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Imagem ilustrativa de uma empresa unicórnio, que está avaliada em mais de mil milhões de dólares
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Imagem ilustrativa de uma empresa unicórnio, que está avaliada em mais de mil milhões de dólares

Getty Images/iStockphoto

Imagem ilustrativa de uma empresa unicórnio, que está avaliada em mais de mil milhões de dólares

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Como uma doença autoimune levou este australiano de 26 anos a criar uma startup de 6,5 mil milhões de dólares

Johnny Boufarhat fundou a Hopin, um unicórnio britânico que quer transformar a forma como conhecemos e organizamos eventos. Ainda não tem dois anos, mas já vale mais de 6,5 mil milhões de dólares.

Quando, em junho de 2019, Johnny Boufarhat registou uma empresa na conservatória do Reino Unido, a ideia era bastante simples: as conferências e eventos online – antes do boom causado pela pandemia de Covid-19 – não respondiam verdadeiramente às necessidades dos utilizadores, e o software utilizado era, igualmente, ineficaz. A Hopin nasceu assim, como uma alternativa ao que já existia e oferecendo uma solução de software que permite organizar vários tipos de evento, de conferências a exposições, de mesas redondas a comícios, a partir dos 99 dólares mensais (cerca de 83 euros).

Na origem do negócio, um problema de saúde: Boufarhat foi diagnosticado com uma doença autoimune, que o obigou a ficar em casa, isolado das outras pessoas. “Estes dias de isolamento [provocados pela pandemia], lembraram-me de como a Hopin começou há anos. Tive uma doença autoimune que me impedia frequentemente de me encontrar pessoas em eventos. E isto tornou-se muito familiar para mim, novamente. em 2020. Exceto que, hoje, parece que o isolamento está infelizmente a afetar-nos a todos”, escreve no site da Hopin.

A ideia de Boufarhat acabou por chegar na altura certa, porque antecipou a migração em massa dos eventos físicos para o formato online e confirmando a tendência ascendente dos negócios do ramo. A visão fez com que à data deste artigo, menos de dois anos depois da fundação, a Hopin esteja avaliada no astronómico valor de 5,6 mil milhões de dólares (aproximadamente 4,7 mil milhões de euros), um teto que a coloca lado a lado com a Netflix ou a Zoom quando o assunto são negócios de raiz online, tornando-se, segundo os dados compilados pela empresa Dealroom para a Sifted, na startup europeia mais rápida a atingir a marca dos cinco mil milhões de dólares.

Só para dar um exemplo — a título comparativo, foram necessários oito anos para que o serviço sueco de streaming de música Spotify conseguisse o mesmo feito. Globalmente, a Hopin tornou-se na segunda empresa mais rápida de sempre a chegar a esta marca, atrás da Zhongan, a seguradora criada pelo multimilionário Jack Ma, fundador da loja de comércio eletrónico Alibaba, que atingiu a avaliação de oito mil milhões de dólares em vinte meses — e que, em 2014, protagonizou uma das maiores entradas em bolsa de empresas tecnológicas. Mas, afinal, quem é o homem por detrás desta ideia multimilionária e que aparentemente apanhou o mercado desprevenido? E será a Hopin uma boa solução para a indústria cultural, nomeadamente para organizar festivais? Já lá vamos.

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De uma doença autoimune a uma ascenção histórica

Australiano e filho de pais libaneses, Johnny Boufarhat pasou a infância entre o Dubai, Los Angeles e a Papua Nova Guiné. E foi desta experiência com o distanciamento físico aque nasceu a ideia para a Hopin. O interesse por software e programação sempre o acompanhou, e foi na Universidade de Manchester, como estudante de engenharia mecânica, que construiu o seu primeiro negócio: a Universe, uma aplicação que servia de plataforma social e que ajudava os alunos a estabelecer ligações a restaurantes e refeitórios para obterem descontos.

Apesar de proativo, Boufarhat sentiu que a universidade e, mais tarde, o trabalho – desempenhou funções como engenheiro mecânico e trabalhou em consultoria de gestão – não lhe ocupavam o tempo de forma produtiva. Até que lhe foi diagnosticada uma doença autoimune, no início da carreira, o que havia de o empurrar até à ideia da Hopin.

“Há cinco anos, fiz uma reação rara e severa a um medicamento que estava a tomar e acabei por me tornar alérgico ao mundo”, disse numa entrevista ao Business Cloud. “E isto não é um exagero. O meu sistema imunitário entrou num estado de hiperestímulo aparentemente permanente. Foi tão mau que, durante anos, mal consegui sair de casa. O que, entre outras coisas, significa que estava preso dentro de mim próprio, contra a minha vontade, e antes de isso ser fixe”, acrescentou.

A startup que em março de 2019 contava com menos de duas dezenas de funcionários, de acordo com dados do LinkedIn citados pela publicação do Financial Times dedicada a startups, tem hoje mais de 400

Impedido de sair de casa, o australiano decidiu procurar uma forma de criar e aperfeiçoar um software de eventos online; em fevereiro de 2020, menos de ano depois de estabelecer a startup, o Business Insider noticiava a primeira ronda de investimento, angariada pela Hopin: 6,5 milhões de dólares vindos de fundos de investimento como a  Accel, da Northzone, Seedcamp e de alguns investidores privados, naquela que viria a ser uma epopeia de interesse e disputa dos investidores.

Mais do que o o contínuo crescimento de utilizadores e da rápida ascensão do negócio em termos de valorização, a Hopin, que tem sede em Londres, tornou-se mais mediática pelas sucessivas rondas de investimento, o que muito contribuiu para a atual avaliação da startup. E como é que é feita esta avaliação? No caso da Hopin, que na prática é uma startup de subscrição de software, os investidores em capital de risco comparam-na com empresas públicas semelhantes e, de seguida, calculam um múltiplo apropriado de receita anual ou futura, sendo ainda possível aplicar outras métricas.

Olhando para números concretos, a startup que em março de 2019 contava com menos de duas dezenas de funcionários, de acordo com dados do LinkedIn citados pela publicação do Financial Times dedicada a startups, a sifted.eu, tem hoje mais de 400. Também a carteira de clientes expandiu, crescendo de 30 mil, em novembro do ano passado, e fixando-se agora nos 80 mil, numa lista que inclui as Nações Unidas, a NATO, a American Express, o Financial Times, a Unilever ou a Hewlett Packard (HP).

[veja o vídeo feito pela Hopin a apresentar a plataforma]

Pelo meio, este unicórnio (empresa avaliada em mais de mil milhões de dólares) foi absorvendo outros negócios: a Topi, empresa de eventos (por um valor que não chegou a ser divulgado, em dezembro de 2020), ou a StreamYard, empresa de streaming de vídeo (adquirida por 250 milhões de dólares, ou seja, cerca de 209 milhões de euros, no início deste ano).

No total, e segundo Johnny Boufarhat, as receitas anuais recorrentes da empresa rondam atualmente os 70 milhões de dólares (58,5 milhões de euros). Em 2020, rondavam os 20 milhões de dólares anuais, ou seja, menos 50 milhões. Não são, contudo, conhecidos números oficiais, porque as empresas privadas não são obrigadas a divulgar resultados, tal como acontece com aquelas que são públicas, mas em junho deste ano serão divulgados os primeiros resultados financeiros da startup.

Apesar da desconfiança de alguns especialistas, o fundador garantiu, em entrevista à CNBC, que a empresa é lucrativa. O australiano de 26 anos deixou também clara, na mesma conversa, a possibilidade de uma entrada em bolsa “para o final deste ano ou princípio do próximo”, apesar de preferir “aguentar as coisas como estão para manter a mesma ‘agilidade’”.

A empresa angariou, só em 2020, 6,5 milhões de dólares em fevereiro, 40 milhões em junho e 125 milhões em novembro, segundo a Reuters. Em quatro meses, mais do que duplicou o seu valor

Todos querem uma fatia da Hopin

E que software é este que tanto está a atrair investidores? É uma plataforma que permite que os anfitriões realizem os seus encontros digitalmente, com o objetivo de emular a experiência de um evento físico, com ferramentas para palestras virtuais e networking. Mais de 100 mil pessoas podem sintonizar-se simultaneamente nas apresentações que acontecem no palco, participar numa feira corporativa, num evento de networking, num workshop ou num evento social à escolha do organizador, com vários tipos de soluções e preços consoante o plano.

Na prática, o que a Hopin dá aos utilizadores é a possibilidade de criar – ou recriar – qualquer espécie de evento num formato online, contornando as restrições de lotação quase por inteiro (Boufarhat quer apontar para números que cheguem ao milhão de espectadores no mesmo evento, informação que avançou em 2020 à base de dados da  Crunchbase), e é essa versatilidade que tem feito a startup manter-se no ápex da cadeia alimentar dos negócios virtuais.

“Fundos importantes, incluindo o Sequoia, o Index Ventures e o LocalGlobe estavam interessados em chegar a acordo com Hopin, que optou pela Accel após um processo de angariação de fundos de dois meses”, lê-se na mesma peça. Na lista estavam ainda incluídos outros investidores, como a Web Summit, que investe através do Amaranthine Fund, o Slack, que o faz através do Slack Fund, e outros invetsidores privados oriundos da alta finança, incluindo Ilkka Paananen, fundador da Supercell, Daniel Dines, fundador da UiPath, Des Traynor, fundador da Intercom, ou Andrey Khusid, fundador da Miro.

Em 2020, a edição da Web Summit também foi exclusivamente online. A conferência de empreendedorismo e tecnologia liderada por Paddy Cosgrave desenvolveu um software próprio e começou agora a licenciá-lo a outras organizações. O primeiro cliente da cimeira que tradicionalmente decorre em novembro em Lisboa são as Nações Unidas.

ONU vai usar o software da Web Summit. É o primeiro cliente da empresa de Paddy Cosgrave

A Web Summit, liderada por Paddy Cosgrave, é um dos investidores da Hopin

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A startup cresceu e, para surpresa da maior parte dos investidores, o leme continuou a ser ocupado por uma só figura, contrariamente ao que é habitual. Boufarhat continua a ser a personagem principal da sua ideia, e isso parece continuar a significar futuro; a empresa, que também conta com IVP, Coatue e DFJ Growth entre os investidores, angariou, só em 2020, 6,5 milhões de dólares em fevereiro, 40 milhões em junho e 125 milhões em novembro, segundo a Reuters. Em quatro meses, mais do que duplicou o seu valor.

A mais recente ronda de investimento, segundo avança a agência, que decorreu este mês, viu a Hopin encaixar 400 milhões de dólares (aproximadamente 335 milhões de euros), provenientes de investidores em capital de risco incluindo Andreessen Horowitz e General Catalyst, um passo decisivo no futuro próximo daquela que já é vista por muitos especialistas como um fenómeno.

Mas será esta uma boa possibilidade para, por exemplo, os festivais de música e eventos culturais em Portugal? Pedro Trigueiro, diretor da agência de música e comunicação Arruada e da editora Arraial, aplaude o avanço tecnológico e as soluções que uma plataforma como a Hopin trazem para o mercado. O mentor do projeto Café Arruada (que em Abril do ano passado, através do Instagram, juntou músicos portugueses e brasileiros em conversa), defende que no ramo da cultura, mais concretamente nos eventos musicais, a Hopin pode ser a resposta ideal.

“Podemos olhar para o caso do Tinder, que é uma plataforma digital mas que tem de terminar no físico. Tudo acaba no físico. Precisamos de convívio, somos sociais”
Pedro Trigueiro, diretor da agência de música e comunicação Arruada

“Se é o futuro? Creio que não será, porque a experiência física terá sempre o seu valor”, defende em conversa com o Observador. “Se queremos ter um tipo de conferência em que unimos especialistas de vários pontos do mundo, seja qual for o tema, vai facilitar muito, certamente, mas arrancar a experiência física ao vivo, acho que não”, acrescenta.

E dá um exemplo: “Podemos olhar para o caso do Tinder, que é uma plataforma digital mas que tem de terminar no físico. Tudo acaba no físico. Precisamos de convívio, somos sociais”, diz. Apesar de reforçar a ideia do formato presencial como mais-valia, questionado sobre a possibilidade de recorrer à Hopin para contornar as atuais restrições, Pedro Trigueiro diz que “podia ser um bom caminho”, mas mostra-se preocupado com os custos e comissões normalmente associados a este tipo de tecnologia.

“A receita que tiramos de uma coisa assim muitas vezes não chega para pagar um princípio de contas. Mas é uma plataforma ao serviço das pessoas, faz todo o sentido para que a operação de uma conversa, de uma masterclass ou conferência aproxime pessoas e evite custos monetários e ambientais”, adianta ao Observador. Sobretudo quando essas pessoas estão a viver uma pandemia e a ter de lidar com sucessivos confinamentos.

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