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Photo by John Moore/Getty Images

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Caravana. Quem são os migrantes à espera de entrar nos Estados Unidos?

Começaram a viagem, a pé, em outubro e agora já estão na fronteira com os EUA. Durante a longa marcha, disse-se que eram famílias em fuga do crime, criminosos e até terroristas. Onde está a verdade?

Começou em San Pedro Sula, segunda maior cidade das Honduras e uma das mais violentas do mundo, a 12 de outubro, com algumas dezenas de pessoas. Acabou por transformar-se numa enorme caravana com milhares de pessoas que se foram juntando pelo caminho. Durante três meses, atravessaram três países até chegarem à cidade mexicana de Tijuana. Agora, a separá-los dos Estados Unidos da América está apenas uma vedação que ficou conhecida como “O Muro da Tortilha”. “Apenas” é uma simplificação: mesmo que tenham deixado para trás mais de 4 mil quilómetros de caminho, feitos em carros, autocarros e também a pé, a torrar ao sol da tarde e a enregelar no frio das noites dormidas ao relento, os últimos metros que lhes faltam até ao destino sonhado serão, seguramente, os mais difíceis. Palavra de Donald Trump.

De acordo com o Washington Post, a administração norte-americana tem agora um plano que dá pelo nome de “Remain in Mexico” — algo como “Fiquem no México”. O objetivo será o de processar os pedidos de asilo 60 a 100 pessoas por dia, fazendo as restantes esperar do lado mexicano da fronteira. Tendo em conta que, por esta altura, serão entre cinco a dez mil migrantes, este processo pode levar vários meses até ser concluído.

À chegada a Tijuana, a caravana de migrantes foi recebida com protestos de alguns locais (John Moore/Getty Images)

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É um dos esforços mais recentes da administração de Donald Trump para travar a chegada de migrantes da América Central, depois de ter sofrido um revés com a justiça. A 8 de novembro, o Presidente dos EUA decretou que apenas quem entrasse nos EUA através de um ponto oficial de entrada teria direito a pedir asilo, ficando assim de fora aqueles que atravessassem a fronteira de forma ilegal. Logo depois, o juiz Jon Tigar, de um tribunal federal em São Francisco, avançou com uma providência cautelar que suspende esse decreto, alegando que este vai contra a lei norte-americana, que reconhece o direito pedir asilo independentemente da maneira como se entrou no país.

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A decisão final caberá ao Supremo Tribunal, a instância mais alta, que, no passado, depois de um longo debate jurídico, deu razão a Donald Trump na proibição da entrada de pessoas vindas de uma lista específica de países maioritariamente muçulmanos.

[Vídeo: Em Tijuana, poucos querem os migrantes da caravana:]

Além disso, o Presidente dos EUA está agora num esforço derradeiro para começar a cumprir, enquanto pode, uma das suas principais promessas de campanha: a construção de um muro ao longo da totalidade da fronteira dos EUA com o México. Esta terça-feira, vários media norte-americanos deram conta de uma reunião entre Donald Trump e os dois democratas com maiores responsabilidades: Nancy Pelosi, líder do Partido Democrata na Câmara dos Representantes; Chuck Schumer, chefe dos democratas no Senado. De acordo com vários meios de comunicação social, a reunião acabou com Trump a gritar com os dois líderes democratas por divergências quanto ao financiamento da construção do muro. 

Em causa está o financiamento que Donald Trump quer para construir o muro — 5 mil milhões de dólares — e o financiamento que os democratas estão dispostos a dar-lhe — 1,3 mil milhões de dólares. Este braço de ferro pode acabar com Donald Trump a fazer um shutdown do governo federal depois de 21 de dezembro, altura em que o atual orçamento se esgota. “Teria todo o orgulho em fazer um shutdown do governo se fosse pela segurança da fronteira, Chuck”, disse Donald Trump ao líder dos democratas no Senado, relembrando que eles próprios obrigaram a um semelhante desfecho no início do ano por resistência à política de imigração do Presidente.

“As pessoas deste país não querem criminosos, nem pessoas que têm vários problemas, nem drogas a entrar pelo nosso país. Eu vou assumir as responsabilidades. Vou ser eu a suspender o governo. Não vou culpar-vos por isso. Da última vez, foram vocês. Não funcionou. Agora eu vou assumir as responsabilidades de suspender o governo”, disse Donald Trump, antes de a reunião passar a decorrer sem jornalistas na Sala Oval.

Adivinha-se um longo vaivém para os migrantes, tanto no plano jurídico como no político. E para quem ficou parado no lado mexicano do Muro da Tortilha, tudo isto só quer dizer uma coisa: agora, espera-se.

[Porque há migrantes a entregar-se à polícia? Veja o vídeo:]

Quem está entre quem espera?

À medida que foram chegando a Tijuana, as histórias de quem atravessou mais de 4 mil quilómetros foram surgindo e juntando-se às dos muitos que já lá estavam, naquela cidade conhecida, entre outras coisas, por ser um dos principais pontos de passagem de migrantes para os EUA.

Entre eles está Juana. É tão nova que, quando conta a história dela, a Sky News não lhe diz a idade em anos ou meses, mas sim em dias: 51, ao todo. Juana nasceu já os seus pais estavam em marcha na caravana para os EUA e em fuga de El Salvador, país onde deixaram de estar seguros. Orlinda, a mãe, conta que é perseguida pelo gangue MS-13 — formado em Los Angeles na década de 1980, entre pessoas de ascendência do El Salvador, que desde então se espalhou até àquele país de origem — depois de ter testemunhado contra o seu irmão, membro daquela quadrilha. Desde que o seu irmão foi preso por homicídio, Orlinda tem recebido ameaças à sua vida — e, quando viu a oportunidade de se juntar a um grupo de gente em fuga, não hesitou em juntar-se à caravana. Mesmo com Juana na barriga, prestes a nascer.

Também lá está Carlos José Romero, hondurenho de 20 anos que, ao contrário do que muitos daqueles que estão na caravana contam, queixa-se não de violência, mas antes de pobreza — o que, na hora de pedir asilo, não lhe vai dar luz verde para entrar nos EUA. “Vimos em busca de trabalho. Sei que não vou ter asilo, porque eles não dão asilo por fome”, disse ao The Guardian, enquanto esperava em Tijuana. “Mas nós, que estamos na caravana, preferimos morrer a lutar do que a ficarmos sentados nas Honduras à espera de morrer à fome ou de sermos mortos. Se nos deportarem, nós voltamos logo a seguir.”

“Para pessoas como eu, que não têm dinheiro para pagar a uma traficante que nos leve aos EUA, a caravana é tudo o que temos. É Uma escolha nossa. Não temos de pagar, mas temos de sofrer.”
Cesar Mejía, 23 anos, Honduras

Também há Cesar Mejía, um jovem de 23 anos oriundo de San Pedro Sula, a cidade hondurenha onde a caravana terá começado, ainda em meados de outubro. O seu testemunho foi recolhido pela revista New Yorker, a quem conta ser alvo de discriminação e violência nas Honduras por ser gay. “Atacavam-me e depois eu ia à polícia apresentar queixa, mas nada acontecia”, conta. À passagem na fronteira com a Guatemala, começou a chamar à atenção por levar aos ombros a bandeira LGBT, com as cores do arco-íris. Perguntaram-lhe de que país era aquela bandeira e ele respondeu: “É a bandeira do mundo”. Desde essa altura, tem servido como uma espécie de líder dos migrantes LGBT que, por medo de serem atingidos pelo caminho, se juntaram em grupo na caravana.

O objetivo é chegarem aos EUA, onde acreditam que vão ter maior proteção e direitos. “Se tivermos de esperar, tudo bem”, disse à New Yorker. “Para pessoas como eu, que não têm dinheiro para pagar a uma traficante que nos leve aos EUA, a caravana é tudo o que temos. É uma escolha nossa. Não temos de pagar, mas temos de sofrer.”

“Já não é só o tradicional migrante masculino que vem para os EUA”, sublinha a especialista. “Estes números demonstram que independentemente das medidas que a administração Trump está a tentar implementar, incluindo a separação de crianças das suas famílias, não tem sido um desincentivo para as pessoas que sentem que não têm outra opção além de sair do seu país de origem.”
Maureen Meyer, investigadora da Washington Office on Latin America (WOLA)

A previsão é que, sim, ainda vão ter muito que sofrer — a começar pela convivência com a população local de Tijuana, que recebeu a primeira leva de migrantes com protestos e até pedras. A receção hostil levou a confrontos entre alguns dos membros da caravana e locais de Tijuana, que ergueram cartazes a dizer “Não aos ilegais”, “Não à invasão” e “México Primeiro”, fazendo lembrar um dos slogans de Donald Trump — “América Primeiro”. O outro slogan mais conhecido — “Fazer a América Grande de Novo” — foi imitando pelo autarca de Tijuana, Juan Manuel Gastélum, que tem sido visto a usar um boné a dizer “Fazer Tijuana Grande de Novo”.

Em declarações à televisão Milenio, o autarca não poupou palavras para descrever os migrantes que começaram a instalar-se na sua cidade. “Estas pessoas chegam de forma agressiva, grosseira, com cânticos e a desafiar a autoridade, fazendo coisas a que não estamos habituados aqui em Tijuana. O México inteiro que fique a saber que já chega. O que é isto de se permitir que se cruzem fronteiras sem nenhum limite?”, lançou Juan Manuel Gastélum.

Os discursos do autarca de Gastélum e Trump são em tudo semelhantes. Depois de, durante a campanha para as intercalares, ter atacado de forma particularmente insistente a chegada da caravana de migrantes, que rotulou de “invasão” — que, na altura das eleições de 6 de novembro, estava a cerca de duas semanas da chegada à fronteira do primeiro grupo — Donald Trump tem voltado à carga, atirando contra os migrantes e também contra a decisão judicial que bloqueou o seu decreto.

“Há muitos CRIMINOSOS na caravana. Vamos pará-los. Apanhar e deter! O ativismo judicial, por pessoas que não sabem nada sobre a segurança dos nossos cidadãos, está a colocar o nosso país em grande perigo. Isto não é bom!”, escreveu no Twitter. A ideia de que há criminosos entre os migrantes tem sido, de resto, uma acusação que Donald Trump começou a fazer ainda mal a caravana tinha começado o seu caminho. A 20 de outubro, disse que havia “duros criminosos” entre eles. Quando uma jornalista lhe perguntou que provas tinha para sustentar essa afirmação, disse: “Ó, por favor, por favor. Não seja um bebé, ok? Olhe bem. Olhe lá bem. Olhe para o que está a acontecer. Olhe para os soldados mexicanos deitados no chão. Olhe bem. Estas pessoas — e eu não disse que eram todas — mas muitas delas são duros criminosos, são pessoas muito violentas”.

Será difícil assegurar que todos os que caminharam nos últimos dois meses em direção aos Estados Unidos são aquilo que as histórias pessoais tornadas públicas retratam: pessoas desesperadas, à procura de uma vida mais segura, longe da miséria e com futuro. E não é difícil acreditar que, entre aquele milhares, haverá quem procure passar a fronteira com as piores intenções. O foco do debate está, contudo, na generalização que sustenta a ideia de que todos serão criminosos e uma ameaça -— até porque os números sugerem um retrato muito diferente daquele desenhado por Trump. De acordo com os dados da U.S. Customs and Border Protection, a agência federal responsável por controlar as fronteiras e perceber quem e o que é que as cruza, os números para outubro demonstram que as pessoas que têm sido apreendidas à fronteira têm outro perfil, menos conducente à conclusão de Donald Trump.

Adam Isacson, especialista em segurança e na fronteira dos EUA com o México, traça um retrato de exceção do atual momento na imigração para os EUA através da sua fronteira a sudoeste. Analisando os números da guarda fronteiriça dos EUA, o passado mês de outubro foi, entre os últimos oito, aquele em que foram detidas mais famílias a atravessar a fronteira — um total de 23 121. Também foi o mês em que a percentagem de chegadas de menores e famílias foi maior nesse período — 55%, feitas as contas. Por outro lado, foi o 44º mês com mais entradas de adultos sem companhia.

“Há uma mudança dramática em relação às pessoas que estão a chegar aos EUA”, diz ao Observador Maureen Meyer, que dirige a investigação sobre o México e os direitos dos migrantes para a ONG Washington Office on Latin America (WOLA), para o qual também Adam Isacson trabalha. “Já não é só o tradicional migrante masculino que vem para os EUA”, sublinha a especialista. “Estes números demonstram que, independentemente das medidas que a administração Trump está a tentar implementar, incluindo a separação de crianças das suas famílias, não tem sido um desincentivo para as pessoas que sentem que não têm outra opção além de sair do seu país de origem.”

Onde estão os 100 terroristas de que falou o Presidente da Guatemala?

O caos foi lançado pelo Presidente da Guatemala, Jimmy Morales. Tudo se passou numa cimeira da Conferência para a Prosperidade e Segurança na América Central, que juntou em Washington D.C. representantes de cinco países: EUA, El Salvador, Guatemala, Honduras e México. A meio da sua intervenção, o Presidente da Guatemala largou uma bomba, mesmo que de forma casual: “Há outro assunto que gostava de referir. Detivemos quase 100 pessoas altamente relacionadas com grupos terroristas, especificamente com o [auto-proclamado] Estado Islâmico. Não só os detivemos nos nosso território, como os deportámos para os seus países de origem”.

A declaração causou espanto na imprensa guatemalteca, que tentou saber mais sobre aquela informação divulgada pelo seu Presidente. Porém, a administração de Jimmy Morales fechou-se em copas — disse que essa era “informação protegida” e não adiantou mais nada.

Ao Observador, Maureen Meyer refere que “é verdade que cada vez mais há pessoas extra-continentais [de fora do continente americano] a viajar pela América Central com a intenção de chegar aos EUA”, mas salvaguarda que o facto de “serem pessoas africanos ou do Médio Oriente não é razão para serem caracterizadas como potenciais terroristas”.

Sobre as declarações de Jimmy Morales em particular, a investigadora do WOLA diz que este “teria de respaldar as suas afirmações com pessoas e documentos para estas se tornarem credíveis, algo que não foi feito”.

“Há outro assunto que eu gostava de referir. Detivémos quase 100 pessoas altamente relacionadas com grupos terroristas, especificamente com o [auto-proclamado] Estado Islâmico. Não só os detivemos nos nosso território, como os deportámos para os seus países de origem."
Jimmy Morales, Presidente da Guatemala

As tentativas de entrada nos EUA de pessoas ligadas a grupos terroristas islamistas pela fronteira com o México não são conhecidas do grande público. Por questões de segurança, as autoridades mantêm esses números secretos. No entanto, em 2016, um documento interno foi divulgado pelo Houston Chronicle e também pelo Washington Post. Este último, notou que o Departamento de Segurança Pública do Texas escreveu num relatório destinado altos cargos públicos e políticos do Texas que tinham sido detidas naquela fronteira pessoas de 35 países — incluindo Afeganistão, Líbia, Irão, Iraque, Paquistão e Síria — suspeitas de ligações a grupos terroristas. O documento falava ainda da detenção de um membro do grupo terrorista al-Shabab, da Somália, em 2014, na fronteira do Texas.

Jimmy Morales falou a 11 de outubro. A caravana partiu no dia seguinte — portanto, não haveria maneira de ele estar a referir-se àquele êxodo em massa. Ainda assim, a 22 de outubro Donald Trump lançou no Twitter a ideia de que entre os membros da caravana “estão misturados criminosos e pessoas do Médio Oriente desconhecidas”. No dia a seguir, deu a primeira ordem para que fossem enviadas tropas para a fronteira — 2100 soldados.

Ao longo dos dias seguintes, mais tropas foram chamadas, chegando a um total de 15 mil militares — são praticamente o dobro dos soldados norte-americanos destacados na Síria e no Iraque. Também eles estão à espera — de Juana e dos pais, de Carlos, de César e de quem mais estiver entre eles.

(John Moore/Getty Images)

John Moore/Getty Images

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