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A COP 29 deveria acabar na sexta-feira, mas há a expectativa de que o texto final só seja conhecido no sábado ou no domingo

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A COP 29 deveria acabar na sexta-feira, mas há a expectativa de que o texto final só seja conhecido no sábado ou no domingo

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COP 29. Negociações num impasse sobre financiamento climático em cimeira que já não funciona

Conferência da ONU sobre clima — que decorre no polémico Azerbaijão — tem como objetivo principal a definição de novas metas para o financiamento climático, mas ainda não houve qualquer consenso.

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A capital do Azerbaijão, Baku, recebe por estes dias a 29.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP 29). Mas esta reunião de alto nível sobre a qual recaía a expectativa de um acordo mais ambicioso para o financiamento climático, está a ficar marcada pelo impasse e por um arrastar das discussões, relata ao Observador o professor universitário Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero e um dos muitos representantes da sociedade civil presentes na COP 29.

A COP 29 arrancou na semana passada e termina, oficialmente, esta sexta-feira, mas tudo indica que os trabalhos deverão prolongar-se para o fim de semana, não sendo esperado um acordo final antes de sábado ou domingo.

A partir de Baku, Francisco Ferreira explica que a conferência deverá mesmo arrastar-se para lá do prazo (“como é evidente, ninguém acredita” nas promessas da presidência da cimeira de que o texto final estará pronto na sexta, admite o ambientalista), já que as negociações se encontram praticamente estagnadas — especialmente no principal objetivo da COP, as finanças —, e reconhece que o próprio modelo destas conferências começa a esgotar-se.

Aliás, já esta semana um grupo de reputados líderes mundiais na área do clima, com destaque para o ex-secretário-geral da ONU Ban Ki-moon, publicou uma carta aberta em que considera que “a COP já não é adequada aos seus objetivos” e que é necessário reformar estas conferências, que se repetem anualmente e que juntam todos os países signatários da Convenção-Quadro da ONU sobre as Alterações Climáticas, tratado climático internacional assinado em 1992.

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O Presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, no plenário da COP 29, classificou os combustíveis fósseis como "dons de Deus"

Anadolu via Getty Images

A conferência já tinha estado sob polémica ainda antes do início, devido à escolha do Azerbaijão como anfitrião da cimeira. Por um lado, ao mesmo tempo que o país assumia a tarefa de liderar as principais negociações climáticas do planeta, desenvolvia planos para expandir significativamente a sua produção de combustíveis fósseis. Por outro, instituições como a Human Rights Watch não pouparam nas críticas ao país devido a violações dos direitos humanos, incluindo na repressão de manifestações e na prisão de ativistas e críticos do governo.

A polémica subiu de tom logo no arranque da conferência, quando o Presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, classificou o petróleo e o gás natural como “dons de Deus”. Discursando perante o plenário da COP 29, Aliyev, que lidera o Azerbaijão desde 2003 num regime amplamente classificado como autoritário, disse que ninguém pode ser “culpado” por ter recursos naturais e por os usar.

A COP das finanças

Em declarações ao Observador na manhã desta quarta-feira, a menos de três dias do prazo final das negociações, Francisco Ferreira sublinhou que há muitos temas a serem discutidos e negociados em paralelo durante a COP, mas destacou que há duas matérias fundamentais que estão no centro das prioridades da conferência: o financiamento e a mitigação.

Não é por acaso, de resto, que a COP 29 tem sido informalmente classificada como “a COP das finanças”. O principal objetivo da cimeira estava assumido desde o início: sair de Baku com um acordo ambicioso que permita aumentar significativamente o montante anual que é mobilizado para o combate climático, designadamente para a transição energética dos países em vias de desenvolvimento.

“No acordo de Paris, temos o objetivo de 100 mil milhões de euros por ano entre 2020 e 2025, um objetivo que só atingimos em 2022”, enquadra Francisco Ferreira. Contudo, acrescenta, “os financiamentos necessários, quer para a transição energética dos países em desenvolvimento, quer para a adaptação climática, são na ordem dos biliões”.

“A ideia, agora, é ampliar muito este financiamento”, destaca. “Basicamente, desde o início da conferência, esse é o grande ponto da discussão: que montante? Qual a responsabilidade do setor público e do setor privado? Quem avança com esse dinheiro? Só os países classificados como desenvolvidos ou há uma abrangência maior? Há prioridades nos destinatários? Quais os moldes deste financiamento?”

O financiamento da transição climática tem sido, nos últimos anos, o grande ponto a obstaculizar as negociações do clima. O racional é o seguinte: durante séculos, os países do chamado “norte global” desenvolveram fortemente as suas economias à custa dos combustíveis fósseis, o que permitiu que hoje sejam os países mais economicamente desenvolvidos do mundo; em contrapartida, os países do “sul global” procuram atualmente o desenvolvimento económico e reivindicam também o uso de combustíveis fósseis no seu desenvolvimento.

"Esse é o grande ponto da discussão: que montante? Qual a responsabilidade do setor público e do setor privado? Quem avança com esse dinheiro? Só os países classificados como desenvolvidos ou há uma abrangência maior?"
Francisco Ferreira, professor universitário e líder da associação ambientalista Zero

Os países menos desenvolvidos argumentam que existe uma dívida climática da parte das economias mais fortes, por uma miríade de razões: os países mais pobres contribuem menos para as emissões poluentes, mas sofrem mais com elas; uma boa parte do desenvolvimento económico dos países mais ricos foi feita, na história, à custa dos recursos de países colonizados; por isso, os países menos desenvolvidos têm hoje menos capacidade de se desenvolver e de transitar para fontes de energia menos poluentes.

As conferências climáticas têm procurado conduzir a acordos que forcem os países mais ricos a financiar a transição climática dos países mais pobres — um assunto que tem sido tratado com pinças, já que as economias mais fortes hesitam em aceitar uma relação de causa-efeito que abra um precedente e exponha as suas finanças em demasia.

Outro problema, avança Francisco Ferreira, é perceber “como é que estes montantes se traduzem efetivamente em dinheiro adicional”, já que, “com a inflação à escala mundial, muitos dos montantes aqui fixados, se não estiverem ligados a uma correção associada à inflação, até podem significar um decréscimo no financiamento”.

Até agora, está a ser difícil chegar a consensos, destaca o ambientalista presente na COP 29. Do lado da Europa, a proposta passa por “duplicar ou ir um pouco mais à frente”, ou seja, chegar a valores no intervalo entre 200 e 300 mil milhões de euros por ano, incluindo financiamento privado. Uma proposta vinda maioritariamente dos países em desenvolvimento, por seu turno, aponta para 1,3 biliões por ano. Já as associações de ambiente, representadas na COP, defendem um financiamento na ordem de um bilião por ano.

Francisco Ferreira, líder da Zero, está em Baku como um dos muitos representantes da sociedade civil na COP

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“É tudo isto que tem criado um impasse: entre o limite de cima e o limite de baixo, vai uma diferença muito grande”, sintetiza.

A presidência da COP 29, detida pelo Azerbaijão, também não estará a ajudar neste processo. “É atraso sobre atraso”, considera Francisco Ferreira. “É a presidência a dizer ‘sim, sim, vamos acabar na sexta-feira’, algo em que, como é evidente, ninguém acredita. Hoje é quarta-feira e não temos o fundamental: quanto e em que moldes vamos ter este financiamento? Não há neste momento qualquer consenso nesta matéria, que era o principal objetivo desta COP.”

Reino Unido cresce como líder climático

Além do financiamento para a transição dos países menos desenvolvidos e para a adaptação climática, as negociações da COP têm visado também outras matérias, com destaque para a mitigação — o termo que, nas negociações climáticas, designa os esforços dos países para tentar reduzir, na medida do possível, o aquecimento global. É aqui que se situa o célebre objetivo do Acordo de Paris: garantir que, até 2100, o aquecimento global não supera os 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais.

Os países signatários do tratado têm até fevereiro de 2025 para entregar as suas novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC na sigla inglesa), ou seja, os seus planos para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa.

“Já houve várias a serem submetidas aqui”, diz Francisco Ferreira, considerando como mais significativas as do Brasil e do Reino Unido. O Brasil, anfitrião da próxima COP, quer “dar o exemplo”, mas, apesar da “ambição considerável” na redução de emissões, continua a ter previsto um aumento e 36% nos combustíveis fósseis. Já a do Reino Unido é “bastante ambiciosa para a redução de emissões até 2035”, elogia o ambientalista.

“É preciso diminuir as emissões de gases com efeito de estufa a partir de 2025. Idealmente, deviam passar para metade em 2030, olhando para o objetivo de 1,5ºC”, diz Francisco Ferreira. Contudo, lamenta o ambientalista, “a presidência do Azerbaijão não tem dado prioridade” ao assunto, que só mereceu maior atenção esta semana.

Outros dois assuntos a merecer a atenção dos delegados presentes na COP 29 são os mercados de carbono e a adaptação climática — assuntos que estão, em larga medida, a ser “empurrados com a barriga” para negociações intermédias, como sucede com temas como a determinação de um objetivo global de adaptação e de planos nacionais de adaptação climática.

Mas as negociações da COP 29 estão também a servir para tomar o pulso à política climática mundial. Os delegados de todo o mundo chegaram a Baku com os olhos postos, sobretudo, nos Estados Unidos da América. O país, reputado como um importante líder nestes fóruns mundiais, está agora numa fase de transição política com possível impacto nas negociações climáticas: a vitória de Donald Trump, que no passado já retirou os EUA do Acordo de Paris, deverá moldar a posição norte-americana face à política climática nos próximos anos. A delegação dos EUA, ainda subordinada ao governo de Joe Biden, tem garantido o compromisso norte-americano, mas no terreno já é visível algum apagamento de Washington.

A vitória de Donald Trump, que no passado já retirou os EUA do Acordo de Paris, deverá moldar a posição norte-americana face à política climática nos próximos anos.

“Nota-se uma ausência dos Estados Unidos, que já estão claramente em transição e não querem ter uma posição ativa”, resume Francisco Ferreira.

Em sentido contrário, é o Reino Unido que está a assumir-se como um líder natural nas negociações climáticas, considera o ambientalista. Com o recuo dos Estados Unidos, diz Francisco Ferreira, e com a China a manter-se menos “visível e proativa”, abre-se espaço para um papel mais reforçado da Europa. “Mas, em vez de ser a União Europeia a assumir muito deste protagonismo, está a ser assumido mais pelo Reino Unido”, afirma o responsável, destacando que a complexidade da concertação de posições entre 27 governos nacionais na UE permite ao Reino Unido maior agilidade negocial.

Portugal exige que os “maiores poluidores” paguem mais

A delegação portuguesa em Baku não conta com o chefe de Estado nem com o chefe de Governo. A ministra do Ambiente e da Energia, Maria da Graça Carvalho, marcou presença no início da conferência e é esperada esta semana novamente no Azerbaijão. Foi ao secretário de Estado do Ambiente, Emídio Santos Sousa, que coube representar Portugal no plenário da cimeira climática, com um discurso em que pediu mais dinheiro para a luta climática e exigiu que os “maiores poluidores do planeta” se cheguem à frente.

Portugal piora em desempenho climático mas mantém-se no grupo dos melhores

“É essencial elevar a ambição sobre o Novo Objetivo Coletivo Quantificado para o financiamento da luta contra as alterações climáticas, que se encontra fixado nos 100 mil milhões dólares por ano”, defendeu o secretário de Estado em Baku. “Ao mesmo tempo, é da maior importância ampliar a base de doadores.”

“Defendemos que quem contribui para o financiamento não devem ser apenas os países desenvolvidos, mas também aqueles que, sendo considerados ainda países em desenvolvimento, contam como elevados Produtos Internos Brutos e nível de emissões per capita”, afirmou Emídio Santos Sousa, que deixou uma acusação: “Atualmente, muitos dos maiores poluidores do planeta não estão a fazer o suficiente nos esforços de combate às alterações climáticas.”

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O secretário de Estado do Ambiente, Emídio Santos Sousa, discursou no plenário da COP 29

SOPA Images/LightRocket via Gett

O discurso de Portugal toca num ponto essencial do impasse: afinal, quem paga os esforços da transição climática? Uma divisão rígida que coloque como pagadores apenas os países formalmente classificados como desenvolvidos deixaria de fora, por exemplo, a China, que é atualmente o maior poluidor do mundo — mas que, formalmente, continua a ser classificada como uma economia em vias de desenvolvimento. A própria China tem procurado reforçar-se justamente como um líder entre os países em desenvolvimento, chamando para si essa designação.

“A União Europeia tem liderado este esforço. E continuará a assumi-lo. Mas precisamos de todos e do esforço de todos”, disse ainda o secretário de Estado. “Outro dos objetivos de Portugal é que o financiamento público, que constitui uma componente central, possa ser complementado com mais investimento privado.”

Modelo já não funciona

No final da primeira semana da COP 29, um grupo de proeminentes líderes mundiais ligados à luta climática divulgou uma carta aberta a alertar para o que a maioria dos delegados já sabia de antemão: as COP já não estão a ser eficazes.

“A COP já não é adequada aos seus objetivos”, diz a carta assinada por figuras como o ex-secretário-geral da ONU Ban Ki-moon, a antiga secretária-executiva da UNFCCC Christiana Figueres, o climatologista Johan Rockström ou a antiga Presidente irlandesa Mary Robinson. “A sua estrutura atual é simplesmente incapaz de produzir mudanças a uma velocidade e escala exponenciais, que são essenciais para garantir uma zona climática para a humanidade.”

A carta aberta pede uma reformulação do modelo de conferência, que tem sido crescentemente visto como ineficaz: as negociações arrastam-se no tempo, produzem textos vagos, falham sistematicamente as metas e não são capazes de gerar consensos significativos entre as várias nações do mundo. As últimas edições da COP têm sido frequentemente apontadas como fracassos — o que tem levado muitos a questionar a utilidade destas conferências.

"A COP já não é adequada aos seus objetivos. A sua estrutura atual é simplesmente incapaz de produzir mudanças a uma velocidade e escala exponenciais, que são essenciais para garantir uma zona climática para a humanidade."
Carta aberta assinada por vários líderes mundiais

No texto, os signatários pedem uma “revisão fundamental da COP”, de modo a “substituir a negociação pela implementação”. A proposta da carta aberta passa por reformular a própria seleção dos países anfitriões, que devem passar a ser apenas os países mais cumpridores e ambiciosos no que toca às metas do Acordo de Paris, mas também por reduzir a dimensão e aumentar a frequência das conferências, colocar um maior foco na concretização de medidas e no acompanhamento do financiamento. O documento apela ainda a um maior envolvimento da comunidade científica nestas discussões e a aumentar a transparência sobre os lóbis presentes nas COP.

Francisco Ferreira diz que o setor ambientalista tem “perfeita consciência” do problema, mas sublinha que não é fácil encontrar uma solução.

Por um lado, defende, há “pessoas a mais e transparência a menos”. Por outro lado, “limitar a participação das pessoas”, deixando de fora, por exemplo, as ONG, seria coartar a participação da sociedade civil”. É difícil, acrescenta, “conseguir um equilíbrio sobre aquilo que é uma conferência desta natureza”.

O ambientalista concorda, porém, que é necessário um “sinal político”, como é pedido na carta: “Ter conferências em países como o Azerbaijão, o Egipto [2022], os Emirados Árabes Unidos [2023], do ponto de vista dos direitos humanos e dos combustíveis fósseis, conduz a presidências que têm estas limitações.”

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