Há um ano, sentado no topo da mesa improvisada no Palácio da Ajuda onde em tempos de pandemia tem reunido semanalmente o seu Governo, António Costa começou a notar o desgaste entre a sua equipa e até dúvidas de alguns ministros sobre a capacidade deste Executivo manter-se em funções. Havia ministros, como Pedro Nuno Santos, mais agastados do que outros com o voto do PCP contra o Orçamento intercalar e o desafio crescente do Bloco de Esquerda em fazer o mesmo (e fez), mas a crise pandémica tocou no moral geral — e outros casos específicos em ministros concretos, como Eduardo Cabrita. Nem perante isso Costa remodelou mais do que uma troca cirúrgica nas Finanças (em setembro de 2020). Dispara a quem o quiser ouvir que não é grande adepto de remodelações. E continua assim, tanto que tem dois ministros recordistas nas suas pastas e, caso sigam funções até ao final desta legislatura, há mais cinco que podem juntar-se a eles. Há ainda mais dois que se tornaram campeões na longevidade depois de integrarem governos seus.
Ainda está longe de apanhar Cavaco Silva no tempo de funções como primeiro-ministro, há ainda 1.588 dias a separá-los, ou seja, mais de quatro anos (que o socialista não descarta ainda vir a cumprir). Mas por agora pode já dizer-se que António Costa é bem mais conservador do que o antigo chefe de Executivo (e não só) quanto a mexidas nas suas equipas governativas. O Observador foi fazer contas aos anos em que cada figura ocupou as principais pastas ministeriais em cada um dos governos constitucionais e mostra-lhe as conclusões.
Costa tem recorde absoluto nas mãos
Comecemos pelo primeiro-ministro que é, ele mesmo, uma das figuras do atual Governo que há mais tempo está em funções governativas de topo. Está hoje nos 4444 dias se somarmos os dias como chefe do Executivo (os últimos cinco anos e meio) e aqueles que já trazia como ministro (dos Assuntos Parlamentares, da Justiça e da Administração Interna). Só é batido por dois socialistas: o papa-Ministérios-e-governos, Augusto Santos Silva, e o eterno homem da Ciência Mariana Gago.
Mas este pódio pode ter novo líder se Costa se mantiver até ao final da legislatura (outubro de 2023), altura em que completará mais de 5 mil dias em cargos do género, mais do que qualquer outro político em Portugal. Mas para isso terá de dar, entretanto, ao seu ministro dos Negócios Estrangeiros a tal possibilidade de voltar à sua profissão como professor, na Faculdade de Economia do Porto, antes do termo da legislatura. Se, pelo contrário, Santos Silva também se mantiver até outubro de 2023, o recorde será dele como é atualmente.
Já entre os primeiros-ministros, Costa é neste preciso momento o quarto que há mais tempo está no cargo, atrás de Cavaco Silva, António Guterres e José Sócrates. No entanto, salta para o primeiro lugar desta mesma lista se somarmos aos dias como chefe de Governo àqueles em que Costa foi, no passado, ministro. Cavaco Silva foi apenas ministro das Finanças e do Plano de Francisco Sá Carneiro durante 372 dias, pouco mais de um ano e bem longe dos 2.389 (não seguidos) em que Costa trabalhou como ministro nos dois governos de António Guterres (nos Assuntos Parlamentares e na Justiça) e no primeiro de José Sócrates (como ministro da Administração Interna, tendo saído ao fim de dois anos para se candidatar à Câmara de Lisboa).
Os dois líderes e os cinco em vias de o ser (se Costa não os remodelar entretanto)
Tiago Brandão Rodrigues é o ministro da Educação que mais tempo esteve em funções até agora, são já 2.055 dias que podem subir para 2.891 caso Costa o mantenha até ao fim. João Pedro Matos Fernandes é o outro recordista deste Governo, sendo o ministro do Ambiente que mais tempo está na função, com os mesmos números de Brandão Rodrigues. Em ambas as pastas nunca houve nenhum que se tivesse mantido tanto tempo até hoje.
Curiosamente, os dois são seguidos, nos respetivos pódios, por ministros de outro Governo socialista: o primeiro de José Sócrates. Nessa era, Maria de Lurdes Rodrigues manteve-se sempre como ministra da Educação — depois de ter passado por uma forte contestação dos docentes por causa do modelo de avaliação de desempenho — e Nunes Correia como ministro do Ambiente.
Mas esta lista de recordistas pode aumentar para o lado de Costa em pouco tempo. Note-se, por exemplo, o caso do elemento que mais debaixo de fogo tem estado, o ministro da Administração Interna (MAI). Eduardo Cabrita está a pouco mais de cem dias (a cerca de quatro meses) de igualar o número um naquela função, Rui Pereira, o sucessor de António Costa na pasta em 2007, e de ultrapassar Dias Loureiro, o MAI de Cavaco Silva entre 1991 e 1995. Cabrita entrou para a Administração Interna depois da saída de Constança Urbano de Sousa, a ministra que Costa manteve até ao limite de um responso público do Presidente da República, após uma segunda trágica vaga de incêndios em 2017.
Costa tem tentado esbater as críticas a Cabrita na dureza do cargo que ele mesmo já assumiu. Ou seja, empurrando responsabilidade para o peso da pasta e não para a falta de peso do nome que a ocupa. Mas o caminho de Cabrita (e de Costa) estreitou-se depois de um caso que não tem uma decisão política associada, o atropelamento mortal de um trabalhador num autoestrada pelo carro que transportava o ministro. O caso tem feito a oposição saltar entre decretos sobre a insustentabilidade política de Cabrita e os pedidos diretos da sua demissão. Até agora não houve um único ministro da Administração Interna que tivesse cumprido quatro anos de mandato em funções (seja por remodelações ministeriais, seja porque os governos que integraram não chegaram, também eles, ao fim).
Na Saúde, o centro do furacão Covid-19, o cansaço tem sido sinalizado de forma recorrente. Marta Temido não começou de início com António Costa, que primeiro teve na pasta Adalberto Campos Fernandes, mas se o primeiro-ministro seguir a sua linha de resistência em mexer nos comandos de áreas sensíveis na hora h (só o fez quase obrigado) e Temido ficar até ao fim, pode bater o número um Paulo Macedo. O ministro da Saúde de Passos Coelho esteve 1.592 dias no cargo, numa pasta onde a retenção até tem sido elevada, com nove ministros a manterem-se mais de mil dias em funções (e com tempos muito próximos). Leal da Costa foi o que esteve menos tempo no cargo, os 27 dias da curtíssima existência do segundo Governo de Pedro Passos Coelho.
Francisca Van Dunem está ainda mais perto de bater o recorde na sua área de governação. Está a menos de dez dias de apanhar o ministro da Justiça que, até aqui, tinha ficado mais tempo no cargo: Laborinho Lúcio, do Governo da segunda maioria de Cavaco Silva. Van Dunem foi a escolha de Costa logo em 2015 e um dos 12 nomes que transitaram para o segundo Governo do socialista. O seu nome sofreu forte contestação após a polémica gestão da nomeação de José Guerra como procurador europeu e a própria ministra já assumiu publicamente que, nessa altura, ponderou demitir-se. Durante uma audição na Assembleia da República, em janeiro deste ano, Van Dunem revelou que pensou nessa possibilidade e que desistiu perante a reafirmação de confiança por parte do primeiro-ministro.
Ainda no grupo de elementos que estão prestes a liderar a lista de antiguidade na pasta, surge Pedro Siza Vieira. O ministro da Economia que António Costa chamou para este cargo em outubro de 2018 está há mil dias naquele Ministério, faltando pouco mais de 500 dias para bater o controverso Manuel Pinho. O ministro da Economia de Sócrates foi o mais duradouro na Economia — da qual saiu depois de um episódio insólito, durante um debate do Estado da Nação no Parlamento, onde foi apanhado a fazer corninhos em direção ao então líder parlamentar do PCP, Bernardino Soares. Siza Vieira, amigo próximo de António Costa desde a juventude, já está a poucos dias de atingir o segundo posto deste ranking, ultrapassando Joaquim Pina Moura e o seu antecessor Manuel Caldeira Cabral, mas ainda terá de cumprir mais de um ano em funções para bater Pinho.
João Gomes Cravinho, na Defesa, tem os mesmos mil dias que Siza em funções e, tal como o colega da Economia, também pode chegar ao número um. Mas neste caso ficaria em ex aequo com o recordista Fernando Nogueira, o nome que Cavaco Silva escolheu para ficar à frente da Defesa no seu segundo Governo maioritário.
Há ainda dois nomes que passaram pelo primeiro Governo de António Costa que bateram recordes de longevidade nas respetivas pastas durante esse tempo. Foram os casos de José António Vieira da Silva e de Luís Capoulas Santos. No caso do homem que dois primeiros-ministros socialistas chamaram para a Segurança Social, Vieira da Silva, ficou com o lugar no ranking que era anteriormente de Silva Peneda durante o Governo anterior de António Costa. E Capoulas, chamado para a Agricultura primeiro por António Guterres, em 1998, e depois por António Costa, em 2015, está longe de ver o seu posto de longevidade a ser ameaçado nos próximos tempos.
Os papa-pastas (um também ainda está em funções)
Há ainda outra lista que sai de todas estas: quem esteve mais tempo em funções até agora. Sim, já se sabe, Santos Silva ganha o prémio sem surpresa. No entanto, o socialista não é o único a ter passado por quatro pastas diferentes nos vários Governos que integrou. Fernando Nogueira já o tinha feito antes dele.
O homem que sucedeu a Cavaco na liderança do PSD, depois de anos de governação, tinha sido chamado pelo então primeiro-ministro para chefiar áreas tão diversas como a Justiça, a Defesa, os Assuntos Parlamentares, ou a Presidência do Conselho de Ministros (algumas de forma cumulativa). Santos Silva precisou de mais primeiros-ministros para conseguir atingir esta mesma diversidade ministerial: Guterres chamou-o para a Educação e Cultura, Sócrates colocou-o nos Assuntos Parlamentares e depois da Defesa e, por fim, Costa que o mantém até agora à frente dos Negócios Estrangeiros.
António Costa, já se escreveu aqui, foi ministro em três áreas diferentes, e Jaime Gama (o próximo nesta lista) por outras três: Administração Interna, Negócios Estrangeiros (duas vezes — com Soares e com Guterres) e Defesa. João de deus Pinheiro foi o outro nome que já correu mais do que uma área de governação, contando no currículo com passagens pela Educação (escolhido pelo primeiro-ministro Mário Soares), Educação e Cultura (pela mão do primeiro-ministro Cavaco Silva) e, por fim, Negócios Estrangeiros (também com Cavaco).
Mariano Gago é o primeiro que precisou apenas de uma área, a Ciência, para constar nesta lista de longevidade.
Outras curiosidades: o ministro da troika e os que não chegarão ao topo (pelo menos desta vez)
O ministro das Finanças mais longevo pertence a José Sócrates, numa relação tão longa como intensa e que terminou num desentendimento fatal entre os dois. O nome é o de Fernando Teixeira dos Santos que Sócrates chamou para integrar o Governo depois da saída abrupta e precoce de Luís Campos e Cunha, quatro meses depois da nomeação para o cargo. E a história entre Teixeira dos Santos e do então primeiro-ministro conta-se de forma breve, ainda que as suas consequências tenham perdurado: o ministro das Finanças foi quem precipitou o pedido de ajuda à troika, em 2011, perante a resistência do primeiro-ministro em fazê-lo no timing que Teixeira dos Santos queria. Bastou uma declaração do ministro, numa entrevista ao Jornal de Negócios, para desencadear o pedido que marcou os anos que se seguiram.
No Ministério dos Negócios Estrangeiros, Santos Silva não bate Jaime Gama em longevidade e não vai consegui-lo ainda que possa manter-se em funções até outubro de 2023. O mesmo para Mariana Vieira da Silva, o braço direito de Costa no Governo, que não apanhará Fernando Nogueira na Presidência do Conselho de Ministros ainda que fique ministra até ao fim do mandato do Governo. E o mesmo ainda para Graça Fonseca, que mesmo que fique até ao fim, não alcança Manuel Maria Carrilho que se manterá o ministro da Cultura mais duradouro.
Nas infraestruturas também não será no mandato deste Governo que Pedro Nuno Santos atingirá o recorde de Joaquim Ferreira do Amaral. A pasta que o homem de Cavaco para esta área ocupou tinha outro nome, Obras Públicas, mas o grosso da substância é o mesmo.
Remodelação na gaveta (como Cavaco?)
Os sinais que Costa tem dado nos últimos tempos estão longe de apontar para uma saída a curto prazo. O Observador tinha adiantado isso mesmo quando noticiou a moção que o socialista vai levar ao congresso do partido e em que fala de gerir a crise até ao fim, mas também quando deu conta do passo atrás na geração seguinte perante as indicações que o primeiro-ministro vai dando internamente. Se antes da pandemia, Costa tinha outubro de 2023 como limite, o momento vivido há mais de um ano com a Covid-19 fez o primeiro-ministro reequacionar esses planos.
Junta-se ainda o facto de ter dito, numa entrevista ao Público ainda este mês, que neste momento não existem cargos europeus disponíveis, depois de ter declinado a presidência do Conselho Europeu em 2019, para afastar a ideia de que possa deixar o Governo tão cedo. Isto ainda que na mesma entrevista, o mesmo Costa tenha advertido também que não planeia nada e que “as coisas acontecem quando têm de acontecer”, o que deixa tudo mais ou menos como está agora: sem certezas absolutas.
Há uma coisa certa na cabeça do primeiro-ministro: a falta de vontade de remodelar nos próximos meses. Mas no caso de um Governo já tão longo, os imponderáveis da política tornam-se antes ponderáveis, que o diga (e escreveu-o no segundo volume da sua “Autobiografia Política”) Cavaco Silva. Em dezembro de 1989, por exemplo, o então primeiro-ministro deparou-se, “espantado”, com a urgência de Eurico de Melo sair do Governo com queixas de falta de confiança por parte do primeiro-ministro. Ainda assim, executava a remodelação sempre rapidamente, recorrendo a uma cábula que guardava numa gaveta da secretária e que ia atualizando com nomes de ministeriáveis ao longo do tempo.
A quase dois anos de legislativas (mais ou menos a distância a que Costa está de nova prova eleitoral), Cavaco acabou por aproveitar para uma “remodelação profunda” que “transmitisse a ideia de uma nova fase da ação governativa”. Vinha de autárquicas (em dezembro de 89) e queria “recuperar eleitorado”, a tempo das legislativas de 1991.
O plano estava em pousio, tendo sido empurrado por um caso inesperado, num calendário eleitoral não muito distante do que António Costa tem em mãos. Mais tarde, em 1993, noutra remodelação mais extensa, no timing de Cavaco pesou ainda outro elemento que parece ter igual valor da ponderação de Costa: o momento da entrega do Orçamento do Estado. Nessa altura, Cavaco remodelou depois das autárquicas, em que o PSD tinha afrouxado o seu poder no plano local, mas com o primeiro-ministro a querer preservar o momento da entrega do Orçamento para o ano seguinte. Esquemas mentais que não parecem muito distantes do que pode estar a ser medido por António Costa nesta fase em que uma remodelação já parece uma inevitabilidade.
O paralelismo com os governos de Cavaco Silva é incontornável já que Costa é hoje o primeiro-ministro que pode bater esse recorde de dois governos completos (no caso de Cavaco, com maiorias absolutas). É também por isso o primeiro-ministro com quem mais tende a disputar a liderança deste ranking de longevidade por pasta. Para bater Cavaco Silva, Costa terá de cumprir o mandato até ao fim e voltar a ser candidato em 2023.