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Têm milhões de seguidores, são influentes junto dos jovens e tudo graças ao YouTube, o maior site de alojamento de vídeos no mundo. Seja bem-vindo ao fenómeno “YouTuber”. Nunca ouviu falar? Então podemos facilmente presumir que não é um jovem até aos 15 anos. Da mesma forma que Calimero, Abelha Maia, Marco, Heidi, Dragon Ball ou até os Pokémon marcaram as últimas gerações, no futuro as memórias de infância serão de vedetas como “Wuant“, “D4rkFrame” ou “SirKazzio“. Em vez de andarem à procura da mãe ou terem um avozinho para cuidar, este jovens, através de vídeos que publicam regularmente no YouTube, fazem do quotidiano um reality show que é seguido maioritariamente — e religiosamente — pelos mais novos durante, depois e até durante as aulas.
Com rendimentos anuais que chegam a mais de um milhão de euros, os YouTubers portugueses são bem sucedidos no que fazem. Além do dinheiro que ganham pelo YouTube graças às incontáveis visualizações que agregam, são patrocinados por marcas que lhes pagam para terem o seu produto durante meros segundos nos vídeos que publicam. Com a plataforma a restringir cada vez mais a forma como se pode monetizar uma publicação, estes jovens recorrem a outras fontes de rendimento, como a publicação de livros e presença em eventos. No entanto, com o dinheiro também vieram as controvérsias.
Quem são estes YouTubers, porque é que vivem na mesma casa e porque é que são notícia?
Os mais famosos YouTubers em Portugal, como Paulo Borges (Wuant), António Ramos (D4rkFrame), Anthony Sousa (SirKazzio), Diogo Silva (Windoh), Miguel Monteiro (Pi, também conhecido como “Ovelha Nigga“), Ronaldo de Azevedo (Gato Galático), Nuno Moura e Dante Lopes (Dant, antigamente conhecido como “Malacueca“) vivem na mesma casa. Dissemos “vivem”? Agora já não. Para surpresa dos milhões de fãs, desde 23 de janeiro é oficial que agora há duas “Casas dos YouTubers”. E isso gerou controvérsia, levando a milhares de visualizações de vídeos dos protagonistas a explicar o sucedido.
Antes do fim do ano, SirKazzio já tinha saído “para ir viver com a namorada”. Os outros que ficaram, como acontece a tantas famílias, dividiram-se (e sem direito a fins de semana partilhados). A razão dada: “Não podíamos controlar, somos sete homens a viver numa casa, a fazer porcaria”, diz Wuant num vídeo.
O objetivo inicial, quando começaram todos a viver na mesma casa, em abril de 2017, era ficarem juntos até ao final do mês de março de 2018. Contudo, desde a semana passada, a vivenda em Alcochete ficou reduzida a quatro YouTubers: Wuant, Gato Galático, Windoh e Nuno Moura. D4rkFrame, Pi e Dant mudaram-se para uma nova moradia perto de Sintra, apelidada de “Darkolandia”, uma alusão à alcunha utilizada pelo YouTuber António Ramos (D4rkFrame). Esta “nova casa dos YouTubers” tem um lago, uma piscina interior e até mini golfe.
Ao que o Observador apurou junto de fonte próxima dos YouTubers, a razão dada por Wuant e Windoh é verdadeira (no passado, os YouTubers já pregaram partidas a fingir que estavam chateados, quando, na verdade, não estavam). Oito pessoas numa casa a filmar vídeos, que muitas vezes se baseiam em partidas uns aos outros, não era conciliável e levou a uma inevitável separação. Divórcios na casa, mas não na agência que representa as vedetas. A Be Influence, agência de comunicação portuguesa de bloggers e YouTubers, que agencia todos os que viviam na casa (menos Dant), continua a ser a representante oficial de todas estas vedetas.
Vêm aí mais casas dos YouTubers
“Trollagem” é o termo utilizado por estes YouTubers para definir uma partida (vem do inglês “troll“, termo que na Internet é utilizado como escárnio). No mundo dos YouTubers, tudo pode, no fim, ser apenas uma “brincadeira”. Desde zangas encenadas a títulos “clickbait“, estes YouTubers já enganaram o público com brincadeiras no passado.
Ao que o Observador apurou junto de representantes dos YouTubers, houve efetivamente uma separação das casas. Quanto às razões, Miguel Raposo, agente na Be Influence, que representa a maioria destes YouTubers, não prestou comentários.
Outra fonte próxima das celebridades confirmou ao Observador que estão a ser preparados novos projetos de mais casas dos YouTubers “a partir de abril”. Depois de, em Março, as três celebridades que restam na casa saírem da vivenda onde estiveram durante um ano, pode-se esperar novos vídeos em “uma ou mais novas casas”, disse a mesma fonte.
Embora garantam que continuam amigos, facto é que, apesar de os vídeo de “toda a verdade” explicarem a saída de D4rkFrame e Pi da “Casa dos Youtubers”, algumas dúvidas ficaram por esclarecer. Junto de fonte próxima dos YouTubers, o Observador confirmou que ter os sete amigos a viverem na mesma casa tornou-se “incomportável” e acabaram por se afastar, o que não seria caso novo.
Há outros YouTubers, não só em Portugal, que no passado também já se chatearam e deram origem a algumas polémicas. Jake e Logan Paul, irmãos e YouTubers entre os dez mais bem pagos no mundo inteiro, incompatibilizaram-se no ano passado e chegaram a ser filmados envolvidos em discussões. No entanto, no fim veio a saber-se que era tudo falso e apenas para angariar visualizações. Neste caso em Portugal, um programa de sucesso tornou-se em dois e os YouTubers conseguiram mais visualizações resolvendo o problema que tinham em mãos.
De videojogos a partidas
Ao juntarem-se na mesma casa em abril de 2017, os mais conhecidos YouTubers portugueses criaram uma espécie de novo reality show — que não passou na televisão mas teve tanto ou mais sucesso do que a primeira edição da Casa dos Segredos. Não acredita? Em dia recorde de estreia enquanto esteve no ar, o icónico programa da TVI conseguiu ter cerca de um milhão e 730 mil espetadores. O mais famoso destes Youtubers, Sir Kazzio, só em subscritores, tem mais de cinco milhões de contas. E visualizações? D4rkFrame, em 2017, conseguiu ter um vídeo com mais de nove milhões de visualizações (foi um dos mais vistos em Portugal nesse ano).
Se começaram a carreira com vídeos a jogarem videojogos, rapidamente o estilo de vida, aparentemente luxuoso, com carros topo de gama e a vida numa mansão, levou os YouTubers a terem mais publicações sobre o seu dia a dia. De videojogos passaram a filmar as peripécias na casa, com muitas partidas entre os vários residentes para terem o maior número de visualizações. Além disso, os típicos vídeos de reações e a experiências que têm no dia a dia, quase ao género Big Brother, passaram a ser recorrentes nos seus canais pessoais.
O público alvo são os mais jovens, de crianças a adolescentes. Fonte próxima dos YouTubers explicou ao Observador que apesar de na plataforma, tecnicamente, os jovens só poderem ter uma conta a partir dos 13 anos, e assim poderem “seguir” os YouTubers, dados internos mostram que o target principal é dos cinco aos 15 anos. É nas idades entre os 7/8 e 12/13 que têm os seguidores mais assíduos. Por isso, os conteúdos que apresentam nos canais têm temas direcionados aos gostos destas faixas etárias.
Os YouTubers portugueses transformaram-se em estrelas internacionais. Graças a este público e ao grande mercado no Brasil (um país com mais de 200 milhões de habitantes), têm um especial cuidado na dicção das palavras para serem compreendidos na maior parte dos países lusófonos. Basta ver um vídeo para perceber como falam pausadamente, abrindo as vogais e recorrendo aos pronomes como são utilizados no Brasil. No vídeo acima, o português SirKazzio tem o cuidado de dizer a hora de Lisboa e a hora de Brasília.
O mais seguido dos oito YouTubers é SirKazzio, com mais de cinco milhões de subscritores no seu canal. Perto desse valor está Gato Galático (que também tem nacionalidade brasileira), com 4,7 millhões de subscritores, e, logo a seguir, D4rkFrame com 3,5 milhões. Em quarto lugar, aparece Wuant, com 2,6 milhões de subscritores. Já Windoh tem mais de um milhão. O YouTuber Pi conta com 917 mil subscritores inscritos no seu canal, e Nuno Moura com 363 mil. Dant (Malacueca), a última adição à casa que agora sai com D4rkFrame e Pi, tem cerca de 250 mil seguidores.
Além do YouTube, são seguidos por milhares de pessoas noutras redes sociais. Aproveitam o Instagram e o Twitter para interagir com os seguidores e para partilhar grande parte do dia a dia. No Instagram, o YouTuber mais seguido também é SirKazzio (um milhão de seguidores), seguindo-se Gato Galático (754 mil seguidores), Wuant (581 mil seguidores), D4arkFrame (456 mil seguidores), Windoh (424 mil seguidores), Pi (306 mil seguidores), e Nuno Moura (214 mil seguidores).
Para muitos jovens, estes YouTubers são verdadeiros ídolos. A presença em eventos como o Lisboa Games Week obriga a que sejam acompanhados por seguranças. Histórias de fãs a partir janelas para ter contacto direto com as celebridades e gritos de protestos de multidões por deixarem filas de fãs sem um autógrafo assinado fazem parte do seu quotidiano.
São influenciadores digitais. Aquilo que usam, fazem ou vestem leva os fãs a imitá-los, o que faz com que várias empresas paguem muito dinheiro para eles utilizarem, ou consumirem, os seus produtos em pequenos segundos dos vídeos que publicam. Estes patrocínios podem render milhares de euros a estes jovens criadores de conteúdos, além da percentagem que ganham através do YouTube.
Pais, como Ana Galvão e Nuno Markl, não gostam, mas Herman José apoia
A predominância de sucesso com os mais novos tem levado a que vários pais demonstrem preocupação com a influência que os vídeos têm nos filhos. A linguagem e atos obscenos, as partidas e a falta de triagem pelo YouTube nestes conteúdos tem gerado algum debate. Uma das vozes mais influentes é Nuno Markl, que tem criticado a falta de responsabilidade social com que estes YouTubers criam conteúdos.
https://www.facebook.com/havidaemmarkl/posts/10213758723576259
Numa publicação no Facebook a 8 de janeiro deste ano, o humorista criticou um YouTuber, sem referir o nome, por incentivar as crianças a insultarem com um palavrão as mães ao serem acordadas. Nuno Markl assume ter recorrido a uma medida extrema: proibir o filho de ver mais vídeos. A publicação foi feita no seguimento da publicação de Ana Galvão, radialista e mãe do filho de Nuno Markl, a criticar o trabalho destes influenciadores pelo “preocupante que são estes tipos e ninguém fazer nada, se manifestar, e não só isso, existirem marcas que os patrocinam, à grande”.
As críticas valeram à radialista da Rádio Renascença inúmeros comentários explicitamente ofensivos de fãs destes YouTubers. Foi mais um dia de polémicas nas redes sociais que, do outro lado da barricada, teve a resposta de Miguel Raposo, o “agente dos YouTubers”, que, à Renascença, comparou a reação destes pais à polémica que houve nos anos 90 quando o humorista Herman José destruiu o estúdio da Roda da Sorte. Herman partilhou no Facebook o comentário e deixou a pergunta: “aqueles que em 1992 aos 14/15 anos exultaram com a minha destruição de cenário a tiro, serão hoje em dia os pais quarentões que se indignam quando confrontados com os filhos em contacto com a linguagem dos YouTubers? O “generation gap” será sempre inevitável? Porventura.”
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1636499256373648&set=a.100532803303642.966.100000407685968&type=3&theater
Rui e Cristina Cruz, de 43 e 44 anos (à data da Roda da Sorte tinham 18 e 19 anos) são pais de uma rapariga de 13 que é “assídua seguidora de alguns dos YouTubers da casa”. Sabem que a filha vê os vídeos, embora não os vejam com ela. “Não, ela não deixa. Às vezes tento ver o que ela está a ver, mas ela não deixa. Vê no quarto, sozinha”, comenta Cristina ao Observador. “Nós não temos tempo para ver o que ela está a ver, quando chegamos a casa temos mais que fazer, e não podemos estar sempre a vigiar os seus telemóveis”.
“Eles dizem asneiras, e influenciam os mais novos, parece que falam só por códigos”, explica Rui. Os pais de Maria conheceram a Casa dos YouTubers depois de terem visto uma reportagem na televisão. “Sei que são um grupo que se juntou para fazer vídeos, e eu lembro-me de pensar que eles é que eram espertos: ganhavam dinheiro com vídeos sem grande conteúdo enquanto os mais novos, ingénuos, os vêem”, explica Rui.
Maria não quer ser Youtuber, nem sabe de alguém, na sua escola, que o queira ser. Vê os vídeos apenas para se entreter. “Não sou influenciada, não quero ser YuTuber. Quero estudar na mesma, ir para a universidade e ter um trabalho diferente no futuro.
Sobre a forma como os mais novos de comportam, um dos YouTubers, Wuant, lamentou não “poder atender a todos os fãs”. Num vídeo, fala das consequências da fama, afirmando que o quer é “fazer vídeos”. Fonte próxima do YouTuber explicou ao Observador a diferença destes jovens em relação a outras vedetas que na juventude também alcançaram a fama. “O conteúdo é todo feito por eles”, adiantando ainda que “estão a crescer enquanto fazem o trabalho sem triagem, mesmo para eles é um mundo novo”.
Quanto ganham os YouTubers?
Nenhum dos YouTubers revela, ao certo, quanto dinheiro faz por mês com as visualizações e patrocínios. Mas há estimativas e, ao que apurou o Observador junto de fonte próxima, são “bastante realistas”. No entanto, convém perceber como é que surge o dinheiro. Ao publicar vídeos no YouTube, é possível aderir ao “Partners Program”, que permite monetizar os vídeos. A plataforma — que vive de publicidade e venda de dados de utilização de quem usa o site — para incentivar a criação de conteúdos dá aos criadores parte das receitas em publicidade com base nas visualizações. O sistema parece simples, mas tem sido “afinado” nos últimos anos, criando normas complexas.
Como antigamente a publicidade aparecia em qualquer vídeo e estes conteúdos não são triados pela plataforma, houve casos de vídeos virais controversos que levaram as marcas que queriam chegar aos consumidores pelo YouTube a não quererem estar associadas a alguns vídeos. A solução passou por criar algoritmos que recorrem a inteligência artificial e têm uma pequena ajuda de filtragem por mão humana para, ao perceber que um vídeo pode ter conteúdos que vão contra as normas da plataforma, serem “desmonetizados”. Ou seja, o vídeo fica publicado, mas o YouTube não lhe adiciona publicidade e, assim, não dá dinheiro a quem criou.
Foi assim que começaram a aparecer novas formas de financiamento, como inserção de produtos nos vídeos com menção e visualização das marcas (na televisão é uma tática antiga, com o nome de “product placement”). Com o sucesso, outras fontes de rendimento surgem através da publicação de vídeos e presença em grandes eventos (o Lisboa Games Week, que teve mais de 70 mil visitantes, é um deles). No entanto, só através do YouTube é possível ter alguma noção do máximo que podem estar a ganhar estes jovens com o trabalho que produzem.
Segundo o site Socialblade, que faz uma estimativa dos rendimentos (a tal “bastante realista”) que os YouTubers em todo o mundo têm através da publicação de vídeos e das respetivas visualizações, SirKazzio pode ter ganho, só em 2017, 401,6 mil euros. No mundo inteiro é o 530.º YouTuber mais seguido. Já Wuant, que, como SirKazzio, tem livros publicados, de acordo com o mesmo medidor poderá ter chegado aos 1,1 milhões de euros em 2017. Fonte próxima revelou que este número é próximo do resultado real.
Uns lugares abaixo, no ranking dos mais seguidos mundialmente, está o Gato Galático (Ronaldo Azevedo), no 596.º lugar. O mesmo site, pelas contas que faz dos vídeos, avança que no máximo, em dezembro, o YouTuber poderá ter auferido 134 mil euros. Já D4rkFrame estima-se que ganhe, com os vídeos que publica, até 64,5 mil euros mensais. Este YouTuber está em 908.º lugar no topo dos mais seguidos em todo o mundo. O YouTuber Nuno Moura, com menos seguidores, poderá auferir por mês com a publicação de vídeos cinco mil euros. Com ganhos semelhantes está Pi, que se estima que ganhe cerca de seis mil euros.
Convém perceber, explica fonte próxima dos YouTubers que prefere não ser citada, que estes rendimentos não se restringem a cada vídeo, mas sim a todos os conteúdos que têm no canal. “Eles podem ficar semanas sem trabalhar que, pelo que já fizeram, continuam a ter rendimentos do YouTube”.
São números que permitem perceber, só pelos ganhos que podem auferir com a publicação de vídeo (sem calcular os ganhos externos de outras fontes), qual o rendimento que o YouTube pode conceder a quem cria conteúdos para a plataforma e tem sucesso.