Assim que chegamos à aldeia de Santa Susana, em Alcácer do Sal, somos brindados com uma imagem digna de quadro: Emília, filha de Carla e Flávio, sentada num banco à beira da estrada, junto da vizinha, à espera do pão. Se em Lisboa o tempo parece que nos escapa por entre os dedos, aqui, o ato de esperar vem carregado de uma leveza e ingenuidade capaz de entreter até uma criança. Assim que o pão chega, é pousado em cima da mesa da cozinha e as fatias são cortadas pelas mãos de Carla, acompanhadas da dose certa de manteiga. E assim se começa uma manhã, com calma.
Mas afinal, como é que uma agente de atores e um assistente de produção, no meio de uma vida caótica, chegam até aqui? Podemos começar por dizer que tudo começou com um engano, mas já lá vamos. “Isto tudo aconteceu quando a Carla estava grávida do António. A casa de Lisboa era pequena e, por isso, começámos à procura de uma casa maior, precisávamos de mais espaço”, começam por dizer. “Em 2017, nós fomos passar a passagem de ano ao pé da Ericeira, num sítio que se chamava Santa Susana, na casa de um amigo nosso que é uma segunda casa. E quando cheguei a casa, meti-me no OLX a ver o que é que existia em Santa Susana. Só que a minha pesquisa veio cair a esta Santa Susana, aqui em Alcácer. E apareceu uma casa aqui na aldeia, barata, e nós no feriado de dia 2, viemos ver. Fomos as primeiras pessoas a visitá-la e gostámos muito. Gostámos muito do sítio, a casa era simpática e era muito barato. Na altura, pedimos ao senhor para esperar até ao final do dia, mas ele não esperou. E nós ficámos danados. Mas não desistimos da aldeia. Achámos muito prático, estamos a uma hora de Lisboa, é um sítio muito desafogado, e a vinda para aqui também é um caminho que achamos muito bonito. Então começámos a vir cá muitos fins de semana. Conhecemos a Dona Maria, conhecemos a Dona Ana, começámos a tentar perceber se havia casas. E esta casa já existia no mercado, mas era muito cara”, conta-nos Carla.
Depois de uma primeira quase casa, a vida dos dois regressa às rotinas de sempre e é só no ano seguinte, em 2018, que Alcácer volta a entrar nas suas vidas. Prestes a avançar com uma segunda casa em Lisboa, o destino troca-lhes as voltas e esse negócio cai por terra. “Eu tiro sempre férias entre a semana de Natal e o Ano Novo, e quando estou sem o que fazer, tenho que arranjar alguma coisa para fazer. E lembrei-me desta casa, fui ver e esta casa estava num outro valor. Então fui ao banco informar-me se esta casa estaria em leilão e como é que o meu banco fazia na altura relativamente a retomas bancárias”, partilha Carla, explicando-nos que foi assim, fruto de um mero acaso, que conseguiram encontrar a casa onde, hoje, conversamos.
Quando a viram pela primeira vez, transformou-se na “Gruta da Moeda” – por ter pouca luz, muita humidade e demasiada cor -, mas foi por verem nela o potencial certo que rapidamente as paredes se partiram, as divisões se pintaram e a casa foi ganhando vida, aos poucos. “Contratámos um mestre-de-obras, mas muita coisa foi feita por nós. Já tínhamos muita coisa, muita tralha, em Lisboa, e esta casa acabou por servir quase como um depósito de todas as coisas das quais não nos queríamos desfazer”. É num discurso partilhado que os pormenores vão sendo contados: depois de comprada a casa, surge a pandemia e esse acaba por ser um período decisivo para que, em família, consigam desfrutar da casa e trabalhar na sua construção. “Foi uma forma bem saudável de passar a quarentena. Ninguém reparou muito. Os miúdos, ainda hoje, dizem que adoraram a pandemia porque, para eles, foi uma coisa fixe”. E é entre boas recordações que também a casa se foi fazendo. Olhando para trás, o facto de nas paredes estar assente o esforço e trabalho do casal como equipa, torna todo o processo ainda mais especial. “Há um orgulho. A casa pode não estar perfeita, mas veio de nós. Eu acho que uma casa é uma coisa que se faz. A ideia de casa chave na mão, não tem a ver connosco. Criámos cantos da casa para justificar ter uma cadeira, nenhum arquiteto pensa nisso. Porque nós já temos a cadeira, é só isso. E acho que uma casa também se constrói com estas dinâmicas e vai-se construindo. Tudo tem uma história”, são as palavras de Flávio, mas poderiam ser as de Carla.
Com uma página no Instagram onde vão partilhando detalhes sobre a casa, apresentam-se como “Los Feliz”. E porquê a escolha do nome? “É uma brincadeira, tem a ver com uma ida aos Estados Unidos. Los Feliz é um bairro, em Los Angeles, que é um bairro trendy. Nós fomos, os miúdos ainda não existiam, e quando fomos na verdade não gostámos nada. Queríamos era andar de carro. E no caminho para Las Vegas fomos a falar de nomes. E esse nome, Los Feliz, pareceu-nos assim global. Tem umas dinâmicas de que eu gostei. A Carla também gostou do nome, mas estivemos anos sem saber onde o aplicar”, explica Flávio. O que é certo é que a casa chegou e com ela a desculpa ideal para riscar o nome da lista. Afinal de contas, se há coisa que a casa trouxe a esta família, foi felicidade.
“Eu vou falar por mim”, começa Carla, continuando: “Eu sou uma pessoa que tem uma arquitetura de vida complicada. E os planos eu faço com o que vai acontecendo à minha volta. Por isso, para mim, foi um feliz acaso. Eu venho de um subúrbio de Lisboa e o campo era uma coisa que me criava um bocado de tédio, na verdade. Mas depois com a pressão do trabalho, isto tornou-se uma das melhores coisas que aconteceu. Mas foi mesmo um acaso. Nenhum de nós, durante 10 anos, disse: o que eu quero mesmo é uma casa de campo. Aqui, eu encontro um esvaziamento. Isso para mim, neste momento, é super importante. Esta solicitação constante que a cidade te provoca, tanto no telefone como nas 150 mil atividades que tens que estar sempre a fazer, eu aqui tenho os estímulos suficientes para estar quieta”.
Já para Flávio, se há coisa que a casa trouxe foi espaço, mas não só. “O que eu acho é, sendo muito prático, aqui encontramos espaço que em Lisboa, na casa anterior, não tínhamos. Portanto, a decisão desta casa acontecer foi pelo espaço, e nós aqui temos. Há também uma coisa que a vida na aldeia tem que eu, em Lisboa, ainda não consegui encontrar. Nós aqui estamos limitados ao espaço que é nosso, mas depois a aldeia também é nossa. Os miúdos não conhecem essa fronteira, não há propriamente o muro. Em Lisboa, depois de bateres a porta estás na rua. Aqui perde-se essa noção de fronteira. A Emília facilmente atravessa a estrada e vai esperar o pão, o António, desde pequeno, cruzava a estrada para ir para o jardim infantil e é isso. Aqui o espaço é maior e transcende a própria casa. Por outro lado, aqui estás muito mais ligado às coisas à tua volta”.
E se a casa trouxe coisas boas para os pais, fez ainda mais pelas crianças. Durante toda a conversa, é de pé descalço e roupa pousada na cadeira do quarto que Emília e António correm para a piscina, o seu lugar favorito no verão. “A professora da Emília disse que nota-se que ela tem vivências e eu acho que isto traz essas vivências. Eles não tinham contactos com pessoas acima dos 60, 70 anos, porque nós, em Lisboa, não os temos. E aqui isso existe. Eles, aqui, têm a Dona Maria, a vizinha, e eventualmente estão à conversa com ela. Isto é um exemplo apenas, têm mais vivências. Eu apesar de ter nascido no campo, nunca tinha pegado num sapo, por exemplo. A Emília estava com um sapo na mão quando comprámos a casa, durante a quarentena, com quatro anos. Portanto, há esse tipo de coisas. E eu acho que têm sorte”, reforça o pai.
Na hora de definirem esta casa, a expressão “é uma casa de família”, é a que salta em primeiro lugar. Ainda que o piso de cima tenha sido pensado para possíveis inquilinos, nunca passou de um aluguer a amigos de amigos de amigos. “A intenção foi, nós temos aquele espaço que como está não pode ficar, bora tentar capitalizá-lo. Afinal de contas, a casa é ao pé da comporta, fica a uma hora de Lisboa, isto pode ser tudo capitalizado. E o que fizemos foi nesse sentido. Vamos tornar bonito, confortável e explorar a paisagem, o que a casa pode dar. Ainda temos esse mindset. Porém, a partir do momento em que começámos a viver seriamente a casa com os miúdos, abandonámos um bocadinho essa ideia. Recebemos amigos, pais de amigos, malta de Barcelos, sempre de uma forma muito informal. E, na verdade, agrada-me essa coisa de plano B, ok, é para alugar, é para alugar. Neste momento, e as condições que temos, acho que para já a casa é ainda nossa”, partilham.
Se numa casa portuguesa “há sempre pão e vinho sobre a mesa”, nesta casa de família há sempre espaço para mais um. A mesa tem lugar para os amigos e o sofá espaço para que, quem quiser, fique a pernoitar. De todos os momentos que já viveram aqui, são as festas de aniversário da filha aquele que destacam. “Quando dizemos que é uma casa de família, é mesmo verdade. A festa de anos da Emília é quase como um evento e é muito bom receber pessoas nesta casa, há sempre espaço para mais um. E acho que isso é fixe. Pensar que a casa nos dá esse tipo de coisas. Na verdade, é um sonho. É aquilo que muitos lisboetas ou urbanos gostariam de ter, um exílio forte”, rematam.
Nas palavras de Carla e Flávio, aquilo que mais custa é voltar para Lisboa. É caso para dizer que o sentimos na pele. Porque na hora de regressar, a vontade era pouca. Deixámos para trás o Flávio, a Carla, a Emília e o António, mas trouxemos na mala os seus sonhos, as noites de cinema em frente à lareira, os mergulhos na piscina e a certeza de que, se um dia quiséssemos voltar, seríamos recebidos de braços abertos por toda a família. Se uma casa se faz de memórias, esta é feita, com certeza, das mais felizes.
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