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"Há uma enorme expectativa face ao que uma cidade pode oferecer ou parece prometer. Em Lagos, na Nigéria, por exemplo, a maioria das pessoas vive em aglomerações informais"

AFP via Getty Images

"Há uma enorme expectativa face ao que uma cidade pode oferecer ou parece prometer. Em Lagos, na Nigéria, por exemplo, a maioria das pessoas vive em aglomerações informais"

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Carlos Moreno e a cidade dos 15 minutos: "Mesmo que os ricos se queixem, é nosso dever promover a mistura social"

"Direito de Cidade" é o livro do criador de conceitos tornados objetivos urbanos. Em entrevista, fala da influência do trabalho no movimentos diários e alerta: a população não vai sair das cidades.

Os números são a melhor ilustração. Em 2019, o mundo passou a ter pela primeira vez mais de 50 por cento de uma população de 7,7 milhões a viver em áreas urbanas. Na Europa, estima-se que essa percentagem ascenda aos 74,5% em 2030. Ano esse em que se prevê que 750 cidades produzirão 61% do PIB mundial. A Leste e Sul do planeta, Ásia e África, o crescimento urbano andará pelos 90%. Uma vez que as cidades consomem 78% da energia mundial e produzem 60% das emissões de CO2, a sustentabilidade do planeta passa, segundo o colombiano radicado em Paris Carlos Moreno, pela ideia de proximidade, concretizada no conceito de cidade de 15 minutos: uma cidade onde tudo esteja a uma distância máxima de um quarto de hora – do emprego à educação, dos serviços médicos às praças públicas, dos espaços verdes à atividades culturais.

Traduzido em dez línguas, o livro deste professor de urbanismo na Sorbonne, Direito à Cidade (Edições 70), acaba de ser publicado em Portugal. É uma reflexão sobre a relação entre as cidades e os seus habitantes, tendo como principais critérios o tempo, as deslocações, a qualidade de vida,  os transportes e os espaços públicos. Neste conversa com o Observador, o diretor científico e cofundador da cátedra Empreendedorismo, Território, Inovação no IAE Paris — Université Panthéon-Sorbonne, fala sobre os contínuos movimentos para o centro das cidades (que não abrandam), a influência que o trabalho tem na vida urbana e a riqueza que pode ser uma cidade que acolha diferentes culturas e estratos sociais nas mesmas áreas.

A capa da edição portuguesa de “Direito à Cidade”, de Carlos Moreno (Edições 70)

Como explica a tendência de migração para as cidades, que levou a que mais de 50% da população mundial seja urbana?
Continuar a viver num ambiente urbano é uma tendência mundial, de facto, mas talvez sobretudo em África. Hoje, na Nigéria ou na África do Sul, há muitas pessoas que preferem viver em grandes metrópoles como Lagos ou na Cidade do Cabo por causa daquilo que uma cidade representa. Há uma enorme expectativa face ao que uma cidade pode oferecer ou parece prometer. Em Lagos, por exemplo, a maioria das pessoas vive em aglomerações informais. Mas, como dizia, a atração pelas cidades é global: é a questão de ir à procura de trabalho, de tornar-se numa pessoa importante, de viver num apartamento, de ter um carro. Esta é a representação mental da atração pela cidade. No entanto, a realidade que as pessoas encontram é bem diferente, as aglomerações informais constituem a realidade da maior parte das pessoas que vivem no Sul Global. E são conuuntos habitacionais sem condições, sem planeamento, totalmente ao contrário das projeções de quem procura nas cidades uma vida com futuro.

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Não é uma contradição?
Claro que é uma contradição. E o resultado desta contradição é uma realidade em que as cidades perderam a sua verdadeira humanidade, perderam a sua qualidade de vida. Depois da COVID-19, muitas pessoas disseram que as grandes cidades iriam desaparecer, que muitas pessoas iriam mudar-se para o meio rural. O que não se verificou. A verdade é que as cidades continuam a ter imensa gente a viver dentro dos seus limites, ao mesmo tempo que perdem a humanidade e a qualidade de vida. Esta é uma das razões para ter desenvolvido o conceito de proximidade feliz, da cidade de 15 minutos. Estou totalmente convencido de que é possível recriar mais humanidade nas cidades baseada na ideia de proximidade.

"Na América do Sul, a média é de 84% de população urbana e 16% rural. É hoje impossível reduzir esta taxa. O dever dos presidentes de câmara locais, das governações regionais, e até mesmo dos governos nacionais, é criar as condições para rejuvenescer as cidades."

Diz no seu livro que as cidades em África e na Ásia são as que estão a crescer mais. E estão a desenvolver-se, muitas delas, no sentido oposto àquele que propõe.
Sim, infelizmente na Ásia e em África – e é a mesma situação na América do Sul –, muitas pessoas decidiram viver em grandes cidades e têm uma ideia de que viver numa grande cidade será uma oportunidade para serem uma pessoa importante. Eu nasci na Colômbia. Quando deixei o país, há 44 anos, tínhamos 30% da população urbana e 70% rural. Hoje, temos 30% da população rural e 70% urbana. Na América do Sul, a média é de 84% urbana e 16% rural. É hoje impossível reduzir esta taxa. O dever dos presidentes de câmara locais, das governações regionais, e até mesmo dos governos nacionais, é criar as condições para rejuvenescer as cidades. O grande desafio é humanizar os centros urbanos.

A mudança de milénio acrescentou o fator das alterações climáticas às cidades.
Sim, as cidades de hoje têm de lidar com o impacto das mudanças ambientais, com o aquecimento global, com os extremos meteorológicos. Como é que podemos mitigar o impacto das ondas de calor, das cheias? Através do uso massivo das energias fósseis, continuamos a aumentar o impacto negativo da alteração climática. Temos de encontrar formas ecológicas de reduzir drasticamente esse impacto. Mas isto não chega. Ao mesmo tempo, temos de criar condições para reduzir a pobreza. Criar mais empregos locais, para desenvolver uma economia mais vibrante. Este é o impacto da nova geografia económica de proximidade.

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Medellín, na Colômbia, e Paris, em França: duas cidades que Carlos Moreno aborda como bases de trabalho e exemplos de transformação

AFP via Getty Images

De que forma é possível cumprir tais objetivos?
O primeiro ponto a cumprir está no desenvolvimento de um impacto positivo através de mais educação, mais cultura, espaços públicos conviviais, gerar mais empatia para tomar conta dos mais frágeis, dos mais velhos e das crianças. O que cria mais igualdade social e mais democracia. Temos este aumento dos populismos, de movimentos extremistas, do racismo, e as cidades são muito impactadas por isso. Acho que será o maior desafio das grandes cidades de todo o mundo. A minha proposta de cidade de 15 minutos vai nesse sentido: desenvolver maior proximidade, mais atividades amistosas, mais cultura, mais espaços públicos, mais espaços verdes.

Falou na importância de reduzir a pobreza e que uma das soluções será criar empregos locais numa área onde se pode fazer tudo numa distância de 15 minutos. Os ricos vão querer viver na mesma zona que os pobres?
Muitas pessoas consideram-no utópico. [O filósofo alemão Arthur] Schopenhauer [1788-1860] disse que a inovação tem três passos: no primeiro, toda a gente diz que é loucura, no segundo diz que não é fazível e no terceiro – depois de começar a ter sucesso – já diz que é normal, que a tinha antecipado. A primeira vez que propus o conceito foi em 2016. Naquela altura, muita gente me dizia que era uma ideia fantástica, inovadora, mas uma utopia – ninguém conseguiria desenvolver aquele conceito. Hoje, muitos presidentes de câmara abraçaram este conceito. Temos muitas cidades no mundo a adaptá-lo em diferentes contextos. Está correta quanto às reais possibilidades de concretizar esta capacidade de trabalhar perto de casa. Mas a cidade de 15 minutos não é uma maravilha mágica. É um trajeto, um caminho, para desenvolver um plano urbano novo, um planeamento local novo.

"No coração do 7.º arrondissement, os ricos reclamam que a qualidade de vida decresceu. Mas a realidade é que a presença da mistura social é hoje não apenas uma realidade como tem desenvolvido a economia local. Existe agora um quarteirão com imensas atividades, crianças, espaços públicos."

A lógica dos empregos mudou, depois da COVID-19.
Antes da pandemia, as pessoas estavam confrangidas a dispender uma, duas ou três horas de viagem para irem trabalhar. Depois da COVID-19, a geração dos 20 aos 40 anos mudou completamente em termos de trabalho. Em França, temos, por exemplo, dois ou três dias de teletrabalho. Penso que a maior revolução que vai acontecer no nosso quotidiano será esta. Observamos a emergência de novos modos de trabalho. Não apenas os trabalhos remotos, mas também os novos hubs para trabalhar em proximidade. É já o caso de Paris. Em vez de irem trabalhar da zona Este para a Oeste, muitas empresas sediadas no Oeste, por exemplo, decidiram arrendar locais no Este, no Sul e no Norte para os seus trabalhadores. Estes apenas se deslocam à sede para reuniões que assim o exijam. Isto é o trabalho descentralizado. E é uma tendência. A primeira vez que esta forma de trabalhar foi proposta foi em 1972. Em 1972, o norte-americano Jack Nilles propôs o conceito de teletrabalho. Demorámos cinco décadas para aplicá-lo. Ele era um visionário. Para transformar o nosso estilo de vida, temos de ao mesmo tempo transformar o nosso modo de trabalho.

Referia-me à questão de os ricos estarem dispostos a viver no mesmo bairro que os pobres.
É uma questão muito boa. Não é evidente. Mas precisamos de transformar as nossas cidades, mesmo que as pessoas ricas não mudem o seu estilo de vida. É o caso de Paris. Vivo em Paris. O presidente da câmara decidiu instalar habitação social no bairro residencial mais rico da cidade, o 7.º arrondissement [morada privilegiada da classe alta de Paris desde o século XVIII e zona da cidade onde ficam, por exemplo, a Torre Eiffel, o memorial Les Invalides, o museu D’Orsay ou a Assembleia Nacional]. O edifício que albergava o Ministério da Defesa foi comprado pela autarquia e transformado em habitação social. Ficou um quarteirão de alojamentos fantástico, baseado no conceito de cidade de 15 minutos. Ficou muito bonito. Em 2023, o quarteirão recebeu o prémio de melhor desenho arquitetónico. Há habitação social, escola, serviços médicos, espaços verdes, empregos, etc. No coração do 7.º arrondissement, os ricos reclamam que a qualidade de vida decresceu. Mas a realidade é que a presença da mistura social é hoje não apenas uma realidade como tem desenvolvido a economia local. Em vez de ter os mais ricos sem atividades locais, sem economia local, tem-se agora um quarteirão com imensas atividades, crianças, espaços públicos. Mesmo que os ricos se queixem, é nosso dever promover a mistura social.

"Um dos pontos positivos do conceito da cidade de 15 minutos foi ter-se tornado num movimento global", afirma Carlos Moreno

Qual é o papel da tecnologia? Não pode tornar-se opressora?
A questão da tecnologia é diferente da da proximidade feliz. Temos hoje em mãos uma revolução tecnológica, mais recentemente a inteligência artificial. Relativamente à cidade de 15 minutos, a minha visão é clara: a tecnologia não é um elemento para controlar pessoas. A tecnologia é uma aliada para desenvolver muitos dos serviços. Permite os empregos à distância, permite os serviços médicos à distância, como é o caso das consultas. Ou, por exemplo, otimizar o consumo dos postos públicos de iluminação. Agiliza os orçamentos participativos, as votações. Precisamos de plataformas de gestão. Nesta proposta da proximidade feliz, a tecnologia não é um alvo em si, a tecnologia é uma ferramenta.

Não é boa nem má, depende dos usos que lhe são dados, é isso?
Exatamente.

Porque é que umas cidades perecem e outras reflorescem, como foi o caso da colombiana Medellín, que refere no livro?
Um dos pontos positivos do conceito da cidade de 15 minutos foi ter-se tornado num movimento global. Um pouco por todo o mundo, não tem sido apenas o Carlos Moreno a desenvolver este conceito. Ele existe na Europa Central, na Mongólia, na Coreia do Sul, no Japão, em África, na América do Sul. Temos hoje muitos presidentes de câmara e muitas organizações internacionais comprometidos na adaptação deste conceito em muitas cidades. O meu amigo Richard Florida, professor na universidade de Toronto e um dos pensadores mais proeminentes das questões urbanas da atualidade, disse que eu desenvolvi a revolução social das últimas quatro décadas.

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