agosto de 1911 sob a direcção de Eduard Künneke.
[A mais antiga gravação de uma obra de Beethoven: excerto do Romance para violino e orquestra op.50, de 3’18 a 5’20:]
Embora muitos compositores tenham passado anos (ou séculos) na obscuridade e só no século XXI tenham começado a ser redescobertos, Beethoven nunca deixou de estar na ribalta (mesmo que as suas peças mais ousadas não tenham sido compreendidas no seu tempo) e as suas obras “canónicas” foram repetidamente gravadas pelos mais destacados maestros, pianistas, violinistas, violoncelistas e formações de câmara.
De acordo com uma lenda (nunca confirmada), Beethoven viria, póstuma e involuntariamente, até a condicionar as características de um dos mais disseminados suportes de gravação: quando, no final da década de 1970, o disco compacto estava a ser desenvolvido conjuntamente pela Philips e pela Sony, o formato inicial apontava para os 100 ou 115 mm de diâmetro e os 60 minutos de duração, mas alguém influente (as diversas versões da lenda apontam para Herbert von Karajan, para Norio Ohga, vice-presidente da Sony, ou para a esposa de Akio Morita, presidente da Sony) terá sugerido que o disco deveria acomodar na íntegra a Sinfonia n.º 9 de Beethoven na gravação ao vivo de 1951, pelo maestro Wilhelm Fürtwangler, à frente da Orquestra do Festival de Bayreuth, que, sendo mais pausada do que é usual, durava 74 minutos. Terá sido assim que ficou estabelecido que o CD teria 120 mm de diâmetro e 74 minutos de duração (embora esta última não tenha tardado a ser expandida, através da diminuição do espaço entre espiras, para 80 minutos, atingindo mesmo os 86 nalguns CDs recentes).
[Wilhelm Fürtwangler dirige a Sinfonia n.º 9 de Beethoven na celebração do 53.º aniversário de Adolf Hitler, a 20 de Abril de 1942:]
Ora, se Beethoven nunca deixou de estar generosamente representado nas prateleiras das discotecas, a recente hiperactividade editorial trouxe uma inundação de discos de Beethoven, entre as quais estão três novas caixas com tudo o que o mestre de Bona compôs, lançadas pela Deutsche Grammophon (120 CDs), pela Warner Classics (80 CDs) e pela Naxos (90 CDs), que vêm juntar-se à caixa editada em 2017 pela Brilliant Classics (85 CDs). Entre as grandes editoras, a Sony não alinhou no desafio das integrais e ficou-se pela caixa Complete Masterpieces, com “apenas” 60 CDs.
A caixa BTHVN 2020: The New Complete Edition, na Deutsche Grammophon, surgida no final de 2019, contém 120 CDs, 2 DVDs e 3 Blu-ray Audio, complementados por 9 livretes de capa mole e um livro de capa dura, contendo listas das faixas, fichas técnicas dos registos, textos cantados, notas e ensaios. Além de providenciar uma selecção criteriosa dos ricos arquivos da Deutsche Grammophon, Decca e Philips, que inclui interpretações alternativas de algumas obras (cada uma das nove sinfonias está representada em triplicado), há ainda 150 minutos de gravações novas, realizadas expressamente para este projecto, algumas das quais contemplam peças inéditas (sim, após 130 anos de gravações e de escrutínio intenso, ainda havia partituras de Beethoven – menores, claro – que ainda não tinham sido registadas).
[Apresentação da caixa BTHVN 2020: The New Complete Edition (Deutsche Grammophon):]
Como nem todos os beethovenianos dispõem de 240 euros para adquirir a BTHVN 2020 nem de tempo livre para desfrutar das 180 horas de música nela contidas, a Deutsche Grammophon seleccionou algumas das interpretações mais prestigiadas das obras favoritas de Beethoven e reuniu-as no pacote 7 legendary recordings, que contém sete CDs e se vende por 20 euros. Note-se que o adjectivo “lendário” não tem aqui a acepção de algo nebuloso ou difícil de encontrar – todas estas gravações têm estado disponíveis, sob variados formatos e apresentações, desde que foram lançadas pela primeira vez –denotando antes o facto de serem, quase unanimemente, consideradas como marcos na interpretação de Beethoven.
Sinfonias n.º 3 e 4
Intérprete: Filarmónica de Berlim (Berliner Philharmoniker), dir. Herbert von Karajan
Ano e local de gravação: 1962, Jesus-Christus-Kirche, Berlim
A gravação integral das sinfonias de Beethoven pelo maestro austríaco Herbert von Karajan (1908-1989), realizada em 1961-62 e colocada à venda no ano seguinte entrou para a história da música gravada. Apesar de Karajan possuir um extenso repertório, que se estendia de Mozart à primeira metade do século XX, e de o ter gravado assiduamente – a caixa Complete Recordings on Deutsche Grammophon and Decca conta 355 (trezentos e cinquenta e cinco) CDs e a caixa Official Remastered Edition, que compila as suas gravações para a EMI (hoje Warner Classics) conta 101 (cento e um) CDs – as sinfonias de Beethoven são a obra com que ficou mais intimamente associado.
Porém, se um leigo em música clássica que, instigado pelo prestígio da autoridade de Karajan nas sinfonias de Beethoven, se dirigisse a uma discoteca (no tempo em que existiam discotecas) e manifestasse o desejo de comprar os seus discos, ficaria perplexo ao receber como resposta: “E qual a versão que pretende?”.
Acontece que Karajan registou na íntegra as sinfonias por quatro vezes: com a Philharmonia Orchestra para a EMI/Angel, em 1951-55, e por três vezes com a Filarmónica de Berlim para a Deutsche Grammophon, em 1961-62, em 1975-76 e em 1982-84, tendo o 4.º ciclo sido instigado pelo entusiasmo de Karajan perante a superior qualidade de som da gravação digital e do recém-comercializado CD. Na verdade há um 5.º ciclo completo, que raramente é mencionado e que foi registado no final da década de 1980 (e completado pouco antes da morte do maestro) para a Sony, tendo em vista tirar partido das potencialidades de um novo formato audiovisual, o laserdisc (um putativo substituto do VHS que nunca chegou a afirmar-se); este ciclo foi posteriormente editado em DVD, mas quando se fala de Beethoven por Karajan são os 4 ciclos em formato áudio que estão em jogo.
O ciclo de 1951-55 tem o seu grupo de fãs, mas o som é monofónico e com insuficiências várias, os de 1975-76 e 1982-84 são alvo de acesa controvérsia (as opiniões da crítica vão do “genial” ao “pavoroso”) e só o de 1961-62 recolhe aplauso unânime. Percebe-se a razão para a aprovação dos registos de 1961-62 ouvindo, por exemplo, a Sinfonia n.º 3, com um I andamento (Allegro con brio) pleno de tensão e drama e um III andamento (Scherzo) que conjuga um vigor electrizante com um trio solene e altaneiro.
Enquanto o ciclo de 1951-55 resultou da compilação de gravações desgarradas, o ciclo de 1961-62 foi concebido de raiz como um ciclo – na verdade, foi a primeira “integral” da história do disco a ser assim encarada. Em 1961, Karajan já era uma das maiores vedetas do universo clássico: em 1956 sucedera a Wilhelm Fürtwangler na direcção da Filarmónica de Berlim (posto que ocuparia até poucos meses antes da morte) e no ano seguinte acumulara este cargo com a direcção artística da Ópera de Viena (que manteria até 1964). Estava, pois, em posição para fazer exigências quanto às condições para o registo das sinfonias de Beethoven – os custos atingiram a soma (astronómica, para a época) de 1.5 milhões de marcos e calculou-se que seria necessário vender 100.000 caixas (com 8 LPs) para atingir o break even, o que levou a EMI, grande rival da “marca amarela”, a prognosticar que o projecto levaria a editora alemã à ruína. Em vez disso, foi um sucesso comercial (vendeu um milhão de exemplares nos primeiros dez anos) e impeliu uma série de maestros de renome – André Cluytens, Josef Krips, Otto Klemperer, Bernard Haitink, entre outros – a também gravar as suas integrais das sinfonias de Beethoven.
[Sinfonia n.º 3 por Karajan, gravação de 1962:]
https://youtu.be/pCBS18qAF10
Um dos trunfos do ciclo de 1961-62 é o engenheiro de som (Tonmeister) Günter Hermanns, que teve aqui a sua primeira colaboração com Karajan – e este ficou tão satisfeito com o resultado que raramente voltou a empregar os serviços de outro técnico. Mas o trabalho de Hermanns não teria sido possível sem a excelente acústica da Jesus-Christus-Kirche, que, por esta altura, estava a converter-se no local de gravação predilecto da Deutsche Grammophon e da Decca. A nave com 22 metros de altura máxima proporcionava uma sonoridade ampla, ao mesmo tempo que um “tecto falso” em madeira com uma peculiar configuração neutralizava ressonâncias indesejadas (sobretudo os graves ribombantes que prejudicam tanta gravação orquestral).
Nota: Na caixa BTVHN 2020, as gravações integrais das sinfonias por Karajan, tal como as sonatas para piano por Kempff e os quartetos de cordas pelo Quarteto Amadeus, estão disponíveis não só em CD como em Blu-ray Audio, em remasterizações a 24 bits/96 KHz, que proporcionam, teoricamente, uma qualidade de som superior à dos CDs. As três integrais encontram-se também disponíveis sob a forma de caixas separadas.
Sinfonias n.º 5 e 7
Intérprete: Filarmónica de Viena (Wiener Philharmoniker), dir. Carlos Kleiber
Ano e local de gravação: 1974-76, Musikverein, Viena
Apesar de ter estatuto semi-divino entre os melómanos, o maestro austríaco Carlos Kleiber (1930-2004) está longe de ser popular entre os “leigos”, facto a que não é estranha a sua postura: escusava-se a entrevistas (terá concedido apenas uma em toda a carreira) e terá confidenciado a Karajan que apenas aceitava propostas de trabalho quando tinha o frigorífico vazio, o que explica a magra discografia publicada em vida.
Carlos Kleiber era filho do famoso maestro austríaco Erich Kleiber (1890-1956), cuja pouca simpatia pelo nazismo o levou a abandonar o cargo de director de Ópera Estatal de Berlim em 1934 e iniciar uma vida itinerante – foi durante a estadia da família em Buenos Aires que o nome de Karl Ludwig Bonifacius Kleiber se converteu em Carlos Kleiber.
Kleiber teve talvez a maior oportunidade para ascender ao estrelato quando, após Karajan ter abandonado a direcção da Filarmónica de Berlim, devido a problemas de saúde, lhe foi proposto este cargo – que ele, sem surpresa, recusou. Apesar das posturas contrastantes no que respeita à exposição pública e à ambição, Kleiber e Karajan estavam irmanados no perfeccionismo (justificando o facto de apenas ter realizado uma gravação com um pianista – Sviatoslav Richter – Kleiber justificou-se assim: os outros pianistas com quem tocara “poderiam soar bem ao publico, mas, do lugar onde eu estava, soavam beras”). O apreço por Kleiber entre os connoisseurs tem justificado a edição póstuma de várias gravações suas ao vivo, para compensar a escassez de registos de estúdio.
Se a rarefeita discografia de Kleiber é alvo de apreço generalizado, a sua gravação das Sinfonias n.º 5 e 7 de Beethoven é uma das mais bem cotadas (atente-se na intensidade dramática do I andamento da n.º 5) e a gravação não acusa rugas, apesar de já ser quarentona.
[I andamento (Allegro con brio) da Sinfonia n.º 5 por Carlos Kleiber em 1975:]
Sinfonia n.º 9
Intérprete: Irmgard Seefried (soprano), Maureen Forrester (contralto), Ernst Haefliger (tenor), Dietrich Fischer-Dieskau (barítono), Coro da Catedral de St.ª Hedvig (Chor der St.-Hedwigs-Kathedrale, Berlin), Filarmónica de Berlim, dir. Ferenc Fricsay
Ano e local de gravação: 1958, Jesus-Christus-Kirche, Berlim
A fama do maestro húngaro Ferenc Fricsay (1914-1963) provém sobretudo das suas interpretações de Mozart e Beethoven e dos seus compatriotas (e mestres) Bartók e Kodály. Tal como Kleiber, Ferenc Fricsay (pronuncia-se “Férents Fritchai”) também era filho de um maestro – ainda que de estatuto bem mais modesto que o de Erich Kleiber – e Ferenc era ainda adolescente quando rendeu o pai na direcção da banda militar de Szeged.
Dirigiu a Filarmónica de Berlim, esteve associado aos primórdios da Orquestra da RIAS de Berlim (hoje Deutsches Symphonie-Orchester Berlin) e em 1954 assumiu a direcção da Sinfónica de Houston. O ano de gravação da nº 9 com a Filarmónica de Berlim coincide com uma quebra na sua actividade, devido a problemas de saúde, mas não se adivinha qualquer falta de vigor na vibrante leitura do II andamento da Sinfonia n.º 9.
[II andamento (Molto vivace) da Sinfonia n.º 9 por Fricsay:]
Poderá haver quem tema que uma gravação com 62 anos não tenha grande qualidade sonora, mas, apesar de algum sopro, o registo é espaçoso e tem recorte bem definido. O CD inclui, em jeito de “amuse-bouche” para a n.º 9, a Abertura Egmont op.84.
Concerto para piano n.º 5
Intérprete: Maurizio Pollini (piano), Filarmónica de Berlim, dir. Claudio Abbado
Ano e local de gravação: 1993, Philharmonie, Berlim
Perante a recusa de Carlos Kleiber em suceder a Karajan na Filarmónica de Berlim, quem ficou com o lugar foi o italiano Claudio Abbado (1933-2014), que trazia consigo a experiência de 18 anos (1968-1986) como director musical do La Scala de Milão e dez anos como maestro principal da Orquestra Sinfónica de Londres.
Abbado ficou à frente da Filarmónica de Berlim até 2002 e regressou frequentemente para a dirigir, no intervalo dos seus afazeres com a Orquestra Juvenil Gustav Mahler, a Orquestra de Câmara Mahler, a Orquestra do Festival de Lucerna e a Orquestra Mozart – todas fundadas por si. Da profícua associação entre Abbado e os berlinenses resultaram seis dezenas de discos, compilados na caixa The complete recordings on Deutsche Grammophon. Parte deste acervo diz respeito a Beethoven, num total de nove CDs (disponíveis como uma caixa separada) com as nove sinfonias, alguma música de cena, o Triplo Concerto e os cinco concertos para piano, que têm Maurizio Pollini como solista (e também estão disponíveis como caixa separada).
Maurizio Pollini (n.1942) estreou-se a gravar para a Deutsche Grammophon em 1971 e tem-se mantido fiel à editora, que, em 2017, por ocasião do 75.º aniversário do pianista, lhe prestou homenagem com a caixa de 55 CDs (e 3 DVDs) Complete recordings on Deutsche Grammophon, que inclui também uma versão anterior dos concertos, com a Filarmónica de Viena dirigida por Karl Böhm. Porém, após registar os Concertos n.º 3-5, em 1976-78, Böhm faleceu, levando a que os dois concertos restantes fossem gravados sob a batuta de Eugen Jochum, em 1982.
Os concertos de Beethoven por Pollini/Abbado, gravados ao vivo em Dezembro de 1992 e Janeiro de 1993, têm boa cotação crítica, mas o exemplar entrosamento destes dois intérpretes de alta craveira é prejudicado por, nos andamentos mais enérgicos, o piano ser demasiado proeminente em relação à orquestra, que soa distante e pouco definida. Alguma crítica considera que Pollini nem sempre é suficientemente poético na abordagem aos concertos de Beethoven, mas não pode apontar-se tal falha ao Concerto n.º 5, cujo II andamento é de um lirismo requintado e sereno.
[II andamento (Adagio un poco mosso), por Pollini/ Abbado:]
Concerto para violino
Intérprete: Anne-Sophie Mutter (violino), Filarmónica de Berlim, dir. Herbert von Karajan
Ano e local de gravação: 1979, Philharmonie, Berlim
A violinista alemã Anne-Sophie Mutter nasceu em 1963, o que significa que tinha 16 anos quando gravou o Concerto para violino de Beethoven com Karajan.
O maestro tinha ficado tão impressionado com os seus precoces dotes que fizera com que Mutter se estreasse em palco com a Filarmónica de Berlim quando tinha 13 anos, em 1976. A parceria entre a jovem violinista e o maestro veterano duraria 13 anos, até ao falecimento de Karajan, e consubstanciou-se em gravações dos concertos para violino de Brahms, Bruch, Mendelssohn, Mozart e Tchaikovsky e do Triplo Concerto de Beethoven (que foram reunidas numa caixa de 5 CDs). Mas o papel de mentor de Karajan não se cingiu ao plano estritamente musical: também lhe deu conselhos sobre cabelo e, ao ver o guarda-roupa juvenil mas conservador da adolescente, aconselhou-a “ir a Paris e comprar um vestido de jeito”. Mutter levou a recomendação tão a sério que acabou por tornar-se conhecida também pela sua colecção de vestidos originais e ousados (os recorrentes ombros nus dos seus figurinos, explica Mutter, resultam de a pele ser mais eficaz do que qualquer tecido em evitar que o violino escorregue).
[III andamento (Rondo – Allegro) por Mutter e Karajan:]
Tendo começado pelo repertório “canónico”, Mutter tornou-se numa das mais empenhadas divulgadoras da música do nosso tempo, tendo sido dedicatária de obras de Henri Dutilleux (Sur le même accord), Krysztof Penderecki (Concerto n.º 2), Witold Lutoslawski (Chain 2), Wolfgang Rihm (Lichtes Spiel), Sofia Gubaidulina (Concerto n.º 2), André Previn, John Williams e Unsuk Chin. Porém, o Concerto de Beethoven continua, quatro décadas depois, a ser o seu disco mais célebre.
Sonatas para piano n.º 8, 14, 21 e 23
Intérprete: Wilhelm Kempff
Ano e local de gravação: 1964-65, Beethoven-Salle, Hannover
O alemão Wilhelm Kempff (1895-1991) foi um dos grandes pianistas beethovenianos do século XX: o seu concerto de estreia, em 1917, incluíra a Sonata n.º 29 Hammerklavier e gravou várias sonatas soltas ainda na era dos discos de 78 r.p.m., antes de ter empreendido, por duas vezes, a formidável tarefa de gravar as 32 sonatas para piano de Beethoven para a Deutsche Grammophon, em 1951-56 e em 1964-65.
Alguma crítica dá preferência ao primeiro ciclo, apesar do inconveniente de ser uma gravação monofónica, mas o segundo ciclo é mais popular (nunca deixou de estar disponível, em diferentes formatos e remasterizações) e foi dele que a editora extraiu as quatro sonatas incluídas nas 7 legendary recordings: a n.º 8 op.13 Patética, a n.º 14 op.27/2 Ao luar, a n.º 21 op.53 Waldstein e a n.º 23 op. 57 Appassionata.
[I andamento (Grave – Allegro molto e con brio) da Sonata n.º 8, por Kempff:]
O som das gravações de 1964-65 está abaixo dos padrões actuais (é pouco caloroso e tem sopro, particularmente audível e irritante no I andamento da Sonata n.º 14 Ao luar) e a escolha da Sonata Appassionata como amostra não é feliz, já que a abordagem sóbria e fleumática de Kempff está longe da “paixão” que a obra pretende evocar (compare-se a superlativa versão de Paul Lewis, na Harmonia Mundi).
Quartetos de cordas n.º 9, n.º 10 e n.º 11
Intérprete: Emerson String Quartet: Eugene Drucker e Philip Setzer (violinos), Lawrence Dutton (viola), David Finckel (violoncelo)
Ano e local de gravação: 1994, American Academy of Arts & Letters, Nova Iorque
O Emerson String Quartet (EMS) foi fundado em 1976 e desde 1987 grava em exclusivo para a Deutsche Grammophon, editora que concentra quase toda a sua vasta produção (que pode ser ouvida na caixa de 52 CDs Complete recordings on Deutsche Grammophon).
Em 1980, o EMS já fizera dos 16 quartetos de corda de Beethoven uma peça central do seu repertório e a sua primeira gravação para a Deutsche Grammophon emparelhou o Quarteto n.º 11 de Beethoven com o n.º 14 de Schubert. Os dois mestres do classicismo vienense voltariam a ser emparelhados numa gravação do ano seguinte (quartetos n.º16 e n.º 15, respectivamente), mas, após estas incursões isoladas, em 1994-95 o EMS propôs-se gravar os quartetos na íntegra.
Apesar de o EMS estar, por esta altura, perfeitamente familiarizado com as obras de Beethoven, a imersão prolongada neste opus magnum da literatura para quarteto de cordas fê-los repensar várias vezes os seus conceitos e abordagens, pelo que a empresa acabou por tomar o dobro do tempo previsto. O esforço foi amplamente compensado, pois a sua leitura conquistou um lugar na disputada galeria das interpretações de referência e obteve um Grammy Award em 1997, graças a uma abordagem muito enérgica e de contrastes dinâmicos marcados (mas não forçados). Entre os 16 quartetos, esta edição escolheu três do “período médio” do compositor: o n.º 9 (o n.º 3 da colecção op.59, conhecida como Razumovsky), o n.º 10 op.74 Harpa e o n.º 11 op.95 Serioso.
[I andamento (Poco adagio – Allegro) do Quarteto n.º 10, pelo Emerson String Quartet:]
Nota final: Porventura para se distinguir da profusão de discos de Beethoven vindos a lume nos últimos meses e para fazer bela figura nos escaparates, os discos das 7 legendary recordings surgem inseridos num álbum de cartão com 24 x 24 cm, que se desdobra em quatro laudas. Lá ser vistoso, é, mas não é arrumável numa estante para CDs (embora possa ficar junto aos discos de vinil, para quem cultive este formato, pois tem aproximadamente o formato dos velhos LP de 10’’) e não inclui uma palavra sobre o compositor, as obras, os intérpretes ou as gravações – talvez por serem “lendárias” se presuma que todos sabem tudo o que é preciso saber sobre elas.
A opção por estes designs “imaginativos” leva a suspeitar que, nas editoras, nem quem concebe os produtos nem quem executa o design costuma comprar ou ouvir discos.