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Em dia de festa houve de tudo, até aqueles militantes bicudos mais difíceis de rever, caso de Joaquim Morão, que está no centro de uma investigação sobre corrupção na Câmara de Lisboa na altura em que estava sob o poder socialista — e que esteve a falar longamente, a um canto da sala do Pavilhão Carlos Lopes, com o então vereador do urbanismo Manuel Salgado. E até houve uma pequena revisão da história, em espírito de ajuste de contas com outro caso bicudo do partido, mas esse um ex-líder — mais um dos ausentes. António Costa aproveitou a celebração dos 50 anos do partido para tirar do peito de José Sócrates a medalha da primeira maioria absoluta conquistada pelo partido.
Entregou-a a Eduardo Ferro Rodrigues que, a par de Vítor Constâncio, foi um dos dois únicos ex-líderes (dos cinco que que estão vivos) que estiveram neste jantar. A ausência de Sócrates já era conhecida, não foi sequer convidado para o encontro, a de António Guterres, atual secretário-geral da ONU, era previsível, já a de António José Seguro era uma incógnita. Mas a má relação com Costa (que tomou a sua liderança em 2014) acabou por falar mais alto. Ainda assim, foi referido — de passagem — por Costa que saudou “todos os antigos líderes, desde Mário Soares a António José Seguro”.
Depois seguiu direto para o tal acerto com o passado: “Convém recordar, porque às vezes nos esquecemos, que foi mesmo com Eduardo Ferro Rodrigues que o PS conquistou a primeira maioria absoluta”. E com isso, continuou o líder, “infligiu uma monumental derrota à direita em Portugal”. Nesse resultado eleitoral, era o PSD Governo, com Durão Barroso primeiro-ministro, o PS teve 44,5% dos votos, contra 33,3% da coligação que incluída o PSD, o que significou metade (12) do total de eurodeputados (24) que o país elegia para o Parlamento Europeu. A maioria absoluta é normalmente atribuída a vitórias em legislativas em que o partido mais votado consegue 50+1 dos votos, o que aconteceu duas vezes no PS, a primeira com José Sócrates, em 2005. A segunda, em 2022, com António Costa.
Mas esse pedaço da história, em que Sócrates conquistou 120 deputados para o PS, foi posto em segundo plano pelo líder — ainda que no vídeo comemorativo do partido, que passou antes das intervenções da noite, a imagem de Sócrates tivesse surgido nos vários ecrãs espalhados pela sala com essa mesma referência: “A primeira maioria absoluta do PS”.
Na sua intervenção, Costa procurou incluir todos, salientado conquistas associadas aos períodos de governação. Falou na aprovação “das mais importantes leis contra a corrupção”, por exemplo, na era de António Guterres. Na criação do Rendimento Social de Inserção, nessa mesma era, mas desta vez referindo o então ministro Ferro Rodrigues. E também a criação do complemento solidário para idosos, durante a governação de José Sócrates.
Desse tempo também lembrou mais reformas do que qualquer outro período, passando pelo Novas Oportunidades (o programa de formação de adultos), o Plano Tecnológico e, por fim, a aposta nas eólicas. Mas em nenhum destes pontos já referiu o Governo de origem, os de José Sócrates.
Na sala até houve um momento curioso, quando interveio o antigo líder do PSOE Felipe González, que a dada altura do seu discurso falou em Sócrates, mas afinal era o filósofo. Nas mesas do fundo da sala, onde estavam muitos governantes, houve alguns risos quando se ouviu “hoje podem falar-nos Sócrates… e Séneca e tantos outros”. González falava na necessidade de preservar a “condição humana”, perante a “revolução tecnológica”.
A reconciliação com o passado governativo parece estar feita, já com o passado do político que esteve à frente desse histórico é mais difícil — e isso ficou claro neste jantar. Aliás, a presença de Sócrates foi posta de parte logo à partida, com a direção do partido a justificar não lhe ter feito o convite para estar presente com a desfiliação do ex-líder em 2018.
A pacificação com Seguro, o líder que Costa apeou da liderança em 2014 e com quem nunca teve uma boa relação também fica por fazer. Foi mais um ex-líder que não esteve presente — este por escolha sua, já que foi convidado mas optou por não ir ao Pavilhão Carlos Lopes, onde o partido se juntou.
E outro ausente de peso foi Pedro Nuno Santos. O ex-ministro e nome mais falado para o pós-costismo saiu do Governo, está a braços com a polémica da TAP, ainda vai ser ouvido na comissão de inquérito (para onde está a aguardar a sua reaparição), e preferiu não aparecer nesta fase. Na semana passada ouviu uma reprimenda póstuma de Costa, que veio fazer declarações à Lusa a referir que se tivesse tido conhecimento do polémico e-mail do ex-secretário de Estado das Infraestruturas teria demitido Hugo Mendes. O secretário de Estado já tinha saído, assim como o ministro que o nomeou, Pedro Nuno, cuja relação que, como tutela, manteve com a TAP, também mereceu reparos públicos de Costa. O afastamento está traçado.
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Tiro ao populismo e aos seus “amigos mais próximos”, o PSD
De resto, compareceu em peso o Governo atual e alguns dos elementos do seu passado, caso de Matos Fernandes ou Maria Manuel Leitão Marques, Pedro Marques (estes dois atualmente eurodeputados), Tiago Brandão Rodrigues (hoje deputado) ou até mesmo Eduardo Cabrita, o ex-ministro da Administração Interna que está a ser ouvido como arguido no caso do atropelamento mortal pelo seu motorista quando estava em funções governativas. Esse caso (e outros) acabaram mesmo por ditar a sua saída antecipada do último Executivo de António Costa, num desgaste prolongado no Governo que já se estava a tornar incómodo para alguns socialistas.
Além da revisão da história e de toda a matéria dada (ou reformas socialistas de outras eras), António Costa também aproveitou o discurso, antes do jantar ao estilo de campanha com carne assada no prato, para atirar à direita a que apontou a “inveja que tem no seu ADN”. “Só se preocupa com os que estão menos desenvolvidos se aproximam. Nós não temos inveja, temos satisfação”. “Sabemos que quando todos enriquecem, todos ficamos mais ricos”, atirou.
Depois também falou da “guerra” que hoje “pode ser outra, podemos ter uma nova trincheira, mas vamos ter sempre uma guerra pela frente para travar. Hoje já não há uma ditadura que nos persegue mas há um populismo que ameaça a democracia e temos de combater esse populismo”, afirmou. A extrema-direita já tinha sido referida pelo presidente do partido na primeira intervenção da noite, com o ataque mais duro a essa frente a ficar precisamente para Carlos César, apontado ao PSD, referindo mesmo a sua “benevolência e cumplicidade”. César não nomeou o PSD, mas referiu-se aos “amigos mais próximos [do populismo], à direita do PS”.