Nem só de acordos polarizados à esquerda e à direita se fazem as negociações e viabilizações de órgãos autárquicos no pós-eleitoral. Há entendimentos imprevisíveis, abstenções com a capacidade de alterar o rumo de uma votação e listas de partidos de esquerda ajudadas por partidos de direita e vice-versa. De Norte a Sul, há exemplos insólitos, principalmente tendo em conta o panorama nacional.

A começar pelo Algarve, as eleições já valeram aos socialistas uma ‘fuga’ para o PSD. Ora, no dia 26 de setembro, o PSD elegeu três vereadores, o PS dois, o Movimento Independente Por Albufeira (MIPA) outro e o Movimento Albufeira Prometida conquistou o último lugar para a autarquia. As contas eram difíceis de fazer para se governar a câmara, tendo em conta que a oposição toda junta tinha mais eleitos do que os vencedores.

Perante os resultados, o PSD começou a procurar soluções e esta apareceu exatamente no maior adversário, com o socialista Ricardo Clemente a juntar-se ao executivo. Em declarações ao órgão de comunicação local Sul Informação, o vereador admitiu que a opção inicial foi renunciar ao mandato, mas sofreu “alguma pressão para não o fazer”.

Ricardo Clemente transmitiu o convite do PSD ao PS, o que levou a um “mal estar” e, segundo o socialista, a “negociações nas costas”. “Então eu fui o candidato, dei a cara e depois deixam-me de fora? Isso dá-me o direito de tomar a decisão que tomei”, disse ao mesmo jornal, frisando estar consciente de que irá sofrer sanções do partido e que lhe será retirada a confiança política. Mas é uma decisão que diz ser “pessoal”. Com esta opção, o PSD acabou por conseguir a maioria na Câmara Municipal de Albufeira através de um vereador eleito pelos socialistas.

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As abstenções (e votos a favor) do Chega que facilitaram a vida ao PS e CDU

De regresso ao Sul do país, na Assembleia Municipal de Albufeira foi a abstenção do Chega a permitir uma vitória ao PS. Os socialistas tinham dez elementos eleitos, o PSD oito, o Movimento Independente Albufeira Primeiro quatro, o Movimento Albufeira Prometida dois e o Chega um. Mas o PSD chegou a acordo com o Movimento Independente Por Albufeira e ofereceu o primeiro lugar na lista à presidência da assembleia. O PS seguia na outra lista, que conquistou também os voos do outro movimento. 12 contra 12, faltava apenas o voto do Chega, que se absteve.

Seguiu-se a eleição uninominal, em que o partido liderado por André Ventura também optou pela abstenção, o que levou à eleição do candidato que estava na lista mais votada na eleição global, neste caso o PS. Por outras palavras: a abstenção do Chega levou à eleição dos socialistas para a presidência da assembleia, em detrimento de uma lista do PSD.

Um processo idêntico ocorreu na junta de freguesia de Alvalade, em que a coligação Novos Tempos, encabeçada por Carlos Moedas, saiu vitoriosa e acabou por perder a presidência da mesa da assembleia devido à abstenção do Chega.

Mais uma vez, as contas. Foram duas listas a votos, uma proposta pela coligação Novos Tempos e apoiada pela Iniciativa Liberal e pelo Movimento Mudar Alvalade e a lista do PS, apoiada pelo PCP e pelo BE. A eleição levou a um empate, nove contra nove, e o Chega voltava a ser o partido capaz de decidir. Optou pela abstenção. O cenário repete-se, há votação uninominal, o Chega vota contra todos os nomes e é preciso desempatar, o que leva à vitória do PS pois ganha o candidato melhor posicionado na respetiva lista. Tendo em conta que os primeiros da lista da coligação Novos Tempos já tinham sido designados para o executivo, os socialistas levaram a melhor.

Tal como o Observador já tinha noticiado, o Chega também votou a favor de duas listas da CDU para as Assembleias de Freguesia de Amora e de Corroios, o que permitiu aos comunistas liderarem aquele órgão autárquico nas duas freguesias do município do Seixal.

Chega votou a favor de duas listas da CDU no Seixal e vai ajudar a viabilizar, com abstenção, presidência da Assembleia Municipal

A recém-criada comissão autárquica nacional admitiu que houve um “erro de comunicação”, já que a sugestão nestes casos é a abstenção e não o voto a favor, mas recusa a ideia de coligação ou até de um acordo pós-eleitoral. Se não houve conversa, a situação é ainda mais insólita: o Chega votou favoravelmente na lista da CDU espontaneamente e sem exigir nada em troca. Além disso, viabilizou também, pela abstenção, a presidência da CDU na Assembleia Municipal, que poderia evitar, já que o sentido de voto levou a um empate que obrigou a uma votação uninominal, o que se traduziu numa vitória comunista.

Aliança deu a mão a PS e CDU em Torres Vedras

Torres Vedras também foi protagonista de um apoio da Aliança ao PS e à CDU, na maior freguesia da cidade, em Santa Maria, São Pedro e Matacães. Na votação para o executivo, o partido fundado por Santana Lopes absteve-se e viabilizou o PS e a CDU — que foi integrada no executivo — e na mesa da assembleia votou a favor da lista do PS, apenas composta por socialistas mas que também obteve o voto dos comunistas.

A Aliança ainda contactou o movimento Unidos Por Torres Vedras e o PSD para perceber o que estava a ser pensado para a mesa da assembleia, mas não houve qualquer conversa e no momento do voto a Aliança acabou por optar pela lista socialista.

O regresso do bloco central a Almada

Se neste caso não se pode chamar bloco central porque o vereador cumprirá funções sem o apoio do PS, em Almada voltou-se mesmo a selar um acordo entre socialistas e sociais-democratas para a governação dos próximos quatro anos, segundo noticiou o Público. Não é novidade, o acordo é idêntico ao de há quatro anos, mas — e ainda que o PSD tenha perdido um vereador — mantém a CDU afastada de um dos seus principais bastiões (e um dos que mais tentou reconquistar nas eleições autárquicas).

Com o entendimento, os pelouros em Almada vão ser repartidos entre os cinco vereadores do PS e o do PSD, enquanto CDU e BE têm apenas lugar na oposição, sem qualquer competência governativa.

Também no Algarve, mais precisamente em Silves, onde a CDU perdeu a maioria na Assembleia Municipal, PS e PSD uniram-se para tirar a presidência da mesa aos comunistas, ao construirem uma lista comum com elementos dos dois partidos.

Inicialmente a CDU ainda propôs uma lista encabeçada por um elemento do partido — por ser o partido vencedor sem maioria — e que tivesse como secretários membros dos outros partidos, mas socialistas e sociais-democratas recusaram e acabaram por vencer com uma lista do PS com pessoas do PSD.