Um partido mais focado no trabalho de terreno e uma aposta em renovar as caras da bancada. Em traços gerais, são estas as ideias que marcam a composição das novas listas de deputados do Bloco de Esquerda, encabeçadas pelas caras principais do partido mas com saídas relevantes (Jorge Costa) e novas entradas (como Leonor Rosas), numa estratégia com algumas diferenças em relação à lógica de continuidade que o Bloco seguiu nas últimas eleições antecipadas, em 2011.
Quanto às cabeças de lista de Lisboa (votada esta sexta-feira pelo plenário de militantes) e do Porto (marcada para domingo), não há surpresas: serão, respetivamente, Mariana Mortágua e Catarina Martins, como já tinha acontecido nas últimas eleições.
As novidades surgem depois, uns lugares mais abaixo: em Lisboa, há uma rearrumação que resulta da saída do dirigente Jorge Costa, que foi diretor de campanha do Bloco nas últimas eleições europeias e legislativas e é um dos negociadores-chave do partido nas negociações orçamentais e com o PS. A saída com peso político foi explicada pelo próprio, no Twitter, este sábado: terá sido o próprio a “propor à direção”, depois de seis anos como deputado, a sua saída para poder dedicar-se à “organização partidária”. “Saio de uma bancada que honrou o mandato para uma equipa central empenhada num Bloco mais forte, mais militante, mais enraizado”.
Depois de seis anos como deputado, propus na direção do Bloco a minha saída das listas de candidatos para poder dedicar-me à organização partidária. Saio de uma bancada que honrou o mandato para uma equipa central empenhada num Bloco mais forte, mais militante, mais enraizado.✊????
— Jorge Costa (@jorgecosta) November 20, 2021
A lógica, segundo apurou o Observador junto de vários dirigentes, será mesmo descentralizar a ação do partido, que tem estado muito focada no Parlamento, e virar mais o Bloco para as ruas e para as bases, fazendo um maior esforço de implantação do partido no terreno. A decisão surge um mês depois de o partido ter somado uma derrota pesada em eleições autárquicas, vendo a sua representação nos executivos das câmaras municipais reduzida de doze para uns escassos quatro vereadores por todo o país. Na semana passada, Catarina Martins reconhecia a “enorme dificuldade” sentida pelo Bloco na tentativa de se afirmar a nível autárquico, vinte e dois anos depois da fundação do partido e de já ter conquistado um peso maior a nível mediático e nacional.
Depois de seis anos em que o discurso do Bloco foi também consideravelmente centrado na relação com o PS e, portanto, no patamar da negociação parlamentar, o partido ensaia assim uma tentativa de tornar o Bloco “mais militante e mais enraizado”. Ao Observador, um dirigente argumenta que “na maioria dos casos, o partido repetirá os cabeças de lista e praticamente todos os atuais deputados serão recandidatos”. As exceções, explica, prendem-se assim “com a necessidade de destacar mais quadros para tarefas organizativas e de dinamização da atividade do Bloco de Esquerda”.
Maia e Rosas são as caras da renovação
Dentro da rearrumação da lista lisboeta, entre os lugares elegíveis, é de notar o aparecimento de duas caras novas: Bruno Maia e Leonor Rosas. No caso de Maia, que já constava das listas de 2019, mas aparecia então em quinto lugar nos candidatos ao Porto — passa agora para terceiro em Lisboa, lugar considerado facilmente elegível (há dois anos, o Bloco elegeu cinco deputados no círculo da capital). O candidato é médico e, segundo a sua conta de Twitter, trabalha em “exclusividade voluntária” no SNS, pelo que estará preparado para agarrar numa das bandeiras que serão centrais para o Bloco nesta campanha e neste programa eleitoral.
Por Lisboa entra ainda Leonor Rosas, uma das caras jovens (21 anos) que o partido tem promovido mais ativamente. A filha do fundador Fernando Rosas já tinha sido candidata em 2019, mas em 14º lugar. Agora, aparece numa posição que, tendo em conta o resultado da eleição de há dois anos, seria elegível: quinto lugar, logo a seguir à vereadora do Bloco na Câmara de Lisboa, Beatriz Gomes Dias. Rosas entrou, na convenção bloquista deste ano, para a Mesa Nacional do Bloco (a direção alargada do partido) e foi eleita deputada municipal em Lisboa nas autárquicas deste ano. Os lugares considerados elegíveis em Lisboa ficam, assim, organizados por esta ordem: Mariana Mortágua, o líder parlamentar, Pedro Filipe Soares, Bruno Maia, Beatriz Gomes Dias e Leonor Rosas.
Isabel Pires concorre pelo Porto
E o Porto é afetado por esta reorganização da lista de Lisboa: os dois primeiros lugares mantêm-se iguais — Catarina Martins e o especialista na área do Trabalho, José Soeiro — mas em terceiro aparece Isabel Pires. A deputada (e deputada municipal em Lisboa) foi, há dois anos, candidata por Lisboa; desta vez, o Bloco, mesmo com as mudanças nesse círculo, volta a querer assegurar um lugar elegível para Pires e coloca-a em terceiro pelo Porto.
Ainda no Porto, saem das listas a deputada Maria Manuel Rola, que em 2017 substituiu Domicília Costa no Parlamento, e Luís Monteiro, que há meses desistiu da candidatura à Câmara Municipal de Gaia depois de ser acusado no Twitter de violência doméstica por uma ex-namorada e de devolver a acusação, avançando com uma queixa em tribunal.
Agora, no Facebook, Monteiro confirmou que, como tinha dito em maio, não será novamente candidato até estar concluído o processo de difamação que moveu em tribunal. “Fiz a queixa crime para que a verdade fosse reposta, mas o processo judicial ainda decorre. Por essa razão, não farei parte das listas do Bloco de Esquerda”. No Porto, segue-se ainda o nome da independente Teresa Summavielle.
A situação em que o Bloco parte para estas eleições, depois da rutura com o PS, tem dado azo a comparações com o cenário de 2011, em que a bancada parlamentar ficou reduzida a metade depois de ter ajudado a deixar cair o Governo de José Sócrates.
A estratégia do partido na construção das listas é, no entanto, diferente: em 2011, a Mesa Nacional do Bloco decidiu reconduzir os 16 deputados que tinham sido eleitos em 2009, uma vez que aquelas eram eleições intercalares e a ideia era, segundo o partido, “manter o trabalho desenvolvido” na legislatura que se viu interrompida com o chumbo do PEC IV. Desta vez, apesar de estas serem, de novo, eleições antecipadas, o partido decidiu mesmo aproveitar o momento para mexer na bancada e começar a apresentar caras novas, levando algum do peso político para fora do Parlamento.