A “dona Nadine”, 73 anos, não se lembra bem quando é que começou a receber o complemento solidário para idosos (CSI) juntamente com a pensão. Sabe que teve ajuda de alguém (não se recorda quem) para o pedir — “nunca estive a par dessas coisas” —, que abriu uma carta há pouco tempo a informar que o valor que lhe chega subiu para os 200 euros, que o recebe porque tem uma pensão “muito baixa” por não ter descontado os anos suficientes e que representa “um dinheirinho extra” para quem, como ela, anda com o dinheiro contado, apesar de receber ajuda de diversas entidades.
Sentada no sofá do quinto andar (sem elevador e com escadas estreitas) que arrenda num prédio velho na Mouraria, com uma vista “espetacular” e desafogada para o Castelo de São Jorge e para as ruas onde em tempos dançava no Santo António, mas que já não consegue percorrer, Nadine mostra desconfiança sobre o anúncio que ouviu na televisão pela voz do primeiro-ministro: “É verdade aquilo que dizem dos 600 euros? Ninguém me sabe dizer, toda a gente, como eu, acha que é muito… o pobre desconfia”, questiona, virando-se para a técnica, Beatriz Roque, da Associação Mais Proximidade, uma dessas entidades que a acompanha.
“Aquilo” dos 600 euros significa que, pelas palavras de Luís Montenegro, Nadine (e outros pensionistas ‘isolados’) passará a receber entre a pensão mínima e o CSI que a complementa o valor de 600 euros, 50 euros acima dos atuais 550 euros mensais, pagos a 12 meses (que já tinham subido em janeiro cerca de 60 euros). Uma “ajuda”, reconhece, que lhe permitirá comprar os sapatos que andava a adiar ou umas calças, num rendimento que é curto para as despesas.
Além da renda que aumentou 10 euros em janeiro para os 149 euros, a luz, o gás, a água e o serviço de televisão/telefone fazem subir para cerca de 300 euros as despesas fixas (tanto a internet como o tablet que usa para ouvir “canções românticas” no YouTube foram-lhe oferecidos pela instituição). O que lhe sobra da pensão e do complemento serve para outras despesas, incluindo alimentação (onde continua a gastar grande parte do orçamento que lhe resta, pese embora se iniba de comprar alimentos mais caros — “olhe, tal como as gambas!” — e receba duas refeições diárias da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) que, reconhecendo como completas e saudáveis, não lhe são suficientes), transporte para o médico ou o penso que lhe alivia as dores no ombro onde “ainda hoje” gastou 20 euros (este, sem receita médica).
Não gasta mais em medicamentos porque tem um apoio da Santa Casa para esse fim — só de manhã, toma sete comprimidos. Ainda assim, garante que não consegue poupar. “Conheço pessoas que sim, mas eu não. Acabo por gastar o mesmo em comida [face a quando não recebia este apoio da SCML]. A comida é o meu único conforto”, conta ao Observador.
O complemento solidário para idosos (CSI) foi criado em 2005 como um instrumento de “combate à pobreza dos idosos”, de acordo com a portaria que lhe deu vida (com efeitos a 2006) no governo de José Sócrates. Na altura, 26% da população com 65 ou mais anos estava em risco de pobreza, após transferências sociais, segundo os dados compilados pela Pordata. Até 2022, o valor foi melhorando, com avanços e recuos, incluindo à boleia da pandemia, estacionando nos 17%, o que ainda equivale a mais de meio milhão de pessoas com 65 ou mais anos em situação de pobreza, calcula a Pordata, quando o CSI — que é uma em várias ferramentas de atenuação da pobreza — chega hoje a menos de 140 mil pessoas.
O apoio tem sido usado como arma de campanhas eleitorais e foi uma das bandeiras da AD nas legislativas de março, com a promessa de fazer chegar o valor de referência aos 820 euros até ao final da legislatura. O primeiro passo será dado em junho, com a subida para os 600 euros, o que o Governo calcula que possa fazer chegar o apoio a mais 22.500 pessoas que se tornam, por esta via, elegíveis.
Quem está no terreno reconhece a medida como positiva, a par da comparticipação a 100% dos medicamentos ou a eliminação do rendimento dos filhos nas condições de acesso (que deverá levar mais 1.500 pessoas ao complemento), matérias que não constavam no programa eleitoral da AD (levando o PS a reivindicar como suas). Este último fator era, aliás, visto como um obstáculo a muitos idosos em necessidade. Mas quem acompanha os mais idosos e vulneráveis também alerta que sem divulgação, simplificação, muito apoio e “pontes”, arrisca a ficar aquém da intenção.
Alterações ao complemento solidário para idosos permitirão chegar a 24.000 novos beneficiários
Uma população particularmente vulnerável. “Há a ideia de que estão a receber de um lado para lhes tirarem do outro”
Nadine Pinto trabalhou em hotéis e restaurantes antes de se reformar, mas sem fazer descontos. “Tive patrões que quiseram pôr-me na Caixa, eu respondia sempre ‘Depois vê-se! Para o mês vemos disso’. Fui adiando. Claro que me arrependo”, indica ao Observador. “Nessa altura, não havia a informação que há hoje, não percebiam o impacto que ia ter no seu futuro. A vida era de outra maneira“, sintetiza Maria João Xavier, diretora técnica da Associação Mais Proximidade, que acompanha Nadine e outros 120 utentes em Lisboa.
Maria João vê com bons olhos as alterações anunciadas para o CSI que embora venham ajudar não resolvem todos os problemas. Desde logo pelo valor de referência dos 600 euros. “Não se pode pensar que quem recebe 600 euros vive bem. Continua a ser pouco, mas claro que ajuda e vem dar um alívio a quem tem muito pouco”, diz. A comparticipação total dos medicamentos com receita médica para os beneficiários ou a eliminação do rendimento dos filhos dos critérios de elegibilidade também são apontados como importantes para uma população particularmente vulnerável, muitas vezes infoexcluída ou com iliteracia financeira. “A vizinha da D. Nadine achava que tinha o CSI porque já tinha medicação gratuita, mas isso é por causa da Santa Casa” e não pelo complemento (cujas novas regras ainda não foram publicadas, mas deverão entrar em vigor em junho), exemplifica Maria João.
Para uma população com estas características, o processo de requerer o apoio é particularmente complexo para ser tratado sem ajuda de um familiar ou de um técnico. “Não vejo outra maneira de se fazer isso, mas de facto é um processo burocrático, não é fácil para uma população idosa. Se eu quiser ver o guia prático descarrego no meu telemóvel e consigo ler. Ela [Nadine] não. Logo aí limita. Além de que às vezes estamos a falar de pessoas que não sabem onde têm os documentos pessoais, temos de ser nós a pedir segundas vias. Os serviços estão lá, mas se ninguém fizer a ponte, eles têm direito mas não têm acesso“, defende, embora acredite que a “nova geração de idosos” já vá lidar com estes temas de forma “diferente”, “já terá outras capacidades”. A situação é particularmente crítica para idosos que, como Nadine, vivem sozinhos e não têm familiares que possam ajudá-los com regularidade.
De acordo com o guia prático disponível no site da Segurança Social, além dos formulários preenchidos, para pedir o CSI é necessário um atestado da junta de freguesia a comprovar que o idoso reside em Portugal há, pelo menos, seis anos seguidos ou, se tiver imóveis além da casa onde mora (sejam casas, terrenos ou prédios), a caderneta predial atualizada ou a “certidão de teor matricial passada pelas Finanças” e uma “cópia do documento comprovativo da aquisição do imóvel”, entre outros documentos.
Inês Chambel, coordenadora e psicóloga na delegação de Lisboa da Associação Coração Amarelo, que acompanha idosos em situação de isolamento, concorda que vai ser preciso adaptar a comunicação à população-alvo para que a medida — que vê como tendo boa intenção — tenha os efeitos desejados. “Há muita desconfiança. Muitas vezes [os beneficiários] acham que se estão a receber de algum lado lhes vão tirar do outro. É frequente esta ideia de ‘mais vale ficar como estou‘”, observa.
Além do rendimento dos filhos — que deixará de ser um critério — para aferir se o requerente é elegível são tidos em conta os rendimentos de capitais, prediais, incrementos patrimoniais, valor de realização de bens móveis e imóveis, complemento por dependência, o valor pago pela Segurança Social para ajudar com o custo do lar, família de acolhimento ou outro, a percentagem do valor do património mobiliário e imobiliário (mas excluindo a residência do idoso) e até transferências realizadas por pessoas singulares ou coletivas.
Embora reconheça que tenha de haver critérios objetivos — a condição de recursos impede que seja atribuído o complemento a pessoas que, apesar de terem uma pensão pequena, tenham outros rendimentos ou dinheiro no banco, por exemplo —, a associação entende que há situações que devem ser vistas casuisticamente. “Imagine que tenho 80 anos e um moinho em Trás-os-Montes. Tudo isso conta e o valor patrimonial desse imóvel pode impedir o acesso. Mas uma coisa é ter um moinho numa aldeia, outra coisa é ter um prédio em Lisboa“, defende, por sua vez, Marisa Galante, assistente social na Coração Amarelo.
“Acho que temos de avaliar caso a caso porque se for uma medida genérica voltamos a acentuar as questões de injustiça social“, acrescenta Maria José Relvas, presidente da delegação de Lisboa da associação, para quem, na sua conceção, “o CSI está bem pensado”, mas “há pessoas que, do ponto de vista da sua vivência no dia a dia, embora os rendimentos não o reflitam, vivem mal“.
Marisa Galante dá outro exemplo para ilustrar a vulnerabilidade da população-alvo. “Recebi um telefonema de uma pessoa que precisava de ajuda para preencher o formulário do CSI. Quando cheguei a casa, a senhora tinha uma carta da Segurança Social a dizer que o pedido tinha sido aceite. Só que esta senhora está a entrar num quadro demencial, não se lembra quem fez o pedido”. A associação, que trabalha com idosos em situação de solidão, deteta as situações em que os utentes que acompanha podem ser elegíveis para requerer o apoio e ajuda no processo.
Regras são diferentes para casais
↓ Mostrar
↑ Esconder
O apoio é pago todos os meses aos idosos com baixos recursos e que tenham pelo menos a idade normal de acesso à reforma (atualmente nos 66 anos e quatro meses). Podem aceder se receberem até 550 euros por mês (6.608 euros ao ano). Trata-se, portanto, de um complemento à pensão de velhice, de sobrevivência ou de invalidez, mas também pode receber quem não tem acesso à pensão social por não preencher a condição de recursos. O pagamento é suspenso se os recursos do beneficiário ultrapassarem esse limite.
Mensalmente, o beneficiário recebe a diferença entre o valor da sua pensão e o valor de referência que em 2024 são os tais 550 euros mensais. No máximo, é esse o valor que recebe por mês. No caso de um casal recebem, no máximo, este ano, 963,67 euros por mês.
Ou seja, a subida do valor de referência para os 600 euros não significa necessariamente que cada idoso beneficiário receberá entre pensão e complemento 600 euros, porque no caso de casais beneficiários as regras são diferentes. O guia da Segurança Social refere que, à luz das regras atuais, um casal recebe, no máximo, 963,67 euros por mês, a 12 meses. Questionado sobre se iria fazer alterações neste limite, o Governo não foi muito claro: “As alterações que o Governo pretendia fazer em matéria de CSI já estão aprovadas e entram em vigor no dia 1 de junho”.
CSI perdeu quase 70 mil beneficiários em 10 anos. Vai manter-se relevante?
Os primeiros dois anos de CSI foram de baixa adesão, muito aquém do que se previa nos estudos sobre pobreza nos idosos em termos de população elegível. Na sua génese, tinha um desenho diferente do de hoje, sendo apenas dirigido aos idosos com mais de 80 anos. A idade foi sendo reduzida nos anos seguintes (atualmente, é para quem tem, pelo menos, a idade da reforma, que está nos 66 anos e quatro meses, a não ser que seja pensionista por invalidez).
Em 2008, o universo de beneficiários mais do que triplicou e o ritmo de crescimento manteve-se nos anos seguintes. Mas a partir de 2012 voltou a descer paulatinamente. Em 2013, o valor de referência diminuiu o que levou a que alguns beneficiários deixassem de ter direito. Essa redução foi justificada pelo governo de então, de Pedro Passos Coelho, com o facto de a “esmagadora maioria dos beneficiários” ter visto a sua pensão ser aumentada, em média, 4%.
Uma campanha de comunicação — que incluiu a criação de uma linha telefónica, o envio de cartas e folhetos informativos ou anúncios na televisão — foi para o terreno em 2016 (altura em que o universo tinha caído 30% face a 2011). Mas os números mantiveram-se bem abaixo do que chegaram a estar durante o período da troika. Em 2023, receberam o complemento 169 mil pessoas (no pico, chegaram a ser 248 mil).
Segundo o primeiro-ministro, Luís Montenegro, quando anunciou o reforço do complemento, há 140 mil pessoas a recebê-lo atualmente. Um valor considerado baixo, diz Miguel Coelho, economista e especialista em Segurança Social, tendo em conta que 17% da população com 65 ou mais anos está em risco de pobreza. O entendimento entre quem estuda o complemento é que não tem sido capaz de chegar a toda a população que dele precisa.
Nos últimos meses, segundo os dados da Segurança Social, o universo de beneficiários tem estado a subir, depois de uma queda abrupta de maio para junho do ano passado quando mais de 20 mil beneficiários perderam direito à prestação na sequência de uma reavaliação dos rendimentos dos beneficiários feita pelo Instituto da Segurança Social (ISS), na sua maioria por terem rendimentos de capital, prediais ou património imobiliário.
Desde então, o valor tem subido todos os meses, uma evolução a que poderá não ter sido alheia a mediatização do apoio perante os anúncios das propostas para o Orçamento do Estado deste ano, ou durante a pré-campanha e a própria campanha eleitoral.
O valor do subsídio tem estado a subir, fruto das atualizações a que é sujeito. Em 2024, o valor de referência subiu 62 euros para o limiar da pobreza, fixando-se nos 550 euros. A lei prevê que o complemento seja atualizado tendo em conta a evolução dos preços, o crescimento da economia e a distribuição da riqueza. Como se trata de uma prestação diferencial, o valor depende de beneficiário para beneficiário — corresponde à diferença entre a pensão do requerente e o tecto dos 550 euros mensais (600 euros a partir de junho).
A maioria dos agregados familiares é constituída por um requerente isolado (62,3%) e são, sobretudo, mulheres (69,2%) porque têm tendencialmente pensões mais baixas por terem descontado menos anos (ou mesmo não terem descontado durante a vida ativa). É na faixa etária dos 75 aos 79 anos que há mais beneficiários (quase 35 mil, 20% do total). A maioria (51%) dos beneficiários recebe de CSI entre 101 e 200 euros (em março, os dados mais recentes), a 18,5% são atribuídos entre 201 e 300 euros, a 17% até 100 euros e 12,7% recebe mais de 300 euros.
Jorge Bravo, especialista em Segurança Social que já colaborou com o PSD em programas eleitorais, acredita que o “fraco conhecimento” sobre a prestação ajuda a explicar o reduzido universo de beneficiários face há 10 anos, que podem não saber sequer que o apoio existe ou que a ele podem ter direito. Bravo sublinha que há ainda níveis elevados de pobreza na terceira idade — “ninguém se pode dar como bastante satisfeito com os números atuais” —, lembrando que o CSI “não opera por si só, opera em conjunto com as pensões mínimas, com as pensões do regime geral, com a atualização das pensões, com medidas para a habitação”.
Miguel Coelho concorda que o CSI “não tem tido impacto suficiente na redução da pobreza em Portugal”, a olhar para os 17% de idosos em situação de pobreza. E também avisa que, sendo o aumento do valor de referência positivo, sem meios no terreno os benefícios serão limitados.
O especialista também não acredita que o CSI vá perder força, porque “vai ajustar-se também à evolução do custo de vida, senão perde o sentido”. “Apesar de poder ter gente com carreiras contributivas mais longas, dada a taxa de substituição, uma pessoa que trabalha toda a vida e recebe o salário mínimo provavelmente vai receber 70% do salário como reforma”, antecipa.
O CSI funciona como um complemento a pessoas que, por diversos motivos, têm pensões consideradas muito baixas. Não é contributivo, o que significa que não interessa se um beneficiário fez ou não contribuições sociais para que ele próprio possa receber, ao contrário do que acontece, por exemplo, com o subsídio de desemprego; ou com a pensão de velhice do regime geral, que depende dos descontos que tiver feito ao longo da vida.
De acordo com o guia da Segurança Social, o CSI pode ser acumulado com a chamada pensão social, que é atribuída a quem não descontou antes de ser pensionista, uma situação que era particularmente frequente antigamente e ainda mais no caso das mulheres (muitas eram domésticas). Atualmente, a pensão social é de 245,79 euros, a que acresce um complemento extraordinário de solidariedade (CES) que varia consoante a idade (de 21,39 ou 42,78 euros). De acordo com a Conta da Segurança Social mais recente, de 2022, nesse ano havia 38 mil pensionistas do regime não contributivo e equiparados.
O CSI também é compatível com a chamada pensão mínima, que tem uma vertente contributiva e outra não contributiva. Em 2024, a pensão mínima no regime geral é de 319 euros, mas pode aumentar consoante os anos de contribuições (há quatro escalões). Estas pensões são pagas a quem, embora tenha feito descontos, tenha, ainda assim, uma pensão mesmo muito baixa.
Nesses casos, ao valor da pensão contributiva é adicionado outro montante, não contributivo, para garantir que a pessoa recebe um mínimo definido por lei. Segundo o relatório “Segurança Social em Números” mais recente (de junho de 2023), em 2022, quase 870 mil pessoas recebiam a pensão mínima.
Tendo isto em conta, é expectável que, à medida que os novos pensionistas já têm carreiras contributivas mais consolidadas (mais longas e com maior estabilidade contributiva), o complemento solidário para idosos perca força? Para os especialistas ouvidos pelo Observador a resposta é não e o CSI deverá manter-se relevante.
Para Jorge Bravo, o valor médio das pensões ainda é demasiado baixo para que se possa pensar em prescindir do CSI num futuro próximo, mesmo apesar de terem carreiras contributivas longas. “Temos um número muito significativo de portugueses — mais portuguesas — que chegam hoje à idade da reforma com carreiras longas mas cuja pensão estatutária (a que resulta dos descontos tendo em conta as regras em vigor) não chega sequer ao valor mínimo da pensão contributiva”, afirma.
Segundo a conta geral da Segurança Social de 2022, a maioria das pensões de invalidez ou de velhice (1,3 milhões) equivale a menos de 443 euros. E se é certo que o peso dos pensionistas de velhice que receberiam um valor de pensão inferior à mínima está a descer (36,9% em 2022), também é verdade que tem aumentado o número de pessoas a receber complementos atribuídos à pensão (740 mil), de acordo com o mesmo documento. Recorde-se que as pensões mínimas são atualizadas aquando da atualização das pensões por via da aplicação da lei.
Aumentar o CSI desincentiva a declaração de rendimentos?
O problema é maior do que o CSI, avalia Jorge Bravo, que defende reformas que aumentem a “contributividade” e aumentem o “vínculo entre o esforço contributivo e a pensão”. “A fórmula [de cálculo da pensão] é igual para todos, mas não trata os euros descontados pelos trabalhadores todos da mesma forma, o que gera inequidades, desigualdades, que motivam que muitos trabalhadores — sobretudo os que têm rendimentos médios ou médio baixos — sintam pouca apetência em declarar todo o rendimento à Segurança Social”, argumenta. Esses trabalhadores “acabam por artificialmente — porque até tiveram salários mais elevados ao longo da vida — gerar pensões mais baixas”.
Além de que o próprio desenho das regras “não discrimina positivamente quem mais contribui”. Embora veja como positivo o aumento do valor de referência por abranger mais idosos que, sendo pobres, não tinham o CSI, também alerta que aumentar o valor indefinidamente pode funcionar como um desincentivo à declaração dos rendimentos. “Se perceber que, se não declarar nada, vai ter uma pensão de 820 euros, qual a tentação que existe para que quem tem margem para declarar apenas uma parte do rendimento o faça?”, questiona.
Para os desincentivos aos descontos, acredita que contribui a alteração na fórmula de cálculo do valor da pensão a receber, que antes incluía os melhores 10 anos dos últimos 15 e hoje tem em conta toda a carreira, o que poderá levar a pensões mais baixas (uma vez que os últimos anos antes da reforma tendem a ser aqueles em que o salário é mais elevado).
O aumento do valor de referência para os 820 euros é uma medida “bem intencionada”, mas é preciso “cuidado” no seu desenho, defende Jorge Bravo, que salienta a falta de estudos sobre a eficácia do CSI pelos governos, desde a sua criação, há quase 20 anos.
O Observador perguntou ao Ministério da Segurança Social se as alterações propostas têm por base algum estudo sobre o CSI. Fonte oficial respondeu que as mexidas se basearam “em estudos feitos pelo ISS” e explica que em junho do ano passado houve uma “reavaliação dos rendimentos que teve em consideração os rendimentos obtidos pelo cidadão desde a atribuição do CSI ou desde a sua última reavaliação”, o que levou a que cerca de 20 mil beneficiários deixassem de receber o apoio. Mas “mais de 86 mil viram aumentado o valor da sua prestação”. As cessações ocorreram pela melhoria das condições socioeconómicas dos beneficiários (que deixaram, assim, de ser elegíveis) e pelo rendimentos dos filhos (que deixará de contar). O Ministério diz que essa reavaliação voltará a ser feita este ano “nos termos da lei”.
Ao contrário da pensão mínima, que depende do número de anos de descontos, o CSI tem uma condição de recursos que Jorge Bravo defende que continue a existir para distinguir entre os pensionistas que precisam mesmo do complemento e outros que, tendo pensões baixas, possam não precisar deles (porque têm dinheiro no banco ou património de que usufruem, por exemplo). É por isso que prefere que se aumente o valor de referência do CSI em vez de todas as pensões.
Miguel Coelho concorda que o esforço orçamental seja mais focado no CSI e não na totalidade das pensões, como o Chega propôs durante a campanha eleitoral, o que iria “criar um incentivo a que as pessoas não contribuíssem”.
Perante as dificuldades reportadas no acesso, a automatização da prestação não poderia ser um caminho? Idealmente, sim, diz Jorge Bravo, mas há problemas operacionais difíceis de ultrapassar. Por exemplo, para que a Segurança Social saiba quanto dinheiro um beneficiário tem no banco é preciso que este dê autorização. Mas admite que todo o procedimento possa ser simplificado para uma população particularmente vulnerável.
Outra questão que se coloca é sobre a miríade de apoios e complementos. O relatório preliminar da comissão destacada pelo anterior governo para estudar a diversificação do financiamento do sistema de pensões chama atenção para isso.
“O complemento social (CS) não é a única prestação que visa evitar situações de pobreza entre os pensionistas. Existem ainda o Complemento Solidário para Idosos (CSI), a Pensão Social (PS) do regime na o contributivo e as pensões de outros regimes equiparados (rurais, etc.). A interação entre estas diferentes prestações é muito complexa, pois as condições de acesso diferem entre si”, avisam, havendo umas que exigem condição de recursos e outras que não.
“A sobreposição de prestações que visam largamente a mesma população, mas com base em critérios distintos, pode estar a dar origem a dificuldades de acesso aos apoios por parte dos seus beneficiários potenciais, ou a atribuição ineficaz de prestações, no sentido em que desvirtua o objetivo que a medida pretende atingir”, alertam.
Unificar prestações já foi uma ideia defendida por especialistas em Segurança Social. É o caso de Miguel Coelho, que admite benefícios. Uma ideia lançada pelo economista é que a pensão mínima, que tem uma parte contributiva e outra não contributiva, fosse formulada para que a parte não contributiva correspondesse ao CSI.
Grupo das pensões sugere “mecanismo” que ponha CSI a valorizar a carreira contributiva
O governo de António Costa aguardava as conclusões do grupo de trabalho nomeado para estudar a diversificação das fontes de financiamento das pensões quando o Executivo caiu. O relatório preliminar já foi entretanto entregue ao novo Governo e, nele, o grupo de especialistas deixa uma série de recomendações relacionadas não só com o CSI, mas com todos os apoios e complementos. Como uma avaliação do “impacto financeiro e social” de uma “redução faseada dos complementos sociais” (as pensões mínimas) para novos pensionistas, com um período de transição de cinco anos, que seriam substituídas pela incorporação no CSI de um “mecanismo de valorização da carreira contributiva“. Esta avaliação seria “condicional ao reforço de meio e recursos para uma maior eficácia e automatização do CSI”.
O grupo sugere o “aperfeiçoamento” do complemento solidário para idosos, estudar os obstáculos a uma maior adesão, incluindo — como já foi entretanto feito — a inclusão dos descendentes — mas também querem que se olhe para o facto de serem considerados os rendimentos em espécie dados a cônjuge a frequentar equipamentos sociais.
Para simplificar o processo e caminhar para uma quase automatização, defendem que o sistema solicite ao potencial beneficiário a confirmação (ou não) do requerimento e a apresentação de eventuais elementos em falta. Para isso, o sistema teria de ter em conta a informação da pessoa/casal registada na Segurança Social. Os peritos também sugerem que a comunicação seja mais ativa. Adicionalmente, propõem eliminar de forma faseada para novos pensionistas a pensão social de velhice e o complemento extraordinário de solidariedade.
Segurança Social vai lançar campanha de divulgação
Até aqui colocava-se outro obstáculo à adesão ao CSI: o rendimento dos filhos era tido em conta para a elegibilidade, o que para quem estava no terreno desincentivava muitos idosos a fazer o pedido. Ainda que o formulário previsse a possibilidade de os idosos declararem não terem contacto com os filhos, só essa menção era temida por muitos potenciais beneficiários que não têm relação (ou uma boa relação) com os filhos.
“Acompanhamos uma senhora que não quis sequer pedir o CSI porque não sabe o nome completo dos filhos, já não têm contacto e porque tem receio que a Segurança Social entre em contacto com eles a dizer que a mãe está a pedir um apoio e precisa de informação”, conta Maria João Xavier. Por isso, para os técnicos no terreno ouvidos pelo Observador, a exclusão do fator familiar foi vista como muito positiva.
Até à prometida alteração, os rendimentos dos filhos contavam para a atribuição, além dos rendimentos da pessoa com quem está casado ou em união de facto há mais de dois anos. No caso dos filhos, se o rendimento destes se incluísse no quarto escalão (acima de 2.630 euros por mês, no caso de um filho solteiro), os pais ficavam excluídos do direito ao CSI.
Este fator familiar esteve, aliás, presente nos pedidos de esclarecimento que chegaram à Provedoria de Justiça no último ano. De acordo com dados enviados ao Observador, entre maio do ano passado e maio deste ano, chegaram 28 “solicitações” à Provedoria (que além de queixas propriamente ditas podem corresponder a pedidos de esclarecimentos), relativas à cessação/suspensão do CSI por ultrapassagem da condição de recursos. Fonte oficial explica que nem todas dão grandes detalhes, mas as que o fizeram disseram estar em causa o rendimento dos filhos. Nestes 28 casos, a Provedoria “explicou aos cidadãos o quadro legislativo vigente”.
Noutro cinco casos, foram abertos processos de queixa, estando relacionados com a ultrapassagem do limite estabelecido pela condição de recursos. Nestes casos, foram apresentados à Provedoria “elementos suscitando dúvidas sobre o modo de cálculo do CSI ou sobre o cumprimento do prazo de apresentação da prova de rendimentos”. O Governo estima que com a eliminação do fator familiar sejam elegíveis mais 1.500 beneficiários.
Ao Observador, o Ministério da Segurança Social diz que o Instituto da Segurança Social vai lançar uma campanha de divulgação de informação do CSI junto dos idosos mais vulneráveis, mas não especifica em que consistirá.
Para quem está no terreno essa comunicação será fundamental, mas será limitada se não vier acompanhada de reforço dos meios — para evitar que pessoas, ao contrário de Nadine, que não ouviram “aquilo dos 600 euros” na televisão, na rádio ou no tablet, ou que tendo ouvido desconfiaram ou não entenderam, saibam que o apoio existe e se podem ou não recebê-lo.