Sessenta euros. Pela primeira vez desde que o Observador começou a recolher os preços de uma série de produtos essenciais, na sequência da escalada da inflação, o valor médio do cabaz de 18 produtos que é atualizado desde abril ultrapassou os 60 euros. São mais dez euros face ao verificado no início da recolha, em abril do ano passado, ou o equivalente a 17%, em média. Apesar do abrandamento da inflação, que baixou em fevereiro pelo quarto mês consecutivo, os preços dos alimentos continuam sem dar tréguas.
No espaço de quase um ano, praticamente nenhum produto escapa à subida de preços. Já entre fevereiro e março, os aumentos foram visíveis em bens como o leite, o feijão e as maçãs.
O Cabaz Observador teve início em abril do ano passado, quando a inflação começou a “morder” os bolsos dos consumidores, portugueses e não só. Isto aconteceu depois da invasão da Ucrânia pela Rússia ter feito disparar os custos dos fatores de produção, nomeadamente da energia ou da logística, mas também das matérias-primas.
Desde então, o Observador tem recolhido os preços de um conjunto de bens considerados essenciais para uma família com filhos. São eles óleo alimentar, atum, farinha, arroz, massa, bolacha Maria, cereais Corn Flakes, leite, farinha láctea, maçãs, bacalhau, frango, feijão, ovos, açúcar, pão, papel higiénico e fraldas. As comparações são feitas aos preços verificados no primeiro dia de cada mês nos sites de três hipermercados. O objetivo é acompanhar a evolução dos preços a cada mês.
No primeiro dia de março, é visível uma subida dos preços nas cestas dos três supermercados analisados, que oscila entre os 0,24% e os 6,66%. Algumas das escaladas mais significativas registadas no arranque do terceiro mês de 2023, como a das fraldas no Pingo Doce e no Continente, superiores a 30%, ou a do atum no Continente, também acima dos 30%, devem-se ao facto de estes produtos terem estado em promoção no mês anterior. O impacto das promoções tem impedido, aliás, subidas mais expressivas no valor do conjunto do cabaz.
Entre fevereiro e março houve vários produtos sem mexidas, como demonstra a tabela. Mas algumas das variações mais acentuadas, como a descida dos preços da Cerelac, dos Corn Flakes e do esparguete, devem-se a promoções que os supermercados têm em vigor.
Em fevereiro, a inflação homóloga ficou nos 8,25%, tendo abrandado face aos 8,4% de janeiro. Um alívio que ficou a dever-se, sobretudo, à menor subida dos produtos energéticos. Os primeiros dados indicam que estes terão registado uma variação homóloga de 2%, face aos 7% de janeiro. O centro do problema reside agora nos produtos alimentares não transformados, cujos preços continuam a escalar. Em fevereiro, a subida de preços nesta categoria foi superior a 20%.
A subida dos preços, a par com a perda do poder de compra das famílias, já se sente no consumo ao fim do mês. Os números revelados esta terça-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que a despesa das famílias com bens alimentares caiu 2,3% no quarto trimestre do ano passado face aos três meses anteriores.
O desfasamento entre a subida geral dos preços, que está a abrandar há quatro meses, e o disparo do valor dos alimentos, levou a ASAE a arrancar esta quarta-feira com um raide aos hiper e supermercados, para tentar perceber se algo se passa nas prateleiras. Oitenta inspetores de trinta e oito brigadas partiram para o terreno para verificar se o preço anunciado pelos retalhistas corresponde ao preço praticado, e se há práticas comerciais que expliquem uma inflação alimentar tão elevada. É preciso “ter muita atenção ao exagero nos preços a que são vendidos os produtos alimentares”, apontou o secretário de Estado do Turismo, Comércio e Serviços.
Juros e inflação começam a “morder”. Consumo desce e economia perde fôlego
Antes de os agentes irromperem pela porta dos supermercados, Nuno Fazenda, que tem a tutela da ASAE, explicou que a ação foi motivada pelo facto de Portugal estar com uma inflação de 8,6%, “abaixo da média da União Europeia de 10%, mas, no que respeita aos produtos alimentares, o preço do cabaz ter aumentado mais do dobro da inflação, 21,1%”, referiu à Lusa.
“Por isso mesmo, e também porque temos, em alguns produtos, aumentos de 40, 50 e até 70% face ao ano anterior, pretendemos intensificar a fiscalização ao nível dos preços dos bens alimentares”, sublinhou. Foi o que aconteceu a produtos como o arroz, o açúcar ou o leite, que desde abril do ano passado, segundo as contas do Observador, tiveram aumentos entre 40% e 90%.
O governante garante que “o Estado está atento, está a agir e vai intensificar esta ação no terreno”, sendo que nos últimos seis meses, de acordo com Nuno Fazenda, “a ASAE desenvolveu uma atividade inspetiva em cerca de 800 operadores, que resultou no levantamento de 40 processos-crime e de cerca de 80 contraordenações”. Aqui insere-se, por exemplo, “a fiscalização dos preços fixados em prateleira e dos pagos nas caixas de pagamento dos supermercados”.
Nuno Fazenda apelou a um aumento da “transparência e da responsabilidade social” por parte da distribuição, destacando que “o aumento exagerado dos preços não favorece ninguém, incluindo os próprios operadores económicos”.
Em outubro do ano passado, o Governo criou um Observatório de Preços, que tem como objetivo vigiar os custos, preços e margens do setor agroalimentar e contribuir “para uma maior transparência em toda a cadeia de valor agroalimentar, acompanhar a sua evolução, e dotar as entidades competentes de um instrumento que permita monitorizar, avaliar e definir melhores políticas públicas nesta matéria”.
Governo cria Observatório de Preços para vigiar custos, preços e margens do setor agroalimentar
Os dados mais recentes recolhidos pelo Observatório remetem para a última semana de fevereiro. São disponibilizadas as cotações médias de 20 produtos entre a quinta e a oitava semana de 2023, e é feita a sua comparação com as cotações registadas entre o mesmo período de 2022 e entre a primeira e a quarta semana de 2023. Há variações homólogas que chegam aos 255%, como é o caso das couves. Seguem-se aumentos de 120% a 140%, como nas alfaces, batatas e cenouras.
O Observatório, que tem como fontes o Sistema de Informação de Mercados Agrícolas (SIMA) e a Docapesca, prevê “o desenvolvimento de um conjunto de outputs por produto, que será disponibilizado de acordo com as fases de implementação” do projeto. A primeira fase, agora em curso, inclui a publicação das cotações dos produtos. Numa segunda fase, sem data conhecida, será analisada e publicada a evolução de preços no consumidor e ao produtor e a evolução dos preços ao longo da fileira, bem como a apropriação de valor e as margens líquidas de cada setor.