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Ana Moreira é a protagonista de "Sombra", no papel de uma mulher que se recusa a desistir de procurar o filho. Fotografia: Luís Sustelo
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Ana Moreira é a protagonista de "Sombra", no papel de uma mulher que se recusa a desistir de procurar o filho. Fotografia: Luís Sustelo

Ana Moreira é a protagonista de "Sombra", no papel de uma mulher que se recusa a desistir de procurar o filho. Fotografia: Luís Sustelo

Bruno Gascon e o filme "Sombra": "Como é que as mães de crianças desaparecidas conseguem enfrentar o dia a dia?"

Bruno Gascon partiu de casos reais de crianças desaparecidas (como o de Rui Pedro) para construir um filme sobre desespero e superação, dividido no tempo e nas personagens. Entrevistámos o realizador.

“Sombra” é a história de amor, força e coragem de uma mãe em busca de um filho ao longo de 15 anos. É inspirado no caso Rui Pedro, desaparecido em 1998, aos 11 anos. Mas Bruno Gascon, o realizador, conta em entrevista ao Observador como falou com mais famílias, para conhecer as suas histórias e encontrar uma verdade transversal a quem vê um filho desaparecer sem rasto. Mais do que um drama, o filme de Gascon, com Ana Moreira no papel principal, é sobretudo uma história de amor incondicional, de uma mãe por que se recusa a desistir de procurar o filho.

Esta é uma entrevista com o realizador de 39 anos a quem uma tragédia familiar levou a não perder tempo e a arriscar fazer cinema.

[o trailer de “Sombra”:]

O que o levou a querer fazer um filme sobre este tema?
Já tinha tinha tido a ideia há alguns anos, mas depois de ter feito o “Carga”, a minha primeira longa-metragem, sobre o tráfico de seres humanos, em que seguia as pessoas que eram traficadas, achei que a segunda deveria ser sobre os que ficam, sobre os que procuram, os que estão todos os dias na luta a tentar encontrar — neste caso — crianças que desapareceram.

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A personagem do filme chama-se Pedro e desapareceu no mesmo ano (1998) com a mesma idade (11 anos) do célebre caso Rui Pedro. “Sombra” é baseado nesta história específica?
O filme é focado em várias famílias, sendo que a inspiração maior foi sem dúvida a Filomena Teixeira, a mãe do Rui Pedro, que foi uma das pessoas com quem eu falei. Até porque algo que é transversal a estas famílias são os seus sentimentos. Há histórias que fui ouvindo, como as da Filomena, com quem tenho agora uma relação de amizade e que eu admiro muito, que se tornaram a principal fonte de inspiração.

Qual foi o seu método de investigação?
Comecei por escrever um guião e só depois contactei a Associação Portuguesa das Crianças Desaparecidas, que me indicou famílias com quem eu pudesse falar. Mediante as histórias que ia ouvindo e as conversas que fui tendo, fui alterando o guião para que fosse o mais realista possível. Queria que o filme tivesse essa realidade. Não queria, de forma alguma, contar uma história generalista de uma criança desaparecida. A minha verdade era ser o mais realista possível. Precisava que as famílias se revissem na história.

"Muitas destas famílias pediram o anonimato porque querem ser respeitadas e evitar repetir o circo mediático e sensacionalista das televisões. Isso foi algo que desde o início quis respeitar. Não admitia que as famílias se sentissem ofendidas ou defraudadas pelo que vissem no 'Sombra' - dei-lhes a minha palavra de honra de como isso não iria acontecer."

Como correu esse primeiro contacto com as famílias? Isto é, como é que se aborda alguém cujo filho desapareceu, que deve estar num sofrimento contínuo, com a intenção de fazer um filme sobre essa mesma dor?
Da forma mais transparente e verdadeira possível. Causar mágoa a essas famílias era a última coisa que queria. Queria que fossem retratadas tal e qual a vida é. Comprometi-me em como nada do que vissem no filme tivesse escapado ao seu crivo. Todas já viram o filme e disseram-me que se sentiram retratadas. Sendo um tema tão sensível, acho que só poderia ser feito de uma maneira honesta.

Foi preciso persuadir alguém? Houve quem recusasse?
Acima de tudo, o que estas pessoas querem é que não nos esqueçamos dos filhos. Independentemente de quanto tempo tiver passado, porque o desaparecimento de uma criança é notícia quando acontece, mas com o passar do tempo surgem novas notícias e o mundo vai-se esquecendo. Não houve necessidade de convencer as famílias.

No fim são referidos os nomes, as datas em que desapareceram, e com que idade, de nove crianças. Falou com estas nove famílias?
Não consegui falar com todas, não. Quando falamos sobre o desaparecimento de crianças saltam logo à cabeça os dois casos mais mediáticos: o do Rui Pedro e da Maddie. E quem vê um filme com esta temática, vai sempre pensar nos casos que conhece melhor. Muitas destas famílias pediram o anonimato porque querem ser respeitadas e evitar repetir o circo mediático e sensacionalista das televisões. Isso foi algo que desde o início quis respeitar. Não admitia que as famílias se sentissem ofendidas ou defraudadas pelo que vissem no “Sombra” — dei-lhes a minha palavra de honra de como isso não iria acontecer.

“Sombra” e “Carga” (2018) jogam próximos da dor, retratando pessoas em situações extremamente vulneráveis. O que o atrai a estes tópicos?
Interessa-me a condição psicológica, física e os problemas sociais que nos tocam a todos. Para nos desenvolvermos enquanto sociedade temos de perceber que existem problemas, e só falando deles é que poderemos encontrar uma solução. O cinema pode entreter mas também pode passar uma mensagem, de certa forma, pode educar as pessoas. Desde que uma pessoa que saia do filme se sinta mais alerta em relação a questões como o desaparecimento de crianças, é sinal de que o filme surtiu efeito e é para isso que serve o cinema, para educar e ensinar.

Ana Moreira, Vítor Norte, Lúcia Moniz e Sara Sampaio fazem parte do elenco de "Sombra". Fotografias: Luís Sustelo

Luís Sustelo

Aplicou o mesmo método de trabalho nos dois filmes?
São coisas diferentes. No “Carga” tive acesso a muitos relatórios de pessoas que foram traficadas e, no que diz respeito a informações sobre esse fenómeno, tive também o apoio da APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vìtima). No “Sombra” foi completamente diferente. No “Carga” foi mais ler relatórios e investigar, enquanto neste ouvi histórias. Posso fazer muitos filmes, mas o “Sombra” será sempre o meu mais pessoal. Como dizia há pouco, criei uma relação com essas famílias. Tenho um carinho muito especial por este filme. E posso desde já dizer que as histórias que ouvi mudaram-me completamente. Admiro a coragem e a força daquelas famílias. Como é que elas conseguem enfrentar o dia a dia?

Descobriu a resposta?
Porque mantêm a esperança de encontrar os filhos.

Das histórias que ouviu, o que é que o surpreendeu mais?
Ouvi muitas em que, na verdade, não queria acreditar no que estava a ouvir. São tão surreais que se as pusesse num filme o público não ia acreditar, ia pensar que aquilo não aconteceu.

Pode dar um exemplo?
Em 1998, a polícia não estava preparada para o desaparecimento de crianças. Quem investigava estes casos eram os mesmos que investigavam casos de terrorismo, assaltos, etc. Isso foi mudando até aos dias de hoje,  em termos tecnológicos e humanos, mas naquela altura não existia nada. Houve vários casos nos anos 90 em cidades do norte do país em que não se fazia a mínima ideia de como preparar uma investigação e procurar uma criança que desapareceu. Isto está, em parte, no filme, mas teria muito mais para contar.

Tal como?
Como pessoas a ligarem para casa a indicar pistas falsas. Como é que, quando estamos preocupados com o desaparecimento de um filho, há pessoas a ligar para casa a indicar pistas falsas? É toda uma panóplia de histórias que evitei pôr no filme porque eram demasiado surreais.

O que pesou mais na escrita: trabalhar o enredo ou transmitir o estado de alma de Isabel, interpretada por Ana Moreira.
Interessava-me mostrar ambos os lados: mostrar aqueles estados de alma e não ter só storytelling, até porque temos quatro momentos específicos naqueles 15 anos, momentos marcantes para a personagem [1998, 2004, 2011 e 2013]. E os estados de alma são também diferentes nesses momentos. No início do filme ela é muito mais nervosa e ansiosa, enquanto a meio do filme já tem uma camada emocional diferente. Não diria que está mais calma, mas…

"Alguns já conhecia do 'Carga', mas o que procurei foram atores que tivessem sensibilidade e que se identificassem com o tema. Geralmente falo com os atores antes para saber como se enquadram nesta realidade."

Parece anestesiada…
Exatamente. Está depressiva. A ideia é ter nesses momentos o realismo do storytelling mas também criar camadas para que o público perceba que ao longo de 15 anos houve fases completamente diferentes na vida daquelas pessoas. Era algo que acontecia. Quanto mais tempo passa, mais paz os pais vão tendo. Todas as famílias passam por essas fases. O que não fazem é desistir.

Não chegam a fazer o luto.
Quando alguém morre, tem-se um tempo para fazer o luto. Mas nestas situações não existe nada. Falta algo, o que faz com que as pessoas vivam num limbo que traz uma panóplia de sentimentos completamente diferentes. Uma pista nova é recebida com esperança. Quando a pista não dá em nada, regressa o desespero — e assim sucessivamente.

Em relação à fotografia do filme, é impressão minha os tons vão variando, ora com cores mais quentes ora mais frias?
Não é impressão. Na casa da Isabel, por exemplo, as cores dos móveis mudam consoante as fases em que ela está, tal e qual o guarda-roupa. Ela veste sempre amarelo porque é a luz entre as sombras. No início está de amarelo, passa para castanho, quando está mais deprimida, mas depois surge uma nova pista e volta ao amarelo. As cores acompanham o seu estado psicológico.

No elenco estão nomes como Joana Ribeiro, Miguel Borges, Lúcia Moniz, Ana Bustorff, José Raposo e Vitor Norte, além da Ana Moreira. Alguns destes já tinham estado no “Carga”. Que critério seguiu no casting?
Sim, alguns já conhecia do “Carga”, mas o que procurei foram atores que tivessem sensibilidade e que se identificassem com o tema. Geralmente falo com os atores antes para saber como se enquadram nesta realidade. Acho que tenho uma relação boa com os atores. Aliás, acho que sou um realizador de atores.

Repete-se a surpresa de ver a Sara Sampaio num pequeno papel.
Convidei-a primeiro para o “Carga”. Ela sempre teve o sonho de ser atriz e está a estudar para isso em Los Angeles.

A Academia Portuguesa de Cinema apresentou “Sombra” como um dos nomeados a ser o candidato português ao Óscar de Melhor Filme Internacional. O que é que isto significa para si?
Já é um passo importante, e um orgulho enorme, estar nesta nomeação logo com o meu segundo filme.

REALIZADOR_- BRUNO GASCON

"Não sei fazer mais nada e confesso que acho que não tenho jeito para muito mais", diz Bruno Gascon. Fotografia: Luís Sustelo

Luís Sustelo

Já começou a produção do seu próximo filme?
Na verdade já terminei a rodagem da minha terceira longa-metragem, “Evadidos”, em maio. Agora está em pós-produção.

É sobre o quê?
Não querendo revelar demasiado, posso dizer isto: num mundo em que a liberdade de expressão e os direitos estão a ser cada vez mais ameaçados, decidi criar algo diferente dos outros dois filmes. Decidi criar um mundo distópico em que vivemos numa ditadura e onde existe um homem que luta contra essa mesma ditadura.

Quando estreia?
Estreará no próximo ano, mas não sei dizer quando ao certo

Sempre quis ser cineasta?
Era um daqueles miúdos que estava sempre a ver filmes. Quando estava a terminar o secundário e andava um pouco perdido deu-se um acontecimento marcante na minha vida que foi a morte da minha mãe. Decidi aí que não podia perder tempo e que se o que eu queria fazer era realizar, então devia pegar nas minhas malas e fui para Amesterdão estudar durante três anos. Foi o que fiz. Quando voltei para Portugal comecei como estagiário, operador de câmara, depois comecei a fazer documentários sobre emigração na RTP, mas que tinham de ter sempre um final feliz. Como algumas das situações de vida retratadas nos documentários não eram, na realidade, nada felizes, decidi começar a contar histórias como achava que elas deviam ser contadas. Foi aí que comecei por fazer curtas.

Quando veio a primeira?
Foi a curta “Boy”, em 2013 ou 2014, que falava sobre esquizofrenia. A segunda curta foi sobre o suicídio e seguiu-se depois a primeira longa. Bati a muitas portas para conseguir filmar o “Carga”. Fiz muitos documentários para a televisão. Fiz muita coisa diferente, o que me ajudou, porque tive muitas experiências diferentes até chegar onde estou hoje.

E experimentou nas curtas antes de arriscar uma longa.
Sim, e acho que é importante arriscar, porque senão ficamos sempre na dúvida se conseguimos fazer aquilo de que tanto gostamos, e eu gosto mesmo de fazer cinema. Não sei fazer mais nada e confesso que acho que não tenho jeito para muito mais.

"Tudo pode ser uma porta de entrada para algo. Bater às portas das produtoras é um exemplo. Existe um concurso do ICA para primeiras obras. As produtoras geralmente andam à procura dessas primeiras obras. Se houver escritores, guionistas, realizadores que tenham a capacidade e que acreditem que consigam fazer, têm de bater ao máximo número de portas possíveis."

Quando diz que bateu a muitas portas, o que quis dizer?
Quando fiz o “Carga” tinha a certeza de que era aquela a história que queria contar, mas houve portas a que bati em que me perguntavam porque é que não fazia antes uma comédia, porque é que queria fazer um drama tão pesado sobre tráfico humano de que ninguém quer ouvir falar? Mantive sempre a minha ideia, continuei até que acabei por bater a algumas portas que começaram a ajudar-me. Na verdade, eu e a produtora, a Joana Domingues, criámos a nossa oportunidade. Antes de ouvir “sins”, ouvi muitos “nãos”. Acho que é importante as pessoas arriscarem e não terem medo de bater às portas. Tive a sorte de ter ajuda, é verdade, mas acho que ter sorte também dá trabalho. Em Portugal tens talentos que muitas vezes têm medo de arriscar e por isso perdem-se.

Tem-se um medo enorme de ouvir a palavra ‘não’.
Lá está, ouvi muitos nãos na vida. Fui aprendendo a viver com isso, aprendendo que entre um não e um sim está só mais um não. Entre o sucesso e o insucesso, é só tentar levantar-me mais uma vez e não desistir. Acho que tenho essa característica: não desisto. Por mais que me digam que não, tento procurar o lado positivo para que na próxima vez seja um sim.

Que tipo de ajudas teve no “Carga”?
Tive a ajuda do Tino Vieira. Marcámos uma reunião e ele ajudou-nos. O facto de termos apresentado o projeto do filme daquela forma tão aberta e genuína fez com que nos tivesse dado a mão.

Que tipo de portas aconselha a um aspirante a cineasta?
Todas as que consiga. Tudo pode ser uma porta de entrada para algo. Bater às portas das produtoras é um exemplo. Existe um concurso do ICA para primeiras obras. As produtoras geralmente andam à procura dessas primeiras obras. Se houver escritores, guionistas, realizadores que tenham a capacidade e que acreditem que consigam fazer, têm de bater ao máximo número de portas possíveis. O melhor conselho que posso dar é este: nunca desistir. Entre os “nãos” vai haver sempre quem queira ajudar, seja apenas com conselhos, com financiamento ou com contactos.

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