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Dois passageiros do navio Diamond Princess envergando máscaras, nas varandas dos seus quartos
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Dois passageiros do navio Diamond Princess envergando máscaras, nas varandas dos seus quartos

Alessandro Di Ciommo/NurPhoto via Getty Images

Dois passageiros do navio Diamond Princess envergando máscaras, nas varandas dos seus quartos

Alessandro Di Ciommo/NurPhoto via Getty Images

Como se resiste e sobrevive num navio em quarentena? O retrato de um cruzeiro infetado pelo novo coronavírus

É um "navio-fantasma", diz Adriano Maranhão. É “como estar numa prisão com uma televisão, uma hora de luz natural e ar puro a cada dois dias”, escreveu um dos passageiros em quarentena.

Era suposto ser um cruzeiro tranquilo, férias a solo ou (para a maioria) em família, sem percalços de maior. Não foi: tornou-se polo do maior surto de COVID-19, o novo coronavírus, fora da China e de Itália, com três mortes, quase 700 casos de infeção — incluindo o de um português, Adriano Maranhão —, e de quarentena que se mantém apenas para parte da tripulação do navio Diamond Princess, já tendo sido retirados os passageiros. É “um navio-fantasma”, como definiu o próprio Adriano Maranhão ao Observador. Quem está infetado está confinado ao quarto para não contagiar outras pessoas. Os restantes também não circulam muito, com medo de ficarem infetados.

A situação do português que está isolado no Diamond Princess é igual à de muitos outros passageiros já infetados, que são obrigados a manterem-se em isolamento, sem qualquer contacto sequer com outros dos passageiros. “Sinto-me um parasita”, desabafou Adriano Maranhão à CMTV. “Sinto-me de mãos e pés atados, não consigo fazer nada dentro de uma cabine.” O português da Nazaré é um dos casos de cidadãos de vários países que, desesperados, estão impedidos sequer de ir apanhar ar. Finalmente recebeu a confirmação de que irá ser transportado para um hospital na manhã de terça-feira.

Imagem cedida por Adriano Maranhão ao Observador da cabine do Diamond Princess onde permaneceu isolado

Não pelas melhores razões. Regra geral, do navio só saem os infetados com sintomas que necessitem de tratamento mais especializado. Ao que tudo indica, é agora essa a situação de Adriano Maranhão, que passou a ter febre.  “Quando eu me queixei que a temperatura estava a subir e que me sentia cansado, deram-me um paracetamol”, explicou à CMTV. Agora, deverá ser acompanhado por uma equipa médica especializada num hospital no Japão, embora não soubesse ainda para qual dos hospitais do país será transportado. Para trás deixará centenas de outros passageiros que, como ele, desesperam fechados dentro de cabines.

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Imagem cedida por Adriano Maranhão ao Observador da cabine do Diamond Princess onde permaneceu isolado

Com o navio sob vigilância, muito mudou. Citado pelo jornal The Guardian, o britânico David Abel explicava no início do mês numa frase o que se tinha tornado diferente: “Já não estamos num cruzeiro”. Depois, detalhava: “Todo o luxo de termos uma pessoa a vir à cabina fazer-nos a cama e pôr-nos chocolates na almofada, trocar as toalhas de corpo e de rosto e limpar a casa de banho — esses dias acabaram. Simplesmente já não acontece”.

“Estamos a contar os dias e só parece que se está a tornar mais e mais longo. Já não estamos a funcionar bem, quer pelo corpo quer pela mente. E estamos stressados e assustados, a pensar: o que acontecerá a seguir?”

Para manter os passageiros que estavam em quarentena nutridos, a tripulação não deixou de trabalhar. Envergando máscaras e calçando luvas, continuavam a transportar diariamente carrinhos com refeições pelos corredores do navio, levando-as aos passageiros que permaneciam presos no Diamond Princess três vezes por dia.

A tarefa, como escreveu a revista Time há uma semana, era executada com precisão. Nos tabuleiros seguiam aperitivos, prato principal, bebidas e utensílios para a refeição, “normalmente por esta ordem” — e “às vezes há [havia] sobremesa”. Os horários eram longos: começavam antes das 6h, para dar início às preparações de pequeno-almoço, e terminavam por volta das 22h, quando o serviço de jantar terminava. Agora, contudo, as refeições passaram a vir de fora, segundo assegura Adriano Maranhão. Já há demasiada gente infetada.

Embora os serviços de limpeza tivessem parado, por precaução devido ao surto, eram fornecidas aos passageiros toalhas e roupa de cama, detergente para lavarem as suas roupas, lenços e máscaras de proteção, como contou o jornal japonês Nikkei Asian Review. Passou a caber aos passageiros mudarem os seus próprios lençóis, limparem as casas de banho e assumirem os serviços de lavandaria das suas peças de roupa.

Dois passageiros do navio Diamond Princess nas suas varandas (@ CHARLY TRIBALLEAU/AFP via Getty Images)

Passar o tempo com mais internet, mais filmes, mais televisão, mais jogos

A vida dos passageiros em quarentena no navio Diamond Princess diferiu consoante as condições em que cada passageiro viajou. Existiam quartos com varanda — que ainda assim não tinham mais de 20 metros quadrados —, mais caros, que permitiam que os passageiros em quarentena apanhassem ar puro e acenassem até a outros passageiros que estavam em quartos com condições semelhantes. Sempre, claro, com máscara protetora no rosto.

No caso dos passageiros em quarentena que dormiam em quartos sem varanda, só podiam apanhar uma hora de sol e ar fresco a cada par de dias, com vigilância e mantendo alguns metros de distância face a outros. Um casal de idosos, citado pelo The Guardian, revelou por exemplo que o seu quarto era “pequeno” e não tinha janela. “Somos quatro e só temos uma cadeira”, queixava-se então a família. Impossibilitado de ir ao ginásio, o neto de 25 anos, Sawyer Smith, tentava manter-se em forma fazendo exercícios físicos dentro das quatro paredes do quarto, revelavam os avós.

Para atenuar o aborrecimento dos passageiros, confinados aos quartos, foi estendida a oferta televisiva, quer em canais disponíveis quer nos filmes que os passageiros podiam ver em streaming. Além disso, a internet foi reforçada e foram providenciados telefones e jogos de cartas e tabuleiros.

Para atenuar o aborrecimento dos passageiros, confinados aos quartos, o operador do cruzeiro decidiu estender a oferta televisiva, quer em canais disponíveis quer nos filmes que os passageiros podiam ver em streaming. Além disso, a internet foi reforçada e foram providenciados telefones e jogos de cartas e tabuleiros, segundo apontou a revista Time e como revelaram passageiros nas redes sociais.

Apesar disso, houve quem retratasse o cenário como sendo “como estar numa prisão, numa cela, com uma televisão e com uma hora de luz natural e ar puro a cada dois dias”. Outro passageiro, um japonês que não quis dar o nome por preocupações relativas à sua privacidade, contou ao jornal The Japan Times que passava os dias a tirar fotografias das refeições distribuídas pela tripulação, partilhando depois as imagens nas redes sociais anonimamente: “Tudo o que posso fazer é esperar e twittar”, contava.

Foi precisamente através da internet e do telefone que muitos passageiros se foram mantendo não apenas a par das notícias sobre novos casos de infeção confirmados no interior do navio, como em contacto com as famílias, amigos e também com outros passageiros.

Passou a caber aos passageiros mudarem os seus próprios lençóis, limparem as casas de banho e assumirem os serviços de lavandaria das suas peças de roupa.

Quem estava preso no Diamond Princess ia comunicando com os colegas na mesma situação em grupos criados em redes sociais como o WhatsApp e o Facebook. À estação de rádio pública norte-americana NPR, Aun Na Tan, que entretanto foi hospitalizada, mas que se tem mantido ativa nas redes sociais, chegou a contar que fazia parte desse grupo: “Vamos falando uns com os outros para ver como cada um vai estando diariamente”, dizia então. Kent Frasure, um passageiro que entretanto também já saiu do navio, também chegou a dizer: “Fizemos um grupo de WhatsApp com amigos que conhecemos no navio. São amigos para a vida. Definitivamente tencionamos continuar em contacto. Esse grupo de WhatsApp está repleto de amigos e é um sítio muito positivo, de apoio”.

Das redes sociais para o mundo

O Facebook e o Twitter eram as plataformas de eleição para passageiros e tripulantes do navio Diamond Princess, que iam contando ao mundo os seus dias em quarentena através destas redes sociais. No Facebook, Mae Dela Cruz Fantillo, que fazia parte de uma equipa de chefs de cozinha do Diamond Princess, partilhou dois vídeos curiosos: um primeiro a dançar ao som da canção “Yummy”, de Justin Bieber, no interior do navio; um segundo já esta segunda-feira a dançar com outros colegas no exterior, acompanhado pela legenda “É agora, malta! Finalmente! A ir para casa!”.

#GalleyTeam #TeamDiamondPrincessTogether We Stand as One ! Lynne Cruz Thor Del Rosario Dennis Adriano Amaina Roque

Posted by Mae Dela Cruz Fantillo on Friday, February 14, 2020

Todos sabemos que estamos a enfrentar uma crise aqui no Diamond Princess (…) mas hey, ainda conseguimos sorrir, rir e dançar. Para que as nossas famílias e amigos saibam que estamos bem por aqui e que vamos continuar unidos, como um só, até acabarmos a quarentena”, apontava Mae Fantillo, depois de revelar o primeiro vídeo quando estava ainda no interior do cruzeiro.

Nem todas as mensagens dos elementos da tripulação do navio em quarentena, contudo, foram otimistas e festivas. Através de um texto público revelado no seu Facebook pessoal na passada quinta-feira, 20 de fevereiro, um outro elemento da tripulação, Jayson P. Abalos, afirmava:  “Estou a escrever esta carta em nome da equipa das Filipinas Galley Team do Navio Cruzeiro Diamond Princess. Sabemos que o período de quarentena foi feito. Mas porque é que ainda estamos a trabalhar cinco dias [por semana]? Estamos a contar os dias e só parece que se está a tornar mais e mais longo. Já não estamos a funcionar bem, quer pelo corpo quer pela mente. E estamos stressados e assustados, a pensar: o que acontecerá a seguir? Porque o vírus tem estado a espalhar-se muito rapidamente dentro deste navio. Espero que nos percebam. O dinheiro não significada nada se morrermos e deixarmos as nossas famílias sem grandes memórias. Venho aqui por mim e pela minha equipa, porque me importo com eles e com as suas famílias. Dizemos sempre: uma equipa, um sonho. As minhas desculpas a quem não ficar feliz com esta mensagem, espero que nos compreendam. Deus abençoe a Galley Team e a Tripulação das Filipinas do Diamond Princess, vamos manter-nos juntos!”

I am writing this letter.In behalf of the Filipino crew the Galley Team of Diamond Princess Cruise Ship .We know that…

Posted by Jayson P. Abalos on Thursday, February 20, 2020

Kent Frasure, passageiro que já saiu do navio, foi também publicando no seu Facebook pessoal vários comentários relativos à quarentena no Diamond Princess. Há pouco mais de uma semana, a 15 de fevereiro, publicou um vídeo irónico de uma cena do ator Steven Martin em que este dizia: “Gostava de comprar um hambúrguer”. Frasure acrescentava retoricamente: “Por favor?”. Antes, sugeria alguns filmes aos seus seguidores e amigos no Facebook — “Estar preso num navio cruzeiro não significa que não posso dar recomendações de filmes, certo?” — e partilhava o vídeo em que assistiu em direto ao anúncio, no interior do cruzeiro, de que era necessário um estado de quarentena face ao surto de coronavírus ter afetado um dos anteriores passageiros:

Outro elemento da tripulação, Binay Kumar Sarkar, foi pedindo insistentemente ao Governo indiano através das redes sociais que retirasse os seus cidadãos do navio.

Posted by Binay Kumar Sarkar on Thursday, February 6, 2020

Um outro elemento que esteve a bordo do Diamond Princess foi Matthew Smith, norte-americano que saiu do navio há perto de uma semana. Além de partilhar críticas gastronómicas positivas das refeições que lhe chegavam no navio, e que fotografava, Smith fez duas críticas ao Governo norte-americano: “Ó Meu Deus. O Governo dos EUA disse que não ia colocar ninguém que tivesse sintomas [de infeção] em aviões e acabaram por intencionalmente, e sabendo de tudo, colocar 14 pessoas que têm mesmo o vírus. Decisão de não sair [antes] = melhor decisão de sempre!”.

“Fizemos um grupo de WhatsApp com amigos que conhecemos no navio. São amigos para a vida. Definitivamente tencionamos continuar em contacto”.

Foram as críticas gastronómicas constantes, contudo, que mais ocuparam o tempo de Matthew Smith. Num dia, por exemplo, fotografou e descreveu a seguinte refeição: “Salada de carne com pepinos para começar. A carne estava tenra e bem temperada. Depois melancia. Para prato principal, massa com molho de tomate para ela e um prato chinês com galinha e tofu para mim. O menu tinha o nome do prato, mas esqueci-me”.

Um aperitivo de quiche, sanduíches deli e o omnipresente bolo. Quem não gosta de bolo? Além disso, uma caixa de chocolates brancos Kit Kat e uma garrafa com molho de soja. É como se todos os dias fossem Natal (ou uma caixa de chocolates): nunca sabemos o que vamos encontrar”, apontou em outra ocasião.

Outra passageira, Alice, foi partilhando na sua conta de Twitter fotografias das refeições que lhe chegavam ao longo do período em que esteve de quarentena no navio. Nas publicações feitas, colocava sempre uma hashtag usada pelos passageiros e tripulantes do Diamond Princess: #hanginthereDiamondPrincess, que significa em português “aguenta-te por aí, [no] Diamond Princess”.

Outra passageira do Diamond Princess, que se apresenta na rede social Twitter como Jackie, revelou que recebeu a 14 de fevereiro, dia de São Valentim, uma rosa e chocolates no seu quarto. As refeições teriam certamente qualidade, porque também “Debbie”, outra passageira, elogiou as ofertas gastronómicas do navio na sua fase de quarentena: “Obrigado pelas refeições deliciosas dos últimos dias. Vou sentir saudades disso”, referiu, em mensagem publicada a 19 de fevereiro. Foi o seu período final de quarentena, no qual ainda deixou outras mensagens, como “obrigado, vou sentir saudades de todos estes pequenos gestos do staff e da tripulação do Diamond Princess”.

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