Descobriu muito cedo que queria ser treinador. Estudou no Luxemburgo quando era miúdo, onde desatou a aprender línguas, pois tinha a convicção que iria tropeçar em jogadores de muitas nacionalidades. Hoje, Luís Pimenta, de 35 anos, sabe sete línguas. Sete. A seguir estudou na Faculdade de Motricidade Humana, em Lisboa, e depois frequentou um curso de Psicologia no Desporto, em Liverpool. A carreira começou no Belenenses e na academia de Carlos Queiroz. Saltou em 2011 para a Noruega, onde inventou um verdadeiro conto de fadas. E ele nem queria começar tão cedo.
O lisboeta começou na Terceira Divisão daquele país e subiu logo em ano de estreia, com duas dezenas de pontos de avanço. Este ano já está na final do playoff de subida para a Primeira Divisão. Mas aqui a história é outra: há pouco mais de uma semana qualificou-se para a final da Taça da Noruega. O rival é só o já campeão Rosenborg, aquela equipa mítica, que passeou o equipamento branco e preto em muuuuitas edições da Liga dos Campeões. Pimenta tem gargalhada fácil e não espera armar-se em Al Pacino no dia 20 de novembro, no Estádio Nacional.
Como é que se diz o nome do clube, Luís?
(Gargalhada) Kong-esvinger. Como King Kong, mas sem o King. Não é fácil para ninguém. Kong-esvinger. Kongsvinger.
Já sabe como vai enganar o Rosenborg na final da Taça?
Nós estamos noutras finais. Estamos no playoff de subida de divisão. Este sábado temos um jogo importantíssimo [venceria 2-0 vs. Sandnes Ulf), que se não ganharmos estamos fora. É mata-mata. Os dois primeiros sobem diretamente. Do terceiro ao sexto há playoff. O sexto joga contra o terceiro, o quarto contra o quinto. São duas meias-finais. Quem ganhar passa à final do playoff. Quem passar vai jogar contra o penúltimo da Primeira Divisão. Esse, sim, será em dois jogos. Estávamos no terceiro escalão quando assumi, em 2015. Fomos campeões, subimos, com 20 pontos de avanço sobre o segundo. Têm sido dois anos fantásticos.
Já anda muita gente a levantar a sobrancelha por aí, não?
Cá na Noruega já estão a reparar. É um feito único. Estávamos na Terceira Divisão e estamos na final da Taça. Estamos a quatro jogos de subir para a Primeira Divisão.
E como é que chegou à Noruega?
Eu estava na formação do Belenenses, com o Rui Jorge e Romeu, com quem aprendi imenso. Um treinador norueguês que assumiu o Honefoss, um clube que estava aqui na Segunda Divisão, convidou-me. Eles iam subir. Cheguei no final de 2011. Estive dois anos na Primeira Divisão com eles. Depois no final de 2013, ele foi para a seleção Sub21 da Noruega. Passei a primeiro adjunto, mas não tinha as mesmas ideias do novo treinador. Ao fim de cinco meses fui embora. Depois fizeram-me proposta para assumir o Kongsvinger. Não queria começar tão novo, mas é difícil prever. Era um projeto interessante. Nos anos 90 estava sempre na Primeira Divisão, foram 17 anos seguidos lá. Foram às competições europeias, jogaram contra a Juventus em 93. É um histórico.
O futebol sempre foi a sua vida?
Graças aos meus pais. Fiz a minha escola toda no Luxemburgo. Saí de Portugal com cinco anos. Em 2000, entrei na Faculdade de Motricidade Humana, para tirar Ciências do Desporto. Depois tirei outro curso, em Liverpool, de Psicologia do Desporto. Quando voltei desse curso comecei a trabalhar no Belenenses e na academia do professor Carlos Queiroz. Aprendi imenso com o professor Castelo, que era coordenador técnico no Belenenses. O Rui Jorge depois também foi para os Sub21 de Portugal. Parece que aqueles com quem trabalho vão todos para os Sub21 (risos)…
Não houve hipóteses de seguir para os Sub21? A língua era um problema?
Não, não fazia sentido. Quanto à língua, sou fluente em norueguês. Cresci no Luxemburgo, aprendi muitas línguas. Norueguês é a minha sétima língua.
Sétima!?
Nem tive curso. Alemão tive 12 anos na escola, mas é a que está mais enferrujada. Francês é como português para mim. Vivi em Inglaterra. Depois sei espanhol e italiano também. Estás a apontar? Já estão sete?
Sim…
A Escola Europeia deixa-te escolher o que vamos estudar. Quis ser treinador quando percebi que não ia ser jogador de futebol. Era miúdo. Enchi o meu horário com línguas, para quando fosse treinador ter contacto com jogadores.
Mas também fala português por aí…
Sim, está cá o Hélio Pinto e o Gonçalo Pereira, que tem estado comigo neste projeto.
Como é o dia-a-dia?
Tentamos ter o dia-a-dia mais profissional possível. Temos treino de manhã e depois almoçamos com o plantel. Dependendo dos dias, os jogadores têm sessão de ginásio à tarde, enquanto nós estamos nos escritórios. Vivo em Olso, demoro uma hora e quinze para chegar ao trabalho. Só aí perco uma boa parte do dia.
E família?
Sou divorciado. Tenho dois filhos em Portugal, são gémeos. Têm seis anos.
Há um regresso no horizonte?
Neste momento não estou a pensar em ir para Portugal (risos). É lógico que uma proposta terá sempre de ser analisada com bons olhos, porque estar mais perto dos meus filhos é uma oportunidade única. Na Noruega tenho um nome forte, muito mais apelativo. Não considero essa hipótese.
O telefone já toca?
O meu contrato acaba este ano. É lógico que vai tocar. Tem estado em todos os media cá. Depois perguntam-me “já assinaste?” e “vais sair?”.
E que tal o Rosenborg?
Para a Primeira Divisão já é muito mais forte do que qualquer equipa. Tem muitos pontos de avanço. Lá luta-se pelo segundo lugar.
É David vs. Golias?
David e Golias é pouco (risos). O orçamento deles dava para pagar 20 das nossas épocas. Nós não temos de lhes ganhar num campeonato de 30 jogos. A Taça tem essa beleza. Temos de ganhar ao Rosenborg num dia: 20 de novembro. A hipótese de ganharmos é pequena, mas também o era na meia-final.
Já pensa no discurso no dia da final, assim uma coisa à Al Pacino no “Any Given Sunday”?
(Sai mais uma gargalhada) Neste momento, estou a ser sincero, o objetivo é subir de divisão. A final da Taça é o evento com mais mediatismo no país. O Estádio Nacional enche, são 27 mil pessoas. É um momento histórico. Para o clube, a subida de divisão tem um impacto financeiro muito maior. A final da Taça traz patrocinadores. No sábado temos esse jogo importante. O discurso é mais para sábado.
Que tal é o futebol por aí?
A reputação do futebol norueguês é completamente errada a nível internacional. Cheguei e estava à espera de futebol direto, muito físico e duelos muito acentuados. Depois vi que queriam jogar no chão. Não tinham a mesma intensidade de jogo, mesmo nos duelos. Têm muito menos agressividade do que nos campeonatos dos sul da Europa. A Noruega, nos anos 90, era muito físico. Entretanto há muitas equipas com sintéticos, e isso aumentou o nível técnico dos jogadores. Está errada a reputação deles.
Tem referências no futebol ou escolas de que goste?
Não posso falar de quem não estive por perto, de quem não vi a trabalhar de perto. Aprendi imenso com o Rui Jorge e Romeu, no Belenenses. Foram três anos que aprendi muito. Também aprendi com o treinador norueguês com quem estive. Foram três anos muito bons. Vim da base académica, por isso é bom ter a oportunidade de trabalhar com treinadores que fizeram carreiras de jogadores. Aprendi rotinas de plantel.
E a nível financeiro?
Essa pergunta está ligada às minhas intenções de voltar a Portugal (risos). A nível financeiro não tenho quaisquer problemas. Há qualidade de vida. É um país que, nos últimos dez anos, esteve em número 1 como o país com mais qualidade de vida. O salário mínimo é 2500 euros. É um país muito organizado. Tudo o que é burocracia é muito fácil, mesmo quando não percebia a língua. A qualidade de vida nota-se no conforto do dia-a-dia. Neste momento é difícil, tendo em conta os dois anos de carreira, que uma proposta de Portugal se compare às propostas de cá.
Joga em losango, certo?
Sim.
Pois, vi no Transfermarkt…
Eles têm isso lá!? Se já lá chegou, é altura de mudar (gargalhada). No Honfoss não jogávamos em losango. Agora, sim, jogamos em 4-4-2 losango. Há uma escassez de extremos, não têm a arrogância do um contra um. O jogador norueguês tem um elevado nível técnico, no passe e receção, mas não tanto no um contra um [drible]. O plantel só tinha um extremo puro, por isso adaptei-o a ponta de lança. Achei que os que jogavam no corredor lateral eram médios centros. Eles adaptaram-se muito bem. No primeiro ano tinha níveis de posse de bola exorbitantes. Este ano depende dos jogos em casa ou fora. Às vezes jogamos em relvados que não estão nas melhores condições, por causa do clima. É difícil ter a mesma qualidade. Vamos ver como está este no sábado…
Vamos fechar, Luís. E um clube de sonho para treinar?
Não tenho… Tenho, mas não quero dizer. Isso fica para mim e para o meu pai. É mais o sonho dele.
Isso já é uma dica…
Gostava de ser treinador no clube que o meu pai sempre apoiou. O meu sonho era pagar a educação e saúde dos meus filhos através do futebol. Era esse o meu sonho.