Ponto prévio que convém esclarecer: ao contrário do que era prática comum nestes trabalhos, onde poucas ou nenhumas pessoas tinham problemas de falar, desta feita as várias fontes que foram contactadas disseram de forma recorrente que não queriam contribuir para uma eventual crispação do ambiente antes do clássico. Chapeau. Percebendo que o âmbito do texto era o de explicar como uma claque prepara um jogo grande, lá falaram. Mas sempre fugindo a polémicas desnecessárias. “Olhamos para as notícias e percebemos que infelizmente já existem pirómanos suficientes que incendeiam o ambiente às vezes sem perceberem”, explicam-nos.
Ainda assim, aprendemos muito. Ficámos a saber, por exemplo, que as claques também seguem a preparação de um jogo à risca, com muitas horas (ou madrugadas, para sermos mais precisos) a estudarem coreografias, a pintarem telas e painéis gigantes, a fazerem distribuição de bilhetes. Que alguns, amadores no sentido da palavra que fazem tudo por carolice, se foram tornando profissionais do ofício. E que este quase “bicho papão”, tantas vezes visto somente por uma perspetiva negativa, atravessa uma espécie de terceira fase em termos históricos no país. Aliás, garantem-nos que, nos últimos cinco anos, o número de episódios de violência a uma escala considerável (ou seja, retirando arrufos, bate-bocas e agressões isoladas, que infelizmente sempre existiram) diminuiu.
“Para fazer uma analogia, isto tem algumas parecenças com o recente fenómeno dos atentados na Europa – aquilo que se escreve, e muito, é sobre os que acontecem; no entanto, passamos ao lado de todos os outros que, através da prevenção, são evitados. E que são muito, muito mais. Existem mais regras, mais comunicação e mais articulação entre todas as partes envolvidas, o que ajuda muito no controlo deste fenómeno”, diz uma fonte externa a claques.
O que são hoje as claques? Quais são os seus objetivos? Como preparam estes jogos grandes? Fomos à procura de respostas para um assunto muitas vezes tabu. E conseguimos. Algumas.
O aparecimento das claques e os tempos de carolice
Um dia, um clube português ia jogar fora um encontro das competições europeias (para o caso não é relevante o nome). Na antecâmara, uns dias antes, e através de redes sociais e internet, foi um fartote de ameaças mútuas. “Eu faço, eu aconteço, eu sou isto, tu és aquilo”. Poucos sabiam o que estava a acontecer, mas entre esses poucos estavam as autoridades nacionais e do outro país em questão. O jogo já era de alto risco, mas passou essa fasquia – temia-se que pudesse haver algo muito grave no dia do jogo. Houve uma ação concertada entre polícias, dirigentes e os líderes das claques em questão, que estavam fora desse jogo da blogosfera, para encontrar a plataforma certa de acalmia. Conseguiu-se. E o único registo que houve foi a queixa do local do estádio onde os adeptos visitantes tinham sido colocados. Podia ter sido dramático.
O episódio serve para explicar que, nos dias que correm, consegue-se quase sempre controlar o que de mal se possa passar a larga escala. No entanto, nem sempre foi assim. E se recuarmos aos primórdios das claques, nem se sonhava com isso. Os tempos mudaram, os problemas e soluções também.
A primeira claque no país nasceu em 1976 no Sporting: a Juventude Leonina, então com o forte impulso dos filhos do presidente leonino da altura, João Rocha. Ainda assim, antes disso tinha havido também em Alvalade um primeiro projeto chamado Vapores do Rego que muitos ainda recordam com nostalgia – era composto por muitos estudantes brasileiros que frequentavam cursos em Lisboa e que levavam batuques para o estádio, na tentativa de recriarem o ambiente de festa e dança que já se vivia nos principais clubes cariocas e paulistas da altura. Em 1982, é a vez do Benfica ter pela primeira vez uma claque, os Diabos Vermelhos, nascida entre um grupo que costumava ver os jogos na zona central do segundo anel do antigo Estádio da Luz; no FC Porto, a primeira experiência de claque teve o nome de Dragões Azuis, também nos anos 80.
A partir daqui, há um ponto transversal aos três ditos grandes: todos os grupos foram surgindo sempre de cisões internas. A Torcida Verde, que em tempos ainda tentou estar junta com as já existentes Juventude Leonina e Força Verde, tornou-se autónoma em 1984 e assim se mantém até hoje; os Super Dragões surgiram em 1986 de um grupo de dissidentes da Dragões Azuis, que entretanto foi extinta; os No Name Boys, que se chegaram a chamar Diabos Vermelhos do Sul, pela bancada de ocupavam na Luz, foram fundados em 1992. Mais tarde surgiriam outros grupos como o Coletivo Ultras 95 ou o Diretivo Ultras XXI, o último já de forma distinta.
A GNR, em 1978, começou a ter registo das incidências por jogo, a que se juntou mais tarde a PSP. No primeiro período, até 1983, foram registados incidentes em 71 jogos, um número que foi caindo até ao intervalo 1993-2000, altura em que voltou a subir. Ainda assim, e se existe essa remota possibilidade de “catalogar” violência, aqui as coisas eram realmente diferentes.
“Uma vez, para ajudar a claque a sair de uma cidade do Norte, tivemos de entrar no autocarro deles e tirar tudo o que fosse objetos que pudessem colocar em causa a ordem pública, porque estava rodeado pelas gentes locais”, recorda um antigo dirigente de um clube grande. E por objetos leia-se navalhas, facas, bolas de golfe, pirotecnia e afins. “Cheguei a ser engolido por uma claque quando tentei evitar uma invasão pacífica do relvado”, admite outro. As situações foram distintas, mas têm um ponto comum – tratam os elementos das claques como “os miúdos” ou “a rapaziada”. E percebe-se pelo rebobinar do filme que havia uma certa compaixão por eles.
Apesar de já haver na altura algumas tendências políticas nas principais claques portuguesas do país, fossem elas de extrema-direita ou de extrema-esquerda (visível também em artefactos como bandeiras ou camisolas que entravam no estádio, algo que hoje não acontece por proibição regulamentar), dominava uma certa ideia de carolice. E uma maior margem de “tolerância”.
Todas as direções de clubes, sem exceção, ajudavam de duas formas as claques: por um lado, com a cedência ou venda mais barata de bilhetes nos jogos fora. Exemplo: era habitual haver cedência de 100 bilhetes entre clubes numa perspetiva de reciprocidade e os mesmos eram cedidos às claques. Além disso, e apenas em algumas, havia também as ajudas a nível de alugueres de autocarros, além do apoio logístico que fosse possível. Somando-se a isso as quotas dos associados e outras possíveis ajudas externas, estava desenhada a parte das receitas. Nos gastos, colocavam-se todos os materiais de apoio e comprados para fazer a festa no estádio. Algumas claques, na década de 90, queixavam-se que apesar das ajudas ainda tinham de colocar dinheiro do bolso delas; outras, faziam imperar a máxima do “chapa ganha, chapa gasta”. Nem essa coisa do lucro próprio era discutido. Sendo que havia também muitos donativos de particulares para panos grandes ou bandeiras, quase como um “patrocínio” mas sem exibição da marca.
https://www.youtube.com/watch?v=4J6_TAIFH1A
Os jogos dos grandes nos campos mais pequenos do Norte eram muitas vezes sinónimo de altercações entre adeptos, como aconteceu em Guimarães, em Santo Tirso, em Penafiel, em Chaves ou em Paços de Ferreira. Em clássicos e dérbis, eram raros aqueles em que não existia qualquer problema. Sobretudo quando metiam viagens ao barulho: fosse em Santa Apolónia ou Campanhã, a saída da gare dos comboios era muitas vezes complicada. Mas isto porque estávamos num tempo onde não havia acompanhamento policial como hoje, onde as estações de serviço não estavam “guardadas” como agora, onde os telemóveis ainda eram calhamaços pesados e muitas vezes sem rede, onde a internet era uma modernice só para alguns.
O grande caso de violência, e que acabou por marcar o futebol português nos anos 90 depois da queda do varandim em Alvalade, acabou por ser a morte de um adepto do Sporting em 1996 na final da Taça de Portugal do Jamor. Rui Mendes foi atingido com um “very light” enviado da bancada onde estavam apoiantes do Benfica após o primeiro golo dos encarnados. Mais tarde conseguiu identificar-se o autor do disparo fatal que sobrevoou o campo de um topo ao topo, Hugo Inácio. Foi condenado a cinco anos de prisão, acabou por conseguir fugir da cadeia do Linhó, foi de novo detido em fevereiro de 2011 mais de uma década depois, cumpriu o resto da pena em falta e, no final de 2012, foi de novo detido pela polícia por ter provocado ferimentos a um polícia no Estádio da Luz após o arremesso de uma cadeira. Mas os problemas não ficavam circunscritos a adeptos: em 2000, após um jogo de hóquei em patins na Luz, o autocarro do FC Porto foi bloqueado e houve uma invasão de vários elementos à viatura. No seguimento, Filipe Santos, um dos mais consagrados hoquistas, ficou em coma e foi operado de urgência à cabeça.
Marcas registadas a ganhar peso político
No início deste século, há dois novos fenómenos a mudar a perspetiva sobre as claques: por um lado, o facto de ter começado a circular mais dinheiro gerou cisões e, em casos mais extremos, alguns confrontos de elementos do mesmo clube e claques diferentes (exemplo paradigmático disso foi o último ano do Sporting no antigo Estádio José Alvalade, onde a polícia criava cordões de segurança entre Juventude Leonina e o recente Diretivo Ultra XXI); por outro, uma maior proximidade entre rivais no que diz respeito à intervenção da polícia, vista por todos como algo com muitos excessos à mistura e que teria o condão de acicatar ainda mais os ânimos.
As maiores claques iam perdendo os traços de carolice. Eram marcas registadas, que da mesma forma que tinham de prestar contas ao final do ano, também conseguiam movimentar e receber mais dinheiro. Ainda assim, e quase em contraponto, mostravam-se cada vez mais abertas ao domínio público: davam entrevistas, participavam em programas, debatiam os problemas, atiravam umas soluções. Fosse em reportagens individuais, fosse em tertúlias com as restantes partes que estavam envolvidas no fenómeno do desporto. E ganhavam outro peso em termos “sociais”. Um exemplo: a manifestação em frente à Câmara Municipal do Porto na altura da polémica em torno do Plano de Pormenor das Antas; outro exemplo: no dia em que Pinto da Costa foi ao Tribunal de Gondomar depor no âmbito do processo Apito Dourado.
As claques tinham vindo para ficar. Mas, ao mesmo tempo que vinha a exposição, vinham as dúvidas. Até hoje.
https://www.youtube.com/watch?v=WXg_1sVWxVI
A construção dos novos estádios para o Campeonato da Europa de 2004 e as valências entretanto aprendidas a nível daquilo a que se designa de spotters alteraram um pouco os maiores focos de conflito e as próprias abordagens preventivas. No entanto, a época de 2007/08 foi tenebrosa no que respeita a violência entre claques. Aliás, nos primeiros meses de 2008, raras foram as semanas em que não houve feridos de rixas entre elementos das claques do Benfica e do Sporting. E muitas, por razões de segurança, foram “abafadas” do domínio público para evitar que houvesse uma onda de retaliações com efeito de bola de neve. Pelo menos dois adeptos deram entrada no hospital após serem esfaqueados, mas foram muito mais as incidências num período onde já se começava a falar dos Casuals, ou Casuais, que não estariam identificados pelo Conselho Nacional contra a Violência no Desporto e combinariam encontros.
A coincidência de jogos ao fim-de-semana e durante a semana, em virtude da participação das duas equipas na Liga Europa, propiciou um escalar de violência que deixou todos em alerta. Mais tarde, em junho de 2008, um autocarro que transportava adeptos do FC Porto para uma partida no Pavilhão da Luz foi incendiado, ficando totalmente destruído. Chegava-se a um limite.
Em 2008 é anunciada a primeira grande operação contra uma claque, neste caso os No Name Boys. E curiosamente num domingo: 37 elementos da claque foram detidos no âmbito de uma operação denominada “Fair Play”, suspeitos de agressões, roubos, tráfico de armas de fogo e de estupefacientes e incêndios. Foram ainda apreendidas armas, droga (haxixe, cocaína, ecstasy e liamba), soqueiras, tacos de basebol, carros e material pirotécnico. Mas mais do que todos esses crimes, havia algo que continuava a inquietar as forças policiais: as informações detalhadas sobre os líderes da Juventude Leonina, claque rival de Lisboa, com moradas, fotos e familiares.
Nessa fase também arrancava o processo de legalização de claques, que conseguiu juntar as principais organizações do país… à exceção das que estavam ligadas ao Benfica. O processo foi conduzido pelo Conselho Nacional Contra a Violência do Desporto e, quando surgiu, motivou grande interesse junto da opinião pública. Até porque, pela primeira vez, os prevaricadores que estivessem envolvidos nos incidentes seriam julgados por leis específicas. No entanto, também não demorou a perceber-se que muitos dos elementos mais “perigosos”, mesmo fazendo parte das claques, não colocaram o seu nome como sócios, evitando fornecer os seus elementos.
A operação “Fair Play”, que acabaria por condenar 13 elementos dos No Name Boys a prisão efetiva (16 ficaram com pena suspensa e oito foram absolvidos), teve o condão de fazer um fiel retrato de tudo o que se comentava nos bastidores, mas ninguém conseguira provar – foram confirmados as práticas de associação criminosa, tráfico de droga e posse de armas. Mas no caso particular do Benfica levantou uma outra questão: de acordo com um relatório da PSP ,na altura citado pelo Correio da Manhã, a direção dos encarnados daria apoio e cobertura às claques, mesmo não sendo legalizadas. O clube desmentiu e processou o jornal.
A influência de subgrupos como os casuais
Em 2010 voltámos a ter uma escalada de episódios de violência, como os graves confrontos que se registaram no Algarve na final da Taça da Liga entre FC Porto e Benfica, e em Alvalade, num encontro da Liga Europa entre Sporting e Atletico de Madrid. Ainda assim, daí para cá, as coisas mudaram. E exceção feita a casos pontuais e alguns jogos europeus com equipas de países onde o fenómeno do hooliganismo está mais enraizado (Polónia ou Rússia), houve apenas um caso de incidentes a grande escala: a descida dos casuais adeptos do Sporting na alameda do Dragão. Além, claro está, do incêndio ateado nas bancadas da Luz em 2011 após um dérbi (sendo que aí não houve violência mas sim um ato de vandalismo poderia ter sido mais grave) e do maior incidente entre as claques leoninas e a polícia na bancada (algo que não mais se verificou).
Estávamos em outubro de 2013 quando, no seguimento de um mês quase inteiro de polémica entre dirigentes, com Bruno de Carvalho e Pinto da Costa à cabeça, os leões foram jogar ao Porto. Na época anterior já tinha havido alguns episódios soltos em cafés nas redondezas do Dragão, mas foram considerados atos isolados; nessa temporada, estava montado o circo. A polícia estava preparada para esse ambiente infernal, foi controlando os adeptos referenciados e montou um amplo dispositivo de segurança para assegurar que nada de anormal se passava. No entanto, falhou num ponto: relativizou algumas conversas intercetadas entre elementos que, mesmo vendo o jogo na área das claques, não fazem parte diretamente de nenhuma. São os tais casuals, ou casuais, que ensombraram o futebol europeu nos anos 80 e 90 sobretudo em dois países: Inglaterra e Itália (país que continua a ser a principal referência nacional de claques).
Assim, um grupo de adeptos alegadamente do Sporting composto por mais de 100 indivíduos desceu a alameda do Dragão em grupo até encaminhar-se para a zona de acesso ao estádio. Foi vivido um clima de terror autêntico, potenciado pelo fator que hoje em dia faz toda a diferença – o direto na televisão. No seguimento dos violentos confrontos, mais de uma centena de pessoas foi detida e/ou identificada. O caso nem chegou a tribunal – os arguidos pagaram uma multa de 250 euros a instituições de solidariedade. Mas sabiam que corriam o sério risco de ter de cumprir pena efetiva em caso de reincidência. Que não voltou a acontecer.
Este fenómeno foi altamente falado durante muitas semanas. E muita coisa foi escrita, grande parte a carecer de veracidade ou a tomar a exceção como regra, como por exemplo aconteceu a nível da indumentária “obrigatória” desses elementos. Factos cruzados e confirmados pelas autoridades – existiam de facto indivíduos conotados com a extrema direita, mas não se pode fazer uma generalização a todos por esse indicativo; quase todos vestiam de negro, mas aqui o relevante é a completa descaracterização dos clubes; e, nesse caso em particular, houve uma tentativa de marcar uma posição (não da melhor forma) contra o alegado domínio portista e uma suposta conivência com as autoridades. “Nada correu como previsto, porque a ideia era fazer aquela descida, chegar à porta de entrada e seguir para o estádio. Mas houve uma série de episódios, como o arremesso de pedras ou os danos na banca dos Super Dragões, que levaram ao que aconteceu. As pessoas não percebem, mas entre claques ficou como a única vez em que um grupo conseguiu furar um esquema de segurança e afirmar-se em terreno rival”, diz-nos um dos intervenientes.
Os três principais clubes têm grupos casuais identificados e já tentaram mais vezes repetir um episódio destes. A esta dimensão, nunca mais conseguiram. E existe um controlo quase total se algo do género estiver preparado – “por exemplo, um grupo com mais de 100 pessoas estacionar os carros e andar mais de um quilómetro em grupo, todos juntos, sem cânticos e ir para os arredores de um recinto desportivo sem haver informação pronta disso para posterior interceção pelas autoridades, como aconteceu nesse dia, é hoje muito difícil de acontecer”, explica uma fonte conhecedora do fenómeno. “Muito difícil, não impossível”.
Se é assim com os grupos à parte das claques, também o é no que toca aos grupos organizados de adeptos. Estejam legalizados ou não. “A introdução dos Oficiais de Ligação aos Adeptos veio mudar muita coisa, sendo quiçá o pivô que fazia falta para articular todos os eixos. Existe mais comunicação e mais eficiência nessa troca de informações. E até posso acrescentar outro dado – as claques estão quase sempre ligadas a esses episódios de violência, mas a verdade é que existem muitos casos onde o complicado é controlar os outros adeptos. O futebol é um jogo de emoções e às vezes existem atitudes irracionais de pessoas ditas normais. Temos hoje quase 20 claques legalizadas, mas os grupos identificados são quase 100”, argumenta uma outra fonte que está por dentro de todo o trabalho que tem vindo a ser feito.
Como se prepara um jogo grande?
Tentemos explicar um pouco o porquê de tanta “confiança” no que se faz a nível de prevenção e controlo por parte das autoridades. E utilizemos a claque dos Super Dragões e a deslocação desta sábado ao Estádio da Luz.
https://www.youtube.com/watch?v=WjdBBNO0d6I
Primeiro ponto: durante a semana, tudo o que foi notícia do domínio público ou rumores e ameaças nos blogues e nos fóruns foi identificado, e analisado, no sentido de perceber-se a dimensão das ameaças. Depois, os autocarros dos adeptos azuis e brancos serão acompanhados por aquilo que se denomina de spotters – e aqui uma nota para explicar que muitos deles já conhecem e bem os principais elementos e líderes das claques, tendo em alguns casos boas relações, de confiança, o que também ajuda no trabalho – e terão desde logo definidas as áreas de serviço e as zonas das mesmas onde poderão parar (o que não invalida que exista policiamento em todas as estações de serviço da A1, como é habitual).
À chegada a Lisboa, há uma área reservada para o estacionamento de todas as viaturas e daí parte o cortejo com caixa de segurança da polícia até ao Estádio da Luz. Todo o percurso é antes “limpo”, por forma a evitar encontros ou cruzamentos com adeptos contrários. Chega-se então à parte da revista, mais minuciosa neste tipo de encontros, antes de entrar no recinto. E tudo volta a ser repetido, desde a saída do estádio (30 a 45 minutos depois do final da partida) até à chegada ao ponto de encontro no Porto.
Parece fácil, quase matemático, mas não é. Existe muito trabalho prévio. Muitas reuniões. Muito fluxo de informação. Neste caso, também envolvendo o Benfica, organizador de jogo. Mas Portugal beneficia de uma série de grupos que funcionam bem a este nível de prevenção, ao contrário do que algumas vezes se possa fazer crer. Exemplos: a Unidade Metropolitana de Informação Desportiva ou o Ponto Nacional de Informações de Futebol. “Isso não quer dizer que não existam falhas. Não temos muitos adeptos proibidos de entrar em recintos desportivos, em comparação com o que acontece em Espanha, mas existe um problema comum – ou esses elementos se apresentam numa esquadra à hora do jogo ou podem mesmo entrar no estádio, porque é impossível detetar meia dúzia de indivíduos em jogos com assistências de 50 mil pessoas”, salientam. Em relação à PSP, a experiência é um posto. E são gastas horas a fio na preparação do encontro, por forma a que todas as eventuais situações que possam surgir estejam devidamente acauteladas.
Para isso são também importantes os Oficiais de Ligação aos Adeptos (OLA), figuras indicadas pelos clubes (que têm de ser “aprovadas” pelas autoridades, acrescente-se, porque já se deu o caso de uma situação onde não houve acordo em relação a um nome proposto por um “grande”) e que servem de elo de ligação para salvaguardar a ordem pública e a segurança dos adeptos. Aqui, segundo nos contam, as relações são completamente alheias de “clubites”. “Ainda um dia estava a falar com um OLA que me dizia com piada que parece ser uma das poucas coisas, senão a única, onde clubes rivais conseguem sentar-se a uma mesa e falar de uma forma aberta. Posso mesmo dizer que têm uma boa relação entre eles”, garante uma fonte. Até porque, se falhar alguma coisa a nível de controlo preventivo, os OLA podem ajudar a remediar.
A parte da festa, essa, demora também horas a fio a ser pensada. Devido às limitações normais de entrada de material para as claques visitantes em jogos grandes, não se aplicam à conceção de coreografias especiais ou panos gigantes como as equipas da casa com claques legalizadas costumam erguer, mas existe toda a parte logística e de bilhética para tratar. E colocamos aqui esta ideia das claques legalizadas junto do Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ) porque foi o principal foco de críticas na passada semana.
Quem são os líderes e quais as diferenças entre claques
Fernando Madureira é há muitos anos identificado como líder da claque Super Dragões. Muito se fala sobre ele, desde a ligação ao FC Porto, ao clube que representa como jogador, o Canelas 2010 (muitos clubes dos Distritais da AF Porto recusaram-se a defrontar a equipa por entenderem que não existem condições de segurança para tal), mas a verdade é que nunca foi acusado de nada em tribunal e teve apenas de pagar uma multa de 250 euros para não ir a julgamento no dia dos confrontos entre adeptos do FC Porto e do Sporting no Dragão, em 2013.
De acordo com uma reportagem recentemente apresentada pela CMTV, os rendimentos de Madureira não explicam o estilo de vida, nomeadamente a vivenda de luxo em Canidelo e a compra de dois Porsches há uns anos, mas segundo o canal o líder da claque azul e branca tem um restaurante, um hostel e um bar na zona da Ribeira. Em 2016, tirou um mestrado em Gestão do Desporto no ISMAI com 17 valores. No entanto, nem tudo são rosas e os Super Dragões têm estado em destaque pelas piores razões, pelo envolvimento de alguns alegados membros em processos judiciais. Bruno Mendes, apanhado na operação Jogo Duplo esta semana, foi o último exemplo, mas já tinham existido outros casos no Noite Branca e na recente operação Fénix. “Ligar as atividades dessas pessoas à claque pode ser um exercício desenquadrado e até injusto. Se calhar às vezes dá é jeito que seja assim”, refere uma fonte não ligada ao FC Porto.
Também a Juventude Leonina, principal dos quatro grupos organizados de adeptos do Sporting (todos legalizados, tal como acontece com as claques portistas, Super Dragões e Coletivo Ultras 95), tem um líder publicamente reconhecido: Nuno Mendes, mais conhecido por Mustafá. Em 2015, chegou a estar preso preventivamente num processo que envolvia também Paulo Pereira Cristóvão, antigo inspetor da PJ e vice-presidente dos leões, por associação criminosa, roubo e sequestro, entre outros, num julgamento que, de acordo com as últimas informações, deve ser anulado. Nessa fase muito se passou na claque, incluindo uma tentativa de “golpe de estado”. “Musta” abordou publicamente o sucedido via Facebook, apontou o dedo a uma franja de elementos ligados à extrema direita e aos casuais, mas fez também questão de destacar que o problema que teve nunca esteve relacionado com a claque, apenas com a sua vida pessoal. Segundo nos contaram, até serralheiros houve nessa noite. No plural. Um para colocar uma fechadura nova nas instalações, outro para retirar a nova e colocar a anterior.
Apesar de FC Porto e Sporting estarem de relações institucionais cortadas, Super Dragões e Juventude Leonina têm uma ligação “normal”. Cada clube tem um protocolo com as claques, sendo no caso dos azuis e brancos mais virado para os jogos fora (com apoio logístico também nas deslocações) e no caso dos verde e brancos mais adaptado para os encontros em casa. “Quando a direção de Bruno de Carvalho entrou, a questão dos grupos organizados de adeptos mereceu um grande enfoque: primeiro, com semanas de reuniões com os líderes de claque, conseguimos que as quatro claques se juntassem no topo Sul; depois, conseguimos estabelecer bases de entendimento para acabar de vez com eventuais problemas entre grupos, que existiam; por fim, e no âmbito do protocolo que foi feito entre claque e grupos, que até diminuiu um pouco o que era dado, baixámos no primeiro ano o valor das multas pagas por pirotécnica e outros problemas nos jogos de 500 mil para 40 mil euros”, diz-nos uma fonte do Sporting conhecedora do processo. Essa ligação vai ao ponto de figuras máximas de ambos os clubes terem estado juntas na claque de Portugal que esteve na Luz a apoiar Portugal no encontro frente à Hungria. E estão em sintonia num outro ponto – o ataque à principal claque do Benfica, os No Name Boys.
“A claque de Portugal não é oficial, mas está a trabalhar-se nesse sentido. Já foram apresentadas propostas à Federação e estamos a seguir os trâmites legais para a legalização da claque como aconteceu com os Super Dragões e a Juve Leo, ao contrário do Benfica, que não tem claques legalizadas ou não as quer legalizar ou não consegue. Não contamos com apoio da Federação, apenas tivemos isso na parte logística durante o Europeu para nos venderem bilhetes para um determinado local do estádio e ficarmos todos juntos. Não há apoio financeiro nem carrinhas da Europcar como o Benfica dá às suas claques. Se os jornalistas quiserem investigar, vejam os registos da Europcar quando o Benfica joga fora e vejam quem paga as carrinhas em que os No Name Boys e os Diabos Vermelhos, que são claques ilegais, se deslocam. E quem lhes dá os bilhetes e como é feita a distribuição”, comentou Fernando Madureira no Fórum da TSF no início da semana.
“As claques em Portugal estão legalizadas, à exceção de algumas que todos sabem quem são e que continuam, a meu ver, com apoios mais fortes do que as que são legalizadas. Continuam, se calhar, com transportes à borla, com bilhetes mais baratos… Deveríamos averiguar o que se passa”, acrescentou Daniel Samico, vice-presidente da Juventude Leonina, à SIC.
Confrontada com estas acusações, fonte oficial do Benfica negou qualquer tipo de ligação entre o clube e as suas claques. “O Benfica não reconhece qualquer claque nem organização do género. Nem consideramos que a legalização seja a solução para o que quer que seja, como se tem visto. Entendemos que todos os sócios são iguais. Agora, não controlamos os grupos de adeptos que, de forma livre, se organizam para comprarem bilhetes para setores do estádio todos juntos. É isso que fazem: vêm para as bilheteiras, compram ingressos para a mesma zona, mas isso não tem a ver com o clube. Esses grupos são livres para se juntarem e apoiarem a equipa, que é o mais importante, mas não respondem pelo clube. O Benfica não quer legitimar organizações paralelas”, explicou, sem esquecer o que se passou no jogo com a Hungria.
Em termos públicos, pouco se sabe por exemplo em relação aos No Name Boys. Nem gostam de dar a cara, de aparecer. Sabe-se, ainda assim, que houve confrontos entre elementos da claque em alguns jogos nas duas últimas épocas – situação que hoje parece estar serenada – porque uns queriam a legalização para acabar com as “nuvens” que se criam no exterior e outros recusam a ideia para preservar a vida pessoal e profissional dos seus membros. Perante a recusa oficial do Benfica em qualquer tipo de ajuda às claques, a sua forma de financiamento é uma incógnita; no caso de FC Porto e Sporting, além do apoio logístico (através da cedência de instalações), há também a questão dos bilhetes. A evolução dos grupos organizados enquanto marcas e negócios também fez disparar as receitas advindas do merchandising.
“Fala-se muito das coisas más das claques, mas quando fazem um boicote e não comparecem ou estão em silêncio as pessoas queixam-se, os jogadores queixam-se. Dizem que futebol não é aquilo”, remata uma fonte ligada à organização de jogos, que teve também conhecimento de várias ações sociais organizadas pelas claques junto da comunidade. O mundo das claques não é perfeito, longe disso, mas também porque se tende a potenciar o que há de mal e a não valorizar o bom que também fazem. Que é muito. E hoje, com a evolução dos tempos, os incidentes registados são menos do que no passado e com uma dimensão drasticamente menor. Por três fatores: sensibilização dos clubes junto dos grupos organizados de adeptos; mais e melhor formação dos spotters que acompanham o fenómeno; e a legalização de claques. É por isso que, segundo apurou o Observador, deverá entrar em breve pelo menos uma queixa junto da Liga e do Instituto Português do Desporto e da Juventude em relação às claques do Benfica, que continuam a não ser legalizadas, algo que pode ser punido à luz da regulamentação vigente.