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Reportagem sobre a medida Via Verde, que permite aos utentes sem médico de família marcar de véspera, pelo telefone, uma consulta e serem atendidos por elementos de uma equipa composta por médicos, enfermeiros e assistentes, no Centro de Saúde de Corroios, em Almada, 26 de janeiro de 2023. (ACOMPANHA TEXTO DO DIA 06 FEVEREIRO 2023)  ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA
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ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Centros de saúde podem ficar sem vacinas, pílulas e até pensos. Reforma das ULS atrasou concursos

Concursos para reabastecer centros de saúde foram lançados com atraso e "material está a chegar ao fim". Bastonário dos médicos critica falta de planeamento da reforma das ULS, que criou dificuldades.

Os stocks de vacinas, pílulas e até pensos podem entrar em rutura nos centros de saúde de todo o país, avisa a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar. Em causa estão as dificuldades na transferência de competências das Administrações Regionais de Saúde (que estão em fase de extinção) para as novas Unidades Locais de Saúde — e que levou a que os concursos para a compra de vários tipos de materiais (essenciais ao funcionamento dos centros de saúde) tivessem sido lançados com atraso.

O nosso receio é de que comecem a faltar alguns materiais, porque o que estava previsto era reabastecer os stocks por esta altura. Estamos na expectativa, para perceber se as coisas estão a avançar”, diz ao Observador o vice-presidente da APMGF, António Luz Pereira. Em causa, adianta o responsável, está o reabastecimento do stock de vacinas, pílulas e até pensos nos centros de saúde.

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O material está a chegar ao fim. Contamos que não venha a existir uma falta de material, mas não sabemos. Depende da capacidade das ULS para fazer a reposição nesta fase”, adianta Luz Pereira, acrescentando que na fase de transição de competências ficou delineado que haveria material para os primeiros “dois, três meses” de 2024.

“Atrasos são inadmissíveis”, diz bastonário dos médicos

O bastonário da Ordem dos Médicos diz que têm sido reportadas dificuldades, nomeadamente com a compra de materiais, mas também na contratação de recursos humanos. “Sabemos que o Código de Contratação Pública é exigente e demorado e nesta passagem isso não foi acautelado, criando atrasos inadmissíveis“, critica Carlos Cortes, em declarações ao Observador.  O risco de faltar material essencial é real e já tinha sido sublinhado, há poucos dias, pelo bastonário dos médicos. “Há áreas que ninguém está a tratar e que vão ficar sem resposta. Terão de existir medidas excecionais nos próximos dias porque vão faltar coisas à população com grande impacto”, alertou o responsável, em declarações ao Expresso.

Xavier Barreto diretor do centro de ambulatório faz o ponto de situação da atualidade da urgência do  Hospital de São João, Porto, 18 de maio de 2021. (ACOMPANHA TEXTO DE 19/05/2021) JOSÉ COELHO/LUSA

"O processo de compra atrasou", admite o presidente da associação dos administradores hospitalares

JOSÉ COELHO/LUSA

Com a reforma das Unidades Locais de Saúde, estas estruturas (que agora juntam os cuidados hospitalares e os cuidados de saúde primários) ficaram, a partir de 1 de janeiro, com a responsabilidade de proceder à abertura dos concursos públicos para a aquisição dos materiais consumíveis usados pelos centros de saúde — concursos que eram lançados nos últimos meses de cada ano pelas Administrações Regionais de Saúde (ARS), de modo a abastecer as unidades para o ano seguinte. Em 2023, as ARS não lançaram os concursos para 2024 e as ULS, numa fase de adaptação, só o começaram a fazer ao longo do primeiro trimestre deste ano.

Há concursos que acabaram por ser lançados só em janeiro e ainda não estão concluídos, o que impede que as equipas sejam dotadas do material”, revela António Luz Pereira. Um atraso que pode comprometer a resposta à população, avisam os médicos.

“Houve dificuldades na transferência de procedimentos. Os centros de saúde eram geridos pelas ARS e tinham os seus próprios contratos com as mais variadas entidades: transportes, consumíveis, limpeza, etc. Tudo isso teve que passar para os hospitais e isso não foi fácil. Nalguns casos houve uma definição tardia de que competências passavam para os hospitais (de alguma indefinição até) e noutros casos é mesmo uma dificuldade associada ao processo”, justifica o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), Xavier Barreto, acrescentando que as ULS estão agora a proceder às compras necessárias. “O processo de compra atrasou“, admite o responsável, ao Observador, ressalvando que as dificuldades estão, nesta fase, a “ser já ultrapassadas de forma progressiva”.

Falta de pessoal e circuitos de entrega dificultam compra e entrega de materiais

“Eram circuitos bem estabelecidos dentro das ARS e agora, ao passarem para as ULS, não correu com a fluidez que era desejada”, frisa António Luz Pereira. Uma das dificuldades, para além do lançamento dos concursos, tem a ver com a distribuição dos materiais. “AS ULS tiveram de criar circuitos de forma a entregar esse material. Os circuitos estavam delineados pelas ARS, e essa competência passou para as ULS, a nível de carros, motoristas, etc. Nalguns casos, não está definido”, reconhece o responsável da associação portuguesa de médicos de família.

“Enquanto os hospitais estão habituados a fazer reposição de material dentro do mesmo edifício, nos cuidados de saúde primários é necessária fazer essa reposição num espaço de muitos quilómetros. Algumas ULS têm uma área muito abrangente”, lembra o também médico de família, da USF da Prelada, no Porto.

Bastonário dos Médicos fala em dificuldades também na contratação de médicos por parte das ULS

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Outras das dificuldades que as ULS estão a enfrentar é a falta de pessoal suficiente para assegurar as competências que transitaram das ARS. “As pessoas que estavam nas ARS deviam ter transitado para as ULS e isso não aconteceu. As equipas das ULS estão altamente sobrecarregadas, nomeadamente equipas de gestão recursos humanos, compras, da hotelaria hospitalar. Nalguns casos passaram a ter o dobro do trabalho”, alerta o presidente da APAH, garantindo que o compromisso que existia era que esses profissionais fossem imediatamente alocados às ULS.

Xavier Barreto admite que, numa primeira fase, a transferência dos recursos humanos para os hospitais se pudesse ter revestido de alguma imprevisibilidade (devido à mudança de governo), mas sublinha que, agora, é importante que as equipas das ULS sejam reforçadas. “Começa a ficar claro que a reforma vai prosseguir e, portanto, essas pessoas têm de ser alocadas aos hospitais”, pede.

Fim das Administrações Regionais de Saúde aprovado em Conselho de Ministros

Na origem do problema em torno da transferência dos trabalhadores das ARS para as ULS está o facto de as Administrações Regionais de Saúde não terem sido ainda formalmente extintas. A 21 de março, o Conselho de Ministros aprovou um decreto-lei a formalizar a extinção daquelas estruturas, mas falta ainda a promulgação do diploma por parte do Presidente da República e a publicação em Diário da República.

Formação de Internos e Saúde Pública também prejudicados, alerta bastonário dos médicos

Para além das dificuldades no reabastecimento de vacinas ou pílulas (com impacto mais imediato para a população), há outras áreas que foram afetadas pela reforma das ULS. Desde logo os vínculos dos próprios profissionais de saúde. “Muitos médicos eram contratados através das ARS e têm agora de transferir os seus contratos para as ULS e têm existido dificuldades”, adianta Carlos Cortes, que fala numa “reforma não preparada e feita em cima da joelho”. “Não houve organização, foi feito um mau planeamento“, sublinha.

"Reforma [das ULS] não foi preparada e foi feita em cima da joelho"
Carlos Cortes, bastonário dos médicos

Outra problema é o da formação médica, cuja organização era uma competência das ARS. “Nada foi acautelado e estamos perante uma enorme desorganização. Há um impacto muito negativo nomeadamente nas áreas das MGF e da Saúde Pública e  a Ordem tomará posição”, frisa Carlos Cortes.

O bastonário dos Médicos critica também o que diz ser “o total esquecimento da área da saúde pública nas ULS”. “É lamentável”, sublinha, lembrando que, mais de três meses depois da criação oficial das ULS, não haja um documento escrito que defina o funcionamento das ULS nas várias áreas. “É preciso fazer uma avaliação para corrigir o que não está a correr bem nesta reforma. Para não permitirmos que se amplifiquem problemas graves, que podem tomar proporções maiores”, avisa.

SNS. Direção Executiva esvazia as ARS, vai partilhar funções com a DGS e terá poder para concentrar urgências

O novo executivo de Luís Montenegro já se comprometeu, no Programa de Governo (que foi conhecido esta quarta-feira), a rever a “planificação [das ULS] com particular destaque para as que integram hospitais universitários“. Recorde-se que Ana Paula Martins é crítica da inclusão destes hospitais (os maiores do país, como Santa Maria, São João ou São José) nas ULS, uma vez que considera que agrava o subfinanciamento daquelas unidades. Foi, aliás, por esse motivo que abandonou, em janeiro, a presidência do Conselho de Administração do Hospital de Santa Maria.

As atuais dificuldades de contratação de materiais e recursos humanos verificam-se em ULS de todo o país e não apenas nas que integram hospitais universitários.

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