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Brexit. Guia para Theresa May montar um plano B em três dias

Telefonemas, reuniões, linhas vermelhas e cedências. Depois de uma moção de censura falhada, há que encontrar alternativas. Mas o resultado final pode ser um que nem May nem Corbyn desejam.

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“KBO, primeira-ministra! KBO!” O conselho foi dado por um ministro a Theresa May, na Câmara dos Comuns, após a derrota estrondosa do seu acordo na terça-feira e foi reparado pelo Politico. Um dia depois, o acrónimo para Keep Buggering On — a forma pouco elegante como Winston Churchill dizia que era preciso “marrar em frente” — continua a aplicar-se que nem uma luva à situação da primeira-ministra. May pode ter sobrevivido à moção de censura que lhe foi apresentada esta quarta-feira, por 19 votos de vantagem, mas, sem uma solução à vista para o Brexit, continua a titubear por entre o nevoeiro.

Após a vitória desta quarta-feira, May anunciou logo os próximos passos: convidar os líderes dos restantes partidos para conversar sobre um possível plano B para o acordo do Brexit, logo nessa noite. A primeira-ministra já tinha revelado essa intenção, é certo, mas ainda não a tinha dito formalmente. “Ainda não recebi qualquer telefonema nesse sentido”, tinha avisado a meio da tarde o líder da oposição, Jeremy Corbyn, perante um audível “Ooooh” de surpresa das bancadas da oposição.

A primeira-ministra Theresa May de saída de Downing Street no dia da votação da moção de censura (PAUL ELLIS/AFP/Getty Images)

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Horas depois, o convite ali surgia, à vista de todos. E os partidos responderam de imediato com as suas condições: afastar a possibilidade de um não-acordo (Labour e Liberais Democratas), colocar a suspensão do Artigo 50 e um novo referendo em cima da mesa (SNP), sair da UE “como um só país” (DUP). Estas exigências parecem, à partida, irreconciliáveis com as linhas vermelhas impostas pela própria primeira-ministra. E, como Downing Street indicou, Corbyn não tardou na sua resposta: sem essa cedência, não há conversa possível. Nem que esteja o melhor scotch em cima da mesa. “A nossa porta mantém-se aberta”, respondeu a primeira-ministra.

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Até agora, May tem repetido que a solução era “este acordo ou nenhum acordo”. Na última semana, passou a dizer “este acordo ou não há Brexit”. Mas a primeira-ministra continua em esforço a tentar fazer a quadratura do círculo: renegociar o acordo que propôs, sem voltar atrás nas suas promessas de sair da UE a 29 de março e de impedir a realização de uma nova votação. Tem agora pela frente quase cinco dias que, em teoria, seriam usados para negociar com os vários partidos. Oficialmente, são apenas três (noite de quarta, quinta e sexta-feira). Mas, se mantiver tudo como está, May corre o risco de ver essas pouco mais de 48 horas esfumarem-se sem resultados concretos. KBO, primeira-ministra! KBO!

Primeira decisão: rejeitar saída sem acordo para se sentar à mesa com o Labour? “Temos três dias para a empurrar”

“As conversações são uma solução realista, mas, para terem alguma hipótese de serem bem sucedidas, têm de envolver Corbyn ou pelo menos um dos seus vices.” A sentença foi dada ao Observador por Tim Bale, professor na Universidade Queen Mary e especialista nos dois maiores partidos políticos britânicos. Sem interlocutor, não é possível manter uma conversa e, portanto, as negociações com os partidos podem estar, à partida, condenadas se May não ceder para ouvir o maior partido da oposição.

Irá a primeira-ministra fazê-lo? Bom, é uma hipótese. Não parece fazer parte do estilo de May, que tem optado pela linha “mais vale quebrar que torcer”, mas há alguma pressão interna para que tal aconteça. “Temos três dias para a empurrar e empurrar até ela se mexer, caso contrário não haverá nada que consigamos aprovar”, previa um ex-ministro à editora de Política da BBC, na manhã desta quarta-feira.

“As conversações são uma solução realista, mas para terem alguma hipótese de serem bem sucedidas têm de envolver Corbyn ou pelo menos um dos seus vices.” 
Tim Bale, professor da Universidade Queen Mary

Para se sentar à mesa com o Labour, Theresa May vai ter de decidir primeiro se admite rejeitar a possibilidade de uma saída sem acordo, como pede a oposição. Dentro do seu próprio Governo há opiniões para todos os gostos: há quem, como o ministro para o Brexit, Stephen Barclay, considere que isso enfraqueceria qualquer posição negocial com a UE; e quem, como o ministro das Finanças, Philip Hammond, ache que uma saída sem acordo seria “uma traição”. Isso significa que May vai ter de escolher: se não for encontrada uma solução em breve, arrisca a saída sem acordo ou admite pedir a suspensão do Artigo 50?

Se optar pela segunda opção e ceder ao pedido da oposição, May prepara-se para passar a próxima quinta e sexta-feira — e provavelmente o fim-de-semana — reunida com Jeremy Corbyn e os restantes líderes partidários para tentar encontrar uma solução. As negociações teriam de ser feitas em tempo recorde e as refeições em família provavelmente seriam canceladas por alguns dias.

Se tal acontecer, contudo, nem tudo serão rosas; é preciso discutir outras linhas vermelhas, como as que dizem respeito ao tipo de acordo escolhido. Os trabalhistas têm defendido que o Reino Unido, mesmo saindo da Europa, deve permanecer numa união aduaneira com a UE (uma solução defendida até por uma pequena franja de conservadores, que pedem um modelo como o da Noruega). Downing Street rejeita essa ideia: “Os princípios que nos orientam à entrada para estas discussões são os de podermos fazer os nossos próprios acordos comerciais e isso é incompatível com uma união aduaneira”, afirmava um porta-voz da primeira-ministra aos jornalistas, a meio desta quarta-feira, antes do início do debate da moção de censura.

O líder do Labour, Jeremy Corbyn, de saída para o Parlamento à porta de sua casa (TOLGA AKMEN/AFP/Getty Images)

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Qualquer compromisso promete ser uma dor de cabeça para May. “Temos de ceder ao Labour na questão da união aduaneira. Esta é a ironia: o resultado pode ser um backstop permanente. Como é que as linhas vermelhas dela se podem manter? Ela vai ter de escolher”, previu um ministro ao Guardian.

Tudo isto, claro está, se May aceitar ceder em primeiro lugar na questão da saída sem acordo. Mas também isso terá o seu preço: “Muitos deputados tories e membros do partido ficarão furiosos”, prevê Tim Bale. “Possivelmente haverá saídas do Governo e até do partido, se isso acontecer.” Seria um soft Brexit em pleno, mas um que garante que o Reino Unido consegue sair da UE, talvez até ainda dentro do prazo previsto. Só que o custo político para May pode ser demasiado elevado. E, portanto, talvez Corbyn acabe a tomar o pequeno-almoço sozinho até segunda-feira, dia da votação do Plano B de May.

Adivinha quem vem jantar? Se May não ceder, apenas o DUP e os tories

Se Theresa May optar por seguir o conselho de Churchill e “marrar em frente”, sem cedências à oposição, a agenda dos próximos dias ficará bem mais livre. A contrapartida é que uma solução eficaz para o Brexit também ficará mais difícil de alcançar.

Sem ceder às condições do Labour e dos restantes partidos da oposição (SNP e LibDems), a próxima quinta e sexta-feira serão antes passadas em reunião com o DUP, o partido aliado que representa os norte-irlandeses unionistas, e algumas figuras “séniores” do Parlamento, muito provavelmente do seu próprio Partido Conservador.

“Temos de ceder ao Labour na questão da união aduaneira. Esta é a ironia: o resultado pode ser um backstop permanente. Como é que as linhas vermelhas dela se podem manter? Ela vai ter de escolher”
Ministro de May ao jornal Guardian

Conversando à sua direita, May sabe que só há um ponto onde pode fazer cedências que agradariam a estes grupos: no backstop. O mecanismo encontrado para garantir que não há uma fronteira rígida entre as Irlandas pode colocar o Reino Unido precisamente na união aduaneira com a UE que May e os conservadores tanto gostariam de evitar. O DUP, então, não suportaria a ideia de ser a Irlanda do Norte a provocar todo este alarido.

O problema é só um (e, infelizmente para May, não é pequeno); a UE tem dito repetidamente que não tem qualquer vontade de mexer no acordo e muito menos de cancelar o backstop. Bruxelas e os restantes Estados-membros têm deixado claro que gostariam de apoiar o Governo da Irlanda nesta matéria e, portanto, manter o instrumento do backstop como hipótese após terminado o período de transição.

Irá May ceder aos seus companheiros no Parlamento e prometer algo que dificilmente lhes conseguirá dar? Talvez, se isso ajudar a provar a Bruxelas que é a única solução que os britânicos aceitam. Resta saber se o outro lado considera sequer a proposta.

Parlamento tem palavra a dizer no Plano B. Mas UE é rainha e senhora nesta negociação

Na segunda-feira, dia em que termina o prazo dado pelo Parlamento à primeira-ministra para apresentar o seu plano B, May lá estará. Pouco importa se as conversações com o Labour ou com os partidos que a apoiam correram bem ou mal: “KBO, primeira-ministra”. É preciso oferecer uma proposta aos deputados, uma “moção em termos neutros” para ser votada com o plano para os dias seguintes, como exige a lei aprovada pelos Comuns na semana passada.

De seguida, os deputados poderão votar emendas a esse documento — o que abre a porta a uma intervenção maior do Parlamento, desde que haja algum consenso que reúna uma maioria. O presidente da Câmara, John Bercow, já deixou claro que dará espaço para que essas possíveis alterações sejam discutidas e votadas, por muito que isso desagrade ao Governo.

“Jeremy Corbyn está a contar com o facto de os membros do partido ainda o adorarem mais do que odeiam o Brexit — e pode bem estar certo.”
Tim Bale, professor da Universidade Queen Mary

Aí, o Labour pode voltar a saltar para a ribalta, mesmo que se tenha afastado das conversações. Arredada a possibilidade de deitar May abaixo e de ir a novas eleições (pelo menos por agora), e sem vontade de abrir caminho a uma saída sem acordo, restam poucas hipóteses a Jeremy Corbyn. Uma delas é a de apoiar um novo referendo, como tantos no seu partido (e não só) lhe pedem. Outra é a de propor a suspensão do Artigo 50.

Outra ainda é a de não sugerir qualquer ideia de substância. A inação poderia custar-lhe votos — e até deputados —, o que não significa que o líder do Labour, que nunca nutriu grande amor pela UE, não siga por esse caminho: “Ele está a contar com o facto de os membros do partido ainda o adorarem mais do que odeiam o Brexit — e pode bem estar certo”, prevê Tim Bale.

Seja qual for o documento aprovado pelos Comuns na segunda-feira, terá de seguida de ser proposto por May a Bruxelas, numa tentativa desesperada de conseguir um novo acordo que tenha luz verde do Parlamento e que permita ao Reino Unido sair da UE a 29 de março, daqui a cerca de 70 dias.

Frans Timmermans, vice-presidente da Comissão Europeia no debate em Estrasburgo sobre o Brexit desta quarta-feira (FREDERICK FLORIN/AFP/Getty Images)

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Só que, claro está, nada é assim tão simples no Brexit. Irão os países europeus aceitar a proposta apresentada por May — seja uma que sugira alterações substanciais ao acordo, como a criação de uma união aduaneira, seja outra que desfigure o backstop? A resposta pode ter sido dada pelo vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, na manhã desta quarta-feira, ao citar os Rolling Stones: “Nem sempre podes ter aquilo que queres, mas, se tentares, por vezes acabas por ter aquilo de que precisas.” Afinal, os europeus ainda reconhecem bom senso a alguns britânicos.

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