Carlos Coelho, que é coordenador da Academia de Formação do PSD, participou na Vichyssoise no intervalo de almoço dos trabalhos da Universidade de Verão (UV) do PSD, em Castelo de Vide. Um dia depois do socialista Francisco Assis o ter defendido, o reitor da UV concorda que PSD e PS devem fazer “acordos de regime” em algumas áreas. Carlos Coelho acredita que Luís Montenegro tem todas as possibilidades para ser primeiro-ministro e reconhece que Pedro Nuno Santos é um adversário “mais conveniente para o PSD”.

O antigo eurodeputado acredita que Luís Montenegro já está a refletir sobre quem será o candidato do PSD às Europeias, que até pode ter uma “preferência“, mas não terá ainda uma decisão. E exclui-se de ser um potencial cabeça de lista, por não ter a “notoriedade” e “presença na sociedade portuguesa” que o primeiro da lista precisa de ter.

Sobre Luís Marques Mendes — a quem dias antes chamou “vidente” no jantar-conferência –, Carlos Coelho diz que o ex-líder do PSD tem “todas qualidades para ser Presidente da República”. Mas rejeita enumerar mais nomes: “Não vou tirar coelhos da cartola”.

[Oiça aqui o episódio desta semana do programa Vichyssoise:]

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A demissão, a estética Chega e o pré-Papa de Belém

Há uma ideia em alguns fóruns na política e no espaço público que uma escola de verão é um local em que se formatam cérebros, numa espécie de lavagem cerebral para ‘jotas’. Como é que contraria esta ideia?
A circunstância de termos desde a primeira edição, sempre, convidado personalidades que não têm nada a ver com o PSD e até têm a ver com outros partidos demonstra bem que a nossa preocupação não é formatar, mas formar. Permitir a jovens quadros abrirem as cabeças e confrontarem-se com opiniões diferentes. Iniciámos essa experiência em 2003 e não foi apenas Francisco Assis, Mário Soares, António Vitorino…

Falou aí de Francisco Assis, que defendeu ontem aqui que PS e PSD devem entender-se mais, em nome do interesse nacional, principalmente em áreas de regime. Concorda com esta visão?
Com certeza, em tudo o que ultrapasse o limite de uma legislatura, o pior que pode acontecer ao país é a ideia de que vem um Governo passado quatro anos e destrói tudo o que o anterior fez. Há áreas em que o horizonte temporal obriga a que haja um compromisso nacional. Temos muitas áreas na Constituição em que, devido à projeção temporal do quadro normativo, se determina que a aprovação se faz com dois terços dos deputados — uma forma de obrigar ao consenso. Há matérias de política governativa em que isso é evidente — o desacerto entre o ministro das Infraestruturas e o primeiro-ministro, quando este disse que era fundamental haver um acordo mais alargado sobre o aeroporto, era a perceção que tinha dessa realidade. Quando o ministro Pedro Nuno Santos decide fazer um despacho, numa atitude de ignorar qualquer outra opinião, dizendo que a opinião dele prevalecia nessa matéria, foi uma forma de exibir vistas curtas.

Como é que se faz esse equilíbrio? Rui Rio perdeu uma boa parte do partido, precisamente por ter em alguns momentos dado a mão ao PS. A afirmação desta nova liderança não se faz, precisamente por marcar as diferenças para o PS?
Luís Montenegro explicou isso muito bem na campanha e no congresso: temos de respeitar as regras da democracia e perceber que o povo vota com inteligência. Presumir que não é uma lógica perversa. O povo deu uma maioria absoluta ao PS e um mandato de oposição ao PSD, não há aqui nenhuma dúvida. O PSD tem a responsabilidade de fazer oposição de forma determinada, embora séria e responsável. Para mim é evidente que se o PSD se afirmar claramente como partido de oposição as pessoas percebem que haja matérias em que é possível haver acordos de regime. O que provavelmente aconteceu noutros momentos do partido é que esta ideia de que o PSD devia ser oposição não foi tão afirmada, e ficou a imagem de uma cumplicidade permanente entre PSD e PS. E isso era perverso.

E existia de facto ou era só uma perceção?
Fiquei com essa perceção, mas não quero impô-la. Mas de facto a ideia de que o PSD não pode ser cúmplice do que o Governo está a fazer é, para mim, clara. Qualquer gestão política que permita esse nevoeiro é negativa. Quando eu era deputado, havia matérias, como o projeto europeu, que uniam desde o CDS até ao PS. Era possível identificar grandes consensos nacionais apesar das barreiras partidárias. Acho que isso pode e deve voltar a acontecer.

Na quarta-feira à noite, chamou vidente a Luís Marques Mendes e um dos alunos apontou o antigo líder do PSD como nome para a corrida a Belém. Na sua bola de Cristal, considera que Marques Mendes pode um dia ser Presidente da República?
Se me pergunta se ele tem qualidades digo que sim, todas. Ouvi a resposta que ele deu aqui e pode ser uma de duas coisas: tem vontade e está a suster informação, porque em política o timing também é importante — vamos ser claros: a declaração de Augusto Santos Silva a denunciar a sua apetência para o cargo de Presidente da República criou uma mancha, compromete o seu desempenho enquanto presidente da Assembleia da República. Vai ser menos visto enquanto porta-voz de uma instituição e segunda figura do Estado, e mais como putativo candidato. Acho que foi um momento mau, porque diminui o seu espaço político. A gestão do timing é algo que um político tem de aprender a fazer, e Marques Mendes pode estar a fazê-lo. Ou pode estar mesmo convencido de que essa não é a sua vocação, disposição ou interesse. E até pode mudar de opinião mais tarde, isto não impede que as circunstâncias e a vontade mudem.

Assistiu a Marcelo Rebelo de Sousa vir aqui muitos anos. Vê semelhanças no percurso de ambos?
Ambos foram líderes do partido, são ou foram comentadores assíduos e dos mais vistos, vieram à universidade de verão, são pessoas inteligentes… Isso é o que os aproxima. Mas para Presidente da República há muitas outras coisas necessárias que ultrapassam estas.

E que outros nomes da direita veria com capacidade para a corrida presidencial?
Sei que vocês olham para mim e têm aquela ideia do fulano que pega na cartola e tira coelhos (risos).

Não sei se isso não é também referência ao potencial candidato Pedro Passos Coelho…
(Risos) Mas não vou tirar coelhos da cartola.

Acredita que Luís Montenegro pode mesmo ser primeiro-ministro?
Não só acredito, como acho que tem todas as qualidades para primeiro-ministro. O Luís Montenegro é uma pessoa muito dotada, muito capaz, muito inteligente, com capacidade de trabalho, com uma capacidade de ler as pessoas e se relacionar, que dá atenção aos pormenores. Senti isso na campanha de uma maneira incrível. Dá atenção aos pormenores e preocupa-se seriamente com as pessoas. Está muito bem preparado. Foi um líder parlamentar excecional na Assembleia da República. E vai ser uma boa surpresa para quem não o conhece bem.

A travessia no deserto é grande. Ele próprio tem nos cartazes ‘Luís Montenegro 2026’, que até extravasa o mandato dele, o que nem muito protocolar.
Pode não ser protocolar, mas é sério. Aquilo que ele disse é que quer afirmar o PSD como alternativa e, em princípio, o calendário determina que as próximas eleições legislativas são em 2026. Portanto, ele não vai precipitar-se em soluções de curto prazo para encher a agenda e dizer: ‘Eu tenho uma coisinha daqui a seis meses’. Ele está preparar com seriedade um projeto para que o PSD possa ser Governo em 2026. E acho que isso faz muito bem. Uma das coisas que ele disse na campanha é que ele quer ter um programa alternativo de Governo em 2024. Porquê? Porque ele diz e bem que, nas últimas eleições o que se sentiu, é que apresentar soluções de Governo aos portugueses a dois meses das eleições não é eficaz. Porque não permite a adesão das pessoas, nem sequer permite o debate. Se ele conseguir apresentar o seu programa alternativo de Governo em 2024. Isto é, dois anos antes do calendário eleitoral, ele tem dois anos para discuti-lo com a sociedade portuguesa. E pode ver as reações, pode contemplar as alternativas, receber sugestões e até pode reajustar algumas metas. E chega a 2026 com um projeto que foi bem feito, tem cabeça, tronco e membros e foi participado pelos portugueses.

E por falar nessas legislativas de 2026, tivemos aqui um orador que dizia que o embate será contra Pedro Nuno Santos. É nisto que acredita também?
Não consigo prever o futuro. Não tenho as qualidades de outros que, de facto, antecipam com grande rigor. Dizem-me que Pedro Nuno Santos tem um grande apoio dentro do PS.

E uma vontade que nunca negou.
Nunca negou, antes pelo contrário. Este último episódio deixou-o um bocadinho diminuído, porque foi um bocadinho humilhante a forma como ele continuou no Governo, teve de pedir desculpa, etc. Não sei qual é o efeito que isso tem na população em geral. Não sei se faz muito sentido um candidato da esquerda do PS disputar o espaço do eleitorado moderado que é essencial para o crescimento eleitoral do PS.

E isso seria melhor para o PSD em termos eleitorais?
Para o PSD seria mais conveniente, não tenho dúvidas disso. Mas não tenho condições para antecipar o que vai acontecer em 2026. E muito menos condições para antecipar o que vai acontecer noutro partido. Respeito o PS como grande partido e as escolhas que eles quiserem fazer é uma escolha dos socialistas.

Há quem diga que a atual direção, da qual faz parte através da permanente, representa o regresso do passismo. Isto é uma crítica ou um elogio?
Pedro Passos Coelho foi um grande primeiro-ministro. Temos a consciência que ele e o Governo de coligação que ele chefiava tirou o país do estado de bancarrota em que os socialistas o deixaram. Passos Coelho tem o seu estilo. Outros dirigentes têm o seu estilo. Luís Montenegro foi líder parlamentar de Passos Coelho, portanto não vamos encontrar aqui dissensões ou inimizades, antes pelo contrário. Tanto quanto sei, respeitam-se mutuamente e apreciam-se pessoalmente. Agora, Passos Coelho é Passos Coelho e Luís Montenegro é Luís Montenegro. Cada um tem direito à sua personalidade, ao seu estilo e à sua própria agenda.

Foi eurodeputado. Supomos até que possa lá regressar em 2024. Luís Montenegro já está à procura de um cabeça de lista para essas eleições?
Não sei quais são as angústias íntimas do líder do meu partido relativamente a atos eleitorais que vão ocorrer daqui a dois anos. Não sei se ele já pensou muito na matéria. Admito que já tenha refletido, mas ficaria surpreendido se ele já tivesse uma decisão. Pode ter já uma preferência, mas uma decisão não me parece razoável porque as circunstâncias políticas obrigam a ser interpretadas no contexto e no momento e, a dois anos das eleições, parece-me imprudente estar a fazer apostas definitivas.

Mas estaria disponível para aceitar esse desafio?
Não me parece que seja um desafio para mim. Há qualidades para um líder de lista. De notoriedade e de presença na sociedade portuguesa que eu modestamente acho que não preencho. Tenho a certeza que Luís Montenegro vai fazer uma boa escolha sob o ponto de vista do candidato ou da candidata.

Luís Montenegro está forçado a vencer essas eleições? Se não vencer fica com a liderança em risco?
Em política dois mais dois não é igual a quarto. E, portanto, se o PSD não ganhar as europeias continua a poder ganhar as legislativas. Agora, o grande objetivo do PSD é ganhar as Europeias, isso induz uma dinâmica própria no ciclo eleitoral, como Marques Mendes explicou aqui na Universidade de Verão. Isso não apenas dará mais força ao espaço político do PSD e mais ânimo as seus militantes, mas também induzirá uma lógica negativa na parte das hostes socialistas.

Olhando para a atualidade, Paulo Rangel disse aqui há pouco que a adesão da Ucrânia à UE é inevitável. Concorda com esta ideia?
Concordo, embora ache que ela vai ser mais lenta do que se espera. Não posso projetar nos outros a experiência que eu tive. Vamos ser claros: a UE começa com os seus países fundadores e quase metade da sua história foi só com esses países fundadores. E, depois, paulatinamente começa com pequenos alargamentos. E depois, quando éramos 15 países, se existisse Vichyssoise na altura, se eu admitia que de 15 passava para 25 e logo a seguir para 28, eu diria que não. Nunca imaginei um alargamento de supetão, que foi o que aconteceu. Quase que duplicou o número de Estados-membros. É verdade que isso aconteceu e por circunstâncias históricas. É verdade que estamos condenados a fazer mais alguns alargamentos. A Ucrânia está na primeira fila desses alargamentos, embora haja outros países que pediram antes e estão na fila de espera também. Agora não vai ser tão rápido como alguns desejariam.

Concorda então com o primeiro-ministro António Costa que disse que não se deviam criar falsas expectativas sobre a entrada para que não se criassem frustrações, que poderiam resultar num amargo de futuro.
Uma colega sua, quando o primeiro-ministro fez essa declaração, perguntou-me como é que eu interpretava isso e eu disse o seguinte: António Costa conhece bem o Conselho. Conhece muito bem o Conselho. Tem lá relações de amizade com muitas das pessoas que se sentam à volta da mesa e sabe muito bem que não há condições para a unanimidade. Porque importa recordar que as decisões de alargamento da UE são tomadas por unanimidade. Todos têm de estar de acordo. Basta que haja um que diga não para não haver decisão. Portanto, ele tem a plena consciência disso. Quando ele diz que é necessário deixar passar o seu tempo, é porque ele sabe que se o Conselho for confrontado com a questão hoje, a resposta é negativa.

Passamos agora à fase do Carne ou Peixe, em que cada tem de escolher uma de duas opções:

Preferia ter o seu telefone sob escuta controlado por Rui Rio ou por Pedro Silva Pereira?
Não tenho um smartphone porque aprendi quando era presidente da comissão de inquérito da CIA no Parlamento Europeu os riscos que é ter um smartphone. Tenho um telefone muito antigo que praticamente só faz e recebe chamadas e SMS. Com esse telefone, é pouco relevante se é um ou outro a fiscalizar§

Se fosse atendido por um mau empregado quem preferia estar acompanhado: Passos Coelho ou António José Seguro, de quem é amigo?
Talvez Pedro Passos Coelho, porque faria uma cara mais séria e era capaz de intimidar mais o empregado.

Se integrasse uma lista às Eleições Europeias, preferia que fosse encabeçada por Paulo Rangel ou por Rui Rio?
Paulo Rangel é melhor candidato do que Rui Rio.

Qual destes países colocaria no espaço Schengen Rússia ou China (pressupondo que a China tinha uma fronteira terrestre com a Europa)?
Vamos ser claros: com todos os seus problemas, a Rússia é mais próxima da Europa do que a China.