Alexandra Reis saiu da TAP no final de fevereiro de 2022 e tomou posse como presidente da NAV a 1 de julho do mesmo ano. Há cinco meses de distância e, pelo meio, o Governo mudou, embora ficando sob a mesma liderança. António Costa ganhou as eleições legislativas de janeiro desse ano e o seu Governo tomou posse a 30 de março. Pedro Nuno Santos manteve-se ministro das Infraestruturas, com Hugo Mendes como seu secretário de Estado. No Terreiro do Paço, as Finanças passavam de João Leão para Fernando Medina.
E é já com a assinatura de Medina que o despacho de nomeação de Alexandra Reis para a NAV é feito. Fernando Medina furtou-se, na conferência de imprensa de divulgação das conclusões da auditoria da Inspeção-Geral das Finanças (IGF), a falar de consequências por esta nomeação para a NAV, reforçando que a análise e a ilegalidade detetada foi anterior a essa decisão.
Como Medina tenta desviar a sua rota de uma colisão, em cinco pontos
A própria IGF assume, no relatório tornado público, que, “considerando o teor da solicitação efetuada à IGF e o caráter de urgência que a mesma revestiu, a análise ora efetuada circunscreveu-se apenas ao processo de cessação de funções da engenheira Alexandra Reis, não incluindo a apreciação de outras situações de cessação de funções de administradores que tenham ocorrido no grupo TAP e/ou outros aspetos relativos a processos de designação e/ou exercício de funções dos mesmos”.
Ainda assim, apesar deste alerta, a IGF foi colocando questões aos vários intervenientes ouvidos ou inquiridos sobre o processo de nomeação de Alexandra Reis para a NAV, e até foram pedidos esclarecimentos junto da empresa pública. “A pedido da IGF, os atuais Gabinetes dos Ministros das Finanças e das Infraestruturas, bem como a Direção-Geral do Tesouro e Finanças enviaram diversa informação relativa ao procedimento de designação da engenheira Alexandra Reis para o Conselho de Administração da NAV, na qual não é feita qualquer referência à cessação de funções na TAP”.
E é com base nesta informação que ficamos a saber que Alexandra Reis foi sondada para a NAV, mesmo antes da tomada de posse do XXIII Governo. É pela audição à gestora que se fica a saber que a nomeação para a NAV começou com “um convite do então secretário de Estado das Infraestruturas [Hugo Mendes], informal e preliminar a 22 de março, e formalizado no início de abril, após a tomada de posse do Governo”. Ou seja, o convite inicial e informal foi anterior à tomada de posse do Governo e até mesmo à divulgação da lista dos governantes para o novo executivo. António Costa divulgou o seu elenco governativo a 23 de março. Só a formalização do convite a Alexandra Reis foi posterior.
Pedro Nuno Santos, também no âmbito da auditoria pela IGF, dissocia, em esclarecimentos escritos, a saída de Alexandra Reis da TAP e a entrada na NAV dizendo serem “momentos completamente independentes”. “Não há nenhuma relação de causalidade entre os dois. Aliás, não podia ter sido de outra forma uma vez que aconteceram em governos distintos e não havia, à data, nenhuma garantia de que eu continuasse com as mesmas funções”. No entanto, Alexandra Reis diz que a abordagem por parte de Hugo Mendes foi mesmo anterior à tomada de posse.
O ex-secretário de Estado, ouvido pela IGF, corrobora o “seu” ministro, dizendo que não havia qualquer relação entre a nomeação para a NAV e a saída da TAP. Mas admite que “quando a senhora engenheira Alexandra Reis saiu do grupo TAP, ficando disponível no mercado, tornou-se interessante para resolver o problema da NAV, que exigia um perfil de competências muito específicas, relevando a sua experiência em gestão e o conhecimento do setor da aviação”. E garante que o “processo de substituição do presidente do conselho de administração da NAV só foi iniciado após a tomada de posse do novo Governo“.
Foi, assim, o seu gabinete que desenvolveu “diligências junto da Cresap”, um processo “decidido conjuntamente com o senhor ministro das Infraestruturas e da Habitação“, mas, acrescenta, que “não foi articulado com o Ministério das Finanças, entendendo que tal não era necessário“. Hugo Mendes acrescenta, ainda, um outro dado: o Ministério das Finanças sabia informalmente da situação.
É isso que diz o ex-secretário de Estado: o processo de substituição do presidente da NAV “não foi articulado com o Ministério das Finanças, entendendo que tal não era necessário, muito embora houvesse conhecimento informal da situação por parte dessa área governativa“.
Nem o atual ministro das Finanças, Fernando Medina, nem qualquer um dos seus secretários de Estado, foi ouvido pela IGF.
Pedro Nuno Santos acrescenta mais um dado a esta nomeação: “O processo e proposta de designação da eng. Alexandra Reis para a NAV junto da Cresap foi instruído pela secretaria de Estado das Infraestruturas“. Foi só, posteriormente, articulado com as Finanças a elaboração do despacho de nomeação. Segundo o ex-ministro das Infraestruturas, “a articulação com o Ministério das Finanças, com vista ao despacho conjunto de nomeação, foi feita através dos chefes de gabinete das duas áreas governativas”. Maria Antónia Araújo era a chefe de gabinete de Pedro Nuno Santos. Carlos Almeida Domingues é chefe de gabinete de Medina desde que foi a tomada de posse em março.
A Cresap emitiu um parecer de adequado à designação para Alexandra Reis na NAV. Pedro Nuno Santos aproveita os esclarecimentos feitos à IGF para elogiar a gestora, assumindo ter autorizado o início do processo que conduziu à sua saída da TAP.
Os elogios de Pedro Nuno Santos
“Embora a tutela setorial tenha anuído ao pedido da CEO da TAP, a engenheira Alexandra Reis não saiu da TAP por iniciativa ou impulso do Ministério das Infraestruturas e Habitação, uma vez que a sua relação com a tutela setorial era boa e sempre valorizámos o seu trabalho. Recordo que lidei com a eng. Alexandra Reis na comissão executiva da TAP desde o início da elaboração do plano de reestruturação, desde o último trimestre do ano de 2020, ainda antes de Christine Ourmières-Widener assumir funções de CEO na TAP. A minha opinião sobre a competência da eng. Alexandra Reis foi sempre positiva, enquanto gestora competente, experiente e qualificada”, diz o ex-ministro, tendo o convite para a NAV acontecido “porque a liderança da empresa estava vaga desde 31 de agosto de 2021, e porque a NAV precisava de alguém com competência reconhecida em gestão e com experiência e conhecimento do setor da aviação, perfil ajustado à eng. Alexandra Reis para o desempenho do cargo”.
Já se sabendo que o convite partiu do secretário de Estado das Infraestruturas em articulação com Pedro Nuno Santos, Alexandra Reis diz que depois da formalização do convite no início de abril de 2022, e, “após ponderação, decidiu aceitar”. Mas, assegura, “não tendo tido qualquer contacto com o ministro nem com qualquer membro do Governo da área das finanças”. E sublinhou ainda à IGF que “não houve qualquer alusão a este convite no âmbito do processo de cessação de funções da TAP”, que, aliás, terá acontecido, segundo contaram os protagonistas à IGF, em janeiro e fevereiro. Alexandra Reis diz que houve uma um convite informal e preliminar a 22 de março para ir para a NAV, mas nunca é concretizada a data exata desse acontecimento.
A TAP, por outro lado, garante não teve informação sobre a ida de Alexandra Reis para a NAV. “A TAP não teve qualquer interferência na nomeação da senhora eng. Alexandra Reis para os cargos que esta veio a exercer posteriormente à cessação das suas funções, nem tido conhecimento no momento da cessação que tal poderia vir a ocorrer”, disse a transportadora à IGF.
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NAV nada disse sobre restituição da indemnização
E Alexandra Reis que, em sede de contraditório (que foi enviado à IGF pelo seu novo escritório de advogados, Miranda & Associados) reconheceu que terá de “restituir a remuneração recebida enquanto desempenhou funções de presidente do conselho de administração da NAV e funções de secretária de Estado do Tesouro”, tinha dito, quando foi ouvida pela IGF (antes do relatório preliminar) que solicitou aos consultores jurídicos da NAV “a documentação necessária para as comunicações a efetuar ao Tribunal Constitucional, não tendo sido alertada para nenhuma questão sobre a eventual redução do montante da indemnização recebida da TAP”.
Alexandra Reis fez questão de acrescentar que os consultores jurídicos da NAV foram “selecionados pela empresa na sequência de concurso decorrido antes da sua entrada”. Era, no entanto, a SRS Advogados, “o mesmo interlocutor que tratou do processo de saída da TAP, em representação desta”.
Disse ainda que “em julho de 2022” “comunicou à TAP a sua nomeação para a NAV, tendo, nessa sequência, sido suspensos os benefícios relativos a seguros e viatura, não tendo também a TAP alertado sobre alguma questão relacionada com a eventual redução da indemnização”. A viatura foi, segundo a auditoria da IGF, devolvida em setembro. Pedro Nuno Santos acrescentou, no âmbito desta auditoria, que cabe aos gestores o processo de devolver a indemnização, e que não tinha, enquanto ministro, responsabilidade sobre essa decisão.
A IGF acaba por olhar para a entrada de Alexandra Reis na NAV apenas pelo lado do valor que teria de devolver, dinheiro recebido por ter permanecido na esfera pública. Foi assumido na auditoria que o Ministério das Finanças não foi parte inicial na sua contratação para a NAV, ainda que o exercício da função acionista nas empresas públicas do setor empresarial do Estado, realça a IGF, cabe às Finanças, que tem a faculdade de delegar e em articulação com a tutela setorial.