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A indústria de produção de videojogos está mais madura, mas reclama mais atenção para o seu potencial

dpa/picture alliance via Getty I

A indústria de produção de videojogos está mais madura, mas reclama mais atenção para o seu potencial

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Cresceu, multiplicou-se e pode ajudar a reter talento. Indústria de videojogos já vale milhões mas pede apoios para subir de nível

Há mais empresas, mais jogos e também mais oferta formativa no mundo dos videojogos em Portugal. A indústria de produção cresceu e está mais madura, mas pede mais incentivos.

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Existe a possibilidade de já ter passado o tempo com algum jogo criado em Portugal sem se ter apercebido. A indústria portuguesa de produção de videojogos amadureceu, mas vários intervenientes admitem ter ainda um longo caminho a percorrer até chegar ao mesmo nível de atenção e investimento que conquistaram outros produtores europeus, como a Finlândia ou a Alemanha.

Há cerca de vinte anos, os passos da indústria eram tímidos e pouco visíveis. “Em 2004 já havia algumas empresas, era um arranque de século com algum surgimento de projetos”, conta Ricardo Flores Santos, consultor da indústria e responsável pelas operações globais da companhia de jogos Kokku, que está no setor há duas décadas. “Mas era uma indústria praticamente inexistente, nada comparável com o que existe hoje.”

Os primeiros estúdios dedicavam-se principalmente aos jogos indie (independentes), em equipas de pequenas dimensões. Hoje, o cenário é outro. Há estúdios a produzir jogos para várias plataformas, dos smartphones e tablets (jogos mobile) até ao PC e consolas, que em alguns casos  alcançam milhões de utilizadores por dia.

“Portugal colocou-se no mapa”, dizem várias vozes do setor, ainda que lamentem a ausência de apoio de relevo à indústria. “Os videojogos são um setor obviamente aliciante. Portugal tem um problema com a emigração dos mais jovens, que são formados cá e que vão gerar riqueza para Inglaterra ou para a Suécia”, explica ao Observador Jeferson Valadares, o presidente da Associação de Produtores de Videojogos Portugueses (APVP), criada em 2021 para juntar as empresas produtoras. “Para as pessoas ficarem cá tem de haver alguma coisa interessante para fazerem. E acho que os videojogos podem suprimir essa lacuna — juntam tecnologia, inovação, o lado criativo. E é um dos maiores negócios que existem dentro do entretenimento.”

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Os dados mais recentes sobre a atividade do setor são de 2022. O Instituto Nacional de Estatística (INE) estima que a produção de videojogos empregue em Portugal cerca de mil pessoas e que gere um volume de negócios de 38,4 milhões de euros. É um salto de 61% face ao ano anterior, quando o setor gerou 23,8 milhões de euros. Os dados relativos a 2023 só deverão ser conhecidos no final deste ano, antecipa o INE.

Também o número de empresas registadas nesta atividade económica cresceu, passando de 81 para 114 em 2022. Deste total, uma boa parte (53 empresas) tem sede na Área Metropolitana de Lisboa, seguida pela região Norte (25 empresas) e Centro (21).

O Instituto Nacional de Estatística (INE) estima que a produção de videojogos empregue em Portugal cerca de mil pessoas e que gere um volume de negócios de 38,4 milhões de euros.

Produtores organizaram-se numa associação para alavancar a indústria

Em 2021, em plena pandemia que deu mais um impulso à indústria dos videojogos, surgiu a Associação de Produtores de Videojogos Portugues (APVP). Ainda que já existisse a Associação de Empresas Produtoras e Distribuidoras de Videojogos (AEPDV), foi sentida a necessidade de ter alguém a olhar “mais para o lado da produção, do emprego, impostos, vistos, as coisas que são precisas para produzir”, explica ao Observador Jeferson Valadares, o presidente da APVP e vice-presidente da empresa de videojogos Fortis.

Valadares começou a carreira no Brasil há 25 anos e, há quase duas décadas, percebeu que para evoluir era preciso sair do país. Trabalhou na Finlândia, em Inglaterra, para a gigante EA em títulos como “Harry Potter” ou “Need for Speed”. Rumou aos Estados Unidos para trabalhar novamente com a EA e, mais tarde, com a BioWare, a responsável por jogos como a franquia “Mass Effect”. Em 2018, quis voltar à Europa. Analisou vários mercados até se fixar em Lisboa, onde criou a Doppio Games, entretanto adquirida pela norte-americana Fortis.

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Outros pontos da Europa, como Paris, Londres, Estocolmo ou Barcelona tinham uma “indústria mais avançada, com mais empresas”, mas Portugal tinha outras vantagens. “Há muitos cursos, a educação é boa, as pessoas saem bem formadas das faculdades e toda a gente fala inglês”, contextualiza. Começou a apresentar-se a vários “players” da indústria nacional e percebeu que o mundo dos videojogos em Portugal é composto por várias empresas com dimensões — e necessidades — muito diferentes.

Jeferson Valadares, o presidente da APVP

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

De 2021 para cá, a APVP tem crescido. Conta agora com 29 associados, incluindo algumas empresas que não foram criadas em Portugal mas que vieram entretanto para o país, como a britânica FRVR. A ideia, explica o presidente, foi sempre a de “ter a representatividade da indústria.” “Temos a Miniclip, que é a maior empresa em termos de emprego, a Funcom, a Saber no Porto, o pessoal das ilhas”, diz, referindo-se à Redcatpig, que trabalha globalmente a partir da Terceira, nos Açores.

“Temos todos os segmentos e também problemas diferentes”, refere, exemplificando que as empresas mais pequenas podem estar mais preocupadas com o aumento de vendas enquanto as maiores preocupam-se em “como trazer um candidato do exterior, com fiscalidade ou incentivos à investigação”. “Queremos trabalhar para toda a indústria” e ao longo de todo o ciclo da produção, assegura o responsável. Há alguns critérios para se fazer parte da associação: além de trabalhar na produção, há uma quota fixa anual de 500 euros.

Os trabalhos da APVP refletem-se em várias áreas, desde os esforços para a participação em eventos internacionais até ao contacto com universidades para tentar adequar currículos. E, mais recentemente, também nos contactos com o Governo no sentido de pedir ajuda em algumas questões, nomeadamente de incentivos às empresas em fase inicial. “Não estamos a tentar inventar a roda”, assegura Jeferson Valadares, mas sim a tentar “harmonizar como que já se faz no resto da União Europeia”. Segundo a APVP, países como França ou Espanha têm incentivos do género. Ainda que não haja para já conclusões do contacto com o executivo, a associação fala em “boa recetividade pelos números da indústria”.

Além dos esforços da associação, há também outra vertente a imprimir dinamismo ao mercado: um consórcio no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). O eGames Lab, sediado no Funchal, na Madeira, e liderado pela Wow Systems, envolve diversas empresas, com um total de investimento previsto de 29 milhões de euros, em que 23 milhões são financiados pelo PRR. Até junho, criou 112 postos de trabalho e quer continuar a desenvolver a indústria de jogos e restantes indústrias criativas.

Consórcio eGames Lab cria 112 postos de trabalho e investe 29,9 milhões de euros

“Ter uma agenda com foco nos videojogos é algo fantástico para nós”, resume Marco Bettencourt, um dos fundadores do estúdio açoriano Redcatpig, que também integra o consórcio. “Viram realmente o valor que aquilo que estamos a tentar fazer vai ter na nossa economia nacional.”

Além do “ritmo interessante” de contratações possível pelos fundos do PRR, Marco Bettencourt relata que, “se não fosse isto”, a participação portuguesa no evento internacional GDC “não teria sido possível”. “Se não fosse a agenda [mobilizadora], nós nunca teríamos ido, por exemplo, numa missão a Macau e a outros mercados que são muito importantes para nós, mas em que as missões são extremamente caras”.

Fala numa “mais-valia tremenda” do consórcio na tarefa de “colocar Portugal no mapa”. “É uma ótima jogada, porque estamos a falar de uma indústria que é à prova de pandemias e que tem dado cartas.”

Uma indústria capaz de “puxar por outros setores culturais”

O fundador da Redcatpig não é o único a destacar o potencial dos jogos portugueses. “É um setor que cresce rapidamente, é altamente qualificado, multidisciplinar — e é isso que é importante perceber”, conta a partir do Porto, Rui Guedes, da Ground Control Games, uma empresa que, além de criar videojogos, também aplica a vertente do “gaming” a soluções que desenvolve para outras companhias.

Foi a empresa que desenvolveu, por exemplo, o simulador de cozinhas da cadeia de bricolage e construção Maxmat. “A indústria de videojogos fomenta todas as indústrias criativas: damos emprego a escritores, cinematógrafos, animadores, atores, músicos. Conseguimos puxar por outros setores culturais, que no nosso país às vezes estão um bocadinho descurados ou não têm tanta presença comercial, conseguimos puxar por isso e polinizar”, explica ao Observador. “Há muitos setores que podem beneficiar de uma indústria de jogos saudável e sustentável, sobretudo na parte cultural”, assegura Rui Guedes.

É responsável por uma equipa de 12 pessoas que já fez chegar ao mercado jogos como “Cosmonaut”, “Zhed” ou “Hyper Gods”. “Somos pequeninos, não podemos investir milhões”, mas “o tamanho da empresa nos videojogos não é significado de sucesso”, acredita. “Não queremos uma equipa muito grande, porque equipas assim também têm entropia.” “Fazemos um investimento para o nosso tamanho”, resume Rui Guedes.

“É um setor que cresce rapidamente, é altamente qualificado, multidisciplinar — e é isso que é importante perceber”, conta a partir do Porto, Rui Guedes, da Ground Control Games.

A gestão de tempo é importante no mundo dos jogos, em que não basta pensar só no desenvolvimento do jogo. É o que explica Muhammad Satar, o fundador da Infinity Games, sediada em Odivelas e que tem nos jogos mobile o principal mercado. “Hoje em dia temos um portefólio de mais de 35 jogos e uma equipa de 30 pessoas, dispersa por todo o mundo, desde Lisboa, Austrália, Brasil e Índia”, explica ao Observador.

Dá como exemplo o título mais recente da empresa, o “Pack & Match 3D”, em que é preciso fazer combinações entre objetos. “Estamos a lançar o jogo globalmente e a escalar mercados passado um ano, um ano e meio. Durante este período todo só investimos no jogo, não tivemos qualquer tipo de proveito nem esperamos vir a ter até março do próximo ano”, revela.

“É desafiante, estamos a falar de um ano, ano e meio desde o momento em que pensamos na ideia até ao momento em que o lançamos no mercado.” E, mesmo assim, não é sinónimo de que o trabalho terminou. “Todos os jogos têm atualizações, eventos. Como jogadores, queremos ver sempre coisas novas e as experiências têm de ser localizadas. Nos EUA temos o feriado do 4 de julho, tem de haver um evento especial para lá.”

Assume que a concorrência no mercado mobile “é brutal” e em que se “concorre a nível mundial”, com estúdios que podem estar na Turquia, Índia ou Polónia. “Qualquer pessoa em qualquer parte do mundo consegue lançar um jogo, colocá-lo numa loja de aplicações e competir”, lembra. “O que tentamos é ser distinguidos pela nossa arte. Temos muitos bons artistas e game designers, ou seja, não só a arte mas toda a experiência do utilizador.”

Também há empresas fora dos grandes centros metropolitanos, como a Redcatpig, instalada na ilha Terceira. “Há sempre aquela forma de pensar muito natural de que é nas metrópoles que as coisas se desenvolvem, ou é em Lisboa, ou é no Porto, no caso de Portugal não é. Nós provamos que são as pessoas e a infraestrutura que fazem com que a tua empresa ou a tua startup consiga dar aqui os primeiros passos. Conseguimos encontrar isto nos Açores”, nota Marco Bettencourt, responsável pela empresa que desenvolveu o “Keo”, um jogo de veículos de combate rápido.

O fundador, que nasceu nos Açores mas foi viver para o Brasil ainda criança, acredita que a presença nos Açores tem funcionado como uma vantagem para a empresa. “Abre a oportunidade da relocalização [de recursos humanos]. Os Açores são muito bem vistos lá fora” pela combinação de “alta qualidade e baixo custo de vida, principalmente a comparar com Lisboa”. Além disso, nota, o “quadro fiscal açoriano é muito apelativo a comparar com o Continente”.

O jogo "Keo", desenvolvido pela açoriana Redcatpig

O título “Keo” foi lançado com acesso antecipado na plataforma de jogos Steam e gerou “cerca de dois milhões de downloads”. “Foi extremamente positivo, deu para criar uma comunidade.” Uma complicação com um “publisher”, a entidade que “publicita o jogo e assegura o marketing”, levou o estúdio a colocar o lançamento do “Keo” em pausa.

Durante esse tempo, que também serviu para melhorar o jogo, Bettencourt explica que descobriram um “novo modelo de negócio”, o co-desenvolvimento. “Outros estúdios, outras entidades ligadas aos videojogos viram no ‘Keo’ um potencial tremendo em relação à nossa capacidade de produção e começaram a trabalhar connosco para o desenvolvimento de videojogos”, explica o fundador. Assim, a Redcatpig trabalha agora em dois títulos próprios e, em paralelo, tem “equipas dedicadas a trabalhar em projetos externos”.

O tal modelo de co-desenvolvimento dá outras oportunidades à equipa, como “trabalhar em PC, consola, mobile, realidade virtual, realidade aumentada ou mesmo jogos Web3”. “Abre o nosso leque de conhecimento e faz com que seja uma equipa multifacetada.”

Mas um dos maiores empregadores da indústria de jogos em Portugal não é português. A Miniclip, que há cerca de 20 anos era conhecida pelos jogos flash acessíveis pela web, tem há mais de uma década presença no país.

Hoje em dia, o site da Miniclip já não existe, pelo menos como se tornou conhecido: tem apenas dois jogos.  A grande aposta é mesmo o mobile — o tipo de estúdio instalado no mercado português. “O mobile estava a crescer e em Portugal havia uma boa capacidade técnica”, contextualiza André Pais, responsável de estúdio que tem em mãos a pasta dos jogos feitos em Portugal e uma equipa de cerca de cem pessoas.

A presença da Miniclip no país é feita através de um grande estúdio, que emprega 300 pessoas, mas que na realidade são três, explica André Pais. Além do estúdio dos jogos desenvolvidos cá, há um dedicado exclusivamente ao “8 Ball Pool”, um dos maiores jogos da empresa, com o qual milhões de pessoas interagem diariamente, e outro apenas para os jogos externos, em que a Miniclip “cria jogos em conjunto com outras entidades e ajuda na parte do marketing”.

Do estúdio liderado por André Pais já saíram vários títulos. “Há cerca de 16 a que efetivamente ainda damos algum suporte.” Mas não há dúvidas na hora de eleger os maiores sucessos do estúdio de desenvolvimento em Portugal. “O ‘Carrom Pool’, um dos maiores jogos da Índia, que tem cerca de cinco milhões de utilizadores diários, o ‘Agario’ e o ‘Soccer Stars’. São os maiores em termos de utilizadores e também de receita.”

André Pais fala numa “produção global”, o que faz com que “muitas das vezes as pessoas não tenham sequer noção de onde veio este jogo”. “O ‘Carrom Pool’ é muito grande, é jogado pelo equivalente a metade da população de Portugal”, exemplifica.

O profissional, que trabalha na Miniclip desde 2013, é um exemplo de alguém que saiu de Portugal porque “não conseguia encontrar algo nas indústrias criativas”. Quando voltou ao país, surgiu a oportunidade da Miniclip. Numa década, o mercado alterou-se. “Temos vindo a crescer, mas acho que ainda temos um caminho a percorrer. Mas claramente há bastante melhorias e é muito interessante que haja empresas portuguesas a criarem as suas próprias marcas de jogos.”

“Temos vindo a crescer, mas acho que ainda temos um caminho a percorrer. Mas claramente há bastante melhorias e é muito interessante que haja empresas portuguesas a criarem as suas próprias marcas de jogos.”
André Pais, diretor de estúdio da Miniclip

Porém, considera que é preciso “haver um reconhecimento” mais generalizado do “valor da indústria dos videojogos”. “Eu trabalho mais na área de mobile mas ainda há um bocadinho aquela ideia de que ‘ah, isto são joguinhos’. Na realidade é uma indústria muito complexa.”

“Temos cinco ou dez milhões de pessoas todos os dias nos jogos”, exemplifica. Pessoas que precisam de ser entretidas para garantir que continuam ligadas a um jogo e, potencialmente, a fazer algum tipo de compra para progredir. “Temos toda essa parte da economia, a parte da criação do código, o suporte ao jogo que muitas vezes tem de ser um código de bastante complexidade. É como fazer a gestão de um parque de diversões que tem milhões de pessoas todos os dias.”

Há oferta formativa em Portugal, mas falta adaptação às necessidades do mercado

“Portugal tem bastantes cursos, não se pensaria necessariamente nisso, mas há vários”, refere Jeferson Valadares, o presidente da APVP. A questão é que “os cursos mais formais estão geralmente um pouco mais atrasados do que aquilo que se pratica no mercado”. Nesse sentido, a associação também tem feito um esforço para o diálogo com as instituições de ensino superior. Só que harmonizar as necessidades da indústria com os programas curriculares é algo que demora tempo.

Um levantamento feito na página da DGES (Direção Geral de Ensino Superior) aponta para várias licenciaturas disponíveis ligadas à área dos videojogos, como Design de jogos digitais, Desenvolvimento de Jogos, Videojogos ou ainda Animação.

“Verificamos que há cada vez mais oferta”, concorda Muhammad Satar, da Infinity Games. “E há procura por esse tipo de currículos”, realça.

“Temos formação — bastante e boa”, assegura Ricardo Flores Santos, consultor e responsável da companhia de jogos Kokku. “Aliás, há muita gente que saía daqui para Finlândia, Suécia, Alemanha, estamos a perder algumas das pessoas boas que formamos para esses países. Diria que, muitas vezes, o que falta aqui é o tal investimento, que significa também ter a capacidade de agarrar pessoas com vontade de gerir projetos que, às vezes têm algum risco, e de montarem empresas alavancadas em risco.”

Seniores da indústria de videojogos procuram-se

Ainda que a indústria destaque a qualidade da formação e dos recursos humanos em Portugal, há queixas sobre a ausência de um perfil muito específico: trabalhadores mais experientes e capazes de pensar num videojogo de uma forma mais abrangente, da conceção até ao marketing e distribuição.

“Há muita gente boa, jovem, mas não há tantas pessoas seniores que tenham uma experiência mais global, vamos dizer assim. É algo que tem melhorado, mas que ainda tem margem para melhorar”, diz Jeferson Valadares, o presidente da APVP. “Temos pessoas que podem ser boas a fazer o design e a arte do jogo, mas não são formadas para a parte de negócio e de produção complexa”, exemplifica. “Estar a fazer um jogo com cem pessoas não é o mesmo que trabalhar numa equipa de cinco.”

A emigração explica parte da questão. “Estes trabalhos não existiam antigamente aqui, não é? Se as pessoas queriam crescer na carreira tinham de ir para Londres, Estocolmo, outros pontos. A outra parte é que, se se quisesse abrir uma empresa aqui, as pessoas não queriam necessariamente vir para Portugal — mas isso tudo mudou nos últimos cinco anos”, acredita. A possibilidade de trabalhar remotamente, principalmente desde a pandemia, e a existência de mais projetos no país têm ajudado na atratividade.

Jeferson Valadares, da APVP e da Fortis, dá um exemplo mais claro. “Como as pessoas experientes não estão no mercado, isso também não se aprende nos cursos.” Não há fórmulas mágicas para a resolução, mas o presidente da associação contextualiza que estão a ser feitos contactos com “os cursos de gestão e a perceber quais é que já têm módulos de indústrias criativas que possam tentar ser mais focados em videojogos”. Depois, são estabelecidos contactos entre “as pessoas que entendem dessa parte do mercado” e as instituições de ensino.

Muitos dos empresários ligados à produção de jogos em Portugal ouvidos pelo Observador também falam sobre a falta de perfis mais seniores no mercado. “Há poucas pessoas que andem nisto [dos videojogos] há vinte anos”, relata Ricardo Flores Santos. Em parte, é efeito da migração e de quem “desistiu do setor e foi para outras indústrias”, mas também da própria maturidade e mentalidade das empresas. “Não há assim tantas empresas cá com capacidade para pensar em investimento e num jogo como um negócio desde o princípio.”

“Acho que é importante termos talento sénior, mas isso só vem com formação”, completa Muhammad Satar. “Estão a ser dados passos muito importantes nessa parte, mas só vamos ver o reflexo disto daqui a cinco, seis, sete anos”, acredita o fundador da Infinity Games, focada principalmente em jogos mobile mas que também está a apostar num projeto que mistura a realidade aumentada com a virtual.

O espaço "Portugal Games", na feira internacional GamesCom, na Alemanha

APVP

A estreia do espaço “Portugal Games” lá fora e os eventos internacionais cá dentro

Dos EUA a Tóquio, as feiras dedicadas à indústria de jogos foram crescendo de dimensão à boleia dos milhões de utilizadores conquistados. As romarias a eventos internacionais, como a GamesCom, na Alemanha, também se tornaram habituais para muitas das empresas nacionais de videojogos.

Mas há já algum tempo que a indústria reparou numa questão: a ausência de um espaço de Portugal entre os pavilhões internacionais. “Até o Chile tem um espaço. Não é para dizer mal do Chile, mas não são conhecidos pela sua comunidade vibrante de jogos — mas estão a investir e a apostar”, conta ao Observador Rui Guedes, da Ground Control Games, que frequenta o evento há vários anos.

Este ano, a chancela “Portugal Games” estreou-se na GamesCom. “As pessoas diziam mesmo ‘finalmente Portugal tem um stand’”, explica Marco Bettencourt, da Redcatpig. “O stand foi possível e tem vindo a ser possível graças ao esforço enorme de duas organizações, a APVP e o consórcio eGames Lab. Se não fosse esse esforço conjunto, seria muito complicado”, lamenta. “Todos os outros espaços nacionais que estão nesses eventos têm um destaque muito forte do governo daqueles países, ou seja, olham para essa indústria e vêem-na como uma mais-valia. E eu só gostaria que também se começasse a ver isso do nosso lado.”

“A presença nas feiras é muito relevante, acaba por ser uma montra do que fazemos em Portugal”, completa o fundador da Infinity Games. “Falamos de talento sénior que saiu de Portugal e é uma forma de esse talento ver que estão a ser feitas coisas no país e de atrai-lo novamente”, exemplifica. “Mas também mostra a diferentes empresas o que é produzido por talento e trabalho português, porque muitas vezes esse trabalho não é visível. Há empresas estão a trabalhar para organizações americanas, suecas, não é visível de forma tão direta o envolvimento de uma empresa portuguesa. E é uma forma de mostrarmos isso, por um lado, mas também de expor o que é o talento e o produto do trabalho feito em Portugal.”

“Não diria que é pôr Portugal no mapa, porque já estamos, mas é um pouco permitir às empresas terem pela primeira vez uma presença física nesses eventos, um sítio que é nosso. Todos os outros países já tinham, nós foi a primeira vez”, completa Ricardo Flores Santos.

Se as empresas portuguesas vão aos eventos internacionais, também há cimeiras a vir para cá. É o caso do DevGAMM, um evento que começou em Kiev, na Ucrânia, para juntar a comunidade da indústria de jogos e que atualmente tem versões noutros países da Europa. Desde o ano passado, tem também uma versão em Cascais. A segunda, vai realizar-se em novembro, coincidindo com os dois últimos dias da Web Summit.

Maria Chyrvona, CEO da DevGAMM, explica que não foi só a combinação da paisagem junto ao mar e a possibilidade de alguns dias de networking a fazer com que o evento viesse para Portugal. “Há muitas oportunidades que estão a ser criadas em Portugal, há novas empresas a abrir escritórios ou a mudar escritórios para cá. Há muito mais oportunidades para quem desenvolve jogos em Portugal.”

Há um “hype” internacional à volta do desenvolvimento de jogos em Portugal, acredita Maria Chyrvona. A primeira edição, feita em 2023, foi uma espécie de teste, admite a executiva. “Era um ‘vamos experimentar e ver o que acontece’. Mas o feedback foi muito bom, porque tivemos alguns acordos internacionais, até mesmo de alguns estúdios da Alemanha. Não esperavam encontrar algo em Portugal e perceberam que havia uma boa oportunidade de investimento. Ficamos muito felizes em ouvir casos desses”, conta. “Muita gente disse ‘oh, finalmente estão a acontecer coisas em Portugal’.”

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