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Dave Cullen é autor de dois bestsellers do New York Times sobre dois dos maiores massacres em escolas nos Estados Unidos, o do liceu Stoneman Douglas, em Parkland, e o do liceu de Columbine, que aconteceu em 1999 na cidade do Colorado com o mesmo nome
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Dave Cullen é autor de dois bestsellers do New York Times sobre dois dos maiores massacres em escolas nos Estados Unidos, o do liceu Stoneman Douglas, em Parkland, e o do liceu de Columbine, que aconteceu em 1999 na cidade do Colorado com o mesmo nome

Dave Cullen é autor de dois bestsellers do New York Times sobre dois dos maiores massacres em escolas nos Estados Unidos, o do liceu Stoneman Douglas, em Parkland, e o do liceu de Columbine, que aconteceu em 1999 na cidade do Colorado com o mesmo nome

Dave Cullen: "Quando alguém chega ao ponto de comprar armas, as hipóteses de vir mesmo a fazer um ataque são dramaticamente mais elevadas"

Os três perfis dos atiradores em massa, os sinais de alerta e os motivos que levam quase todas estas pessoas a escrever o que tencionam fazer. Entrevista a Dave Cullen, autor de "Columbine".

Durante uma década, o jornalista Dave Cullen investigou as circunstâncias daquele que viria a tornar-se o mais infame massacre numa escola alguma vez perpetrado em solo americano — o assassinato de 12 alunos e um professor do Liceu de Columbine, na cidade com o mesmo nome no estado do Colorado, no dia 20 de abril de 1999, por parte de dois colegas, que se suicidaram em seguida.

Um dia depois de as autoridades portuguesas anunciarem a detenção de um estudante de 18 anos que alegadamente se preparava para fazer algo semelhante, mas na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, o autor de “Columbine” e de “Parkland” (sobre outro tiroteio em massa que aconteceu num liceu americano, em 2018) falou com o Observador sobre este tipo de crimes; os três perfis em que se enquadram quase todos os que os cometem; e o processo por que geralmente passam, desde a primeira ideia até à concretização do massacre.

Ao telefone a partir de Nova Iorque, o autor de dois bestsellers do New York Times afastou algumas ideias pré-concebidas — nem todos os atiradores em massa são solitários ou vítimas de bullying, quase todos são “completamente sãos” — e confirmou outras: “A maior parte destes atacantes estuda outros ataques, especialmente o de Columbine.”

Apesar de explicar que nos Estados Unidos o FBI opta quase sempre por não divulgar publicamente os atentados que impede antes de se concretizarem — “A pior coisa que se pode fazer numa situação destas é confrontar os miúdos e tornar o assunto público, se a história estiver em todo o lado nos jornais e na televisão destroem-se as hipóteses de os tratar” —, Dave Cullen, 60 anos, recusa apontar o dedo às autoridades portuguesas e assume que, tendo em conta o contexto, “provavelmente foi a coisa certa a fazer”.

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Por muito que diga o óbvio — “Nunca se pode ter a certeza do que é que as pessoas vão fazer antes de o fazerem. Se calhar, nem elas próprias sabem” —, também admite que, quando este tipo de atacantes chega ao ponto de delinear um plano, apontar uma data e, mais importante ainda, comprar ou preparar o arsenal, o mais certo é que as suas intenções sejam reais. “Muitas pessoas pensam, de vez em quando, que gostavam de matar uma pessoa. Mas daí até planearem fazê-lo vai um grande passo. E até ao momento em que começam realmente a fazer alguma coisa por isso vai um passo ainda maior. Essa é a maior barreira e é a última barreira. Por isso, sim, geralmente, quando alguém chega a esse ponto, as hipóteses de que o venha mesmo a fazer são dramaticamente mais elevadas.”

“Há três perfis de atiradores em massa. O tipo mais comum é o agressivo-depressivo”

Esta quinta-feira, um jovem de 18 anos foi preso com o argumento de que poderia estar a preparar um ataque à sua universidade, em Lisboa. De acordo com a polícia, foi detetado pelo FBI em conversas online na dark web a falar sobre o assunto. A polícia também disse que ele passou muito tempo a ler e a ver notícias sobre tiroteios escolares nos EUA. Será isto uma série de clichés ou será que estes traços correspondem ao perfil dos jovens que cometem este tipo de ataques?
A maior parte destes atacantes estuda outros ataques, especialmente o de Columbine. Não todos, mas muitos deles são obcecados com Columbine, e a maior parte deles investiga algumas questões: por que é que o fizeram, como o fizeram — muitos destes atacantes simulam ou imitam aspetos diferentes de como os assassinos de Columbine ou outros atuaram —, e assim vão aprendendo o que funciona e o que não resulta.

Estudou o ataque de Columbine e os perfis de Eric Harris e Dylan Klebold durante 10 anos. Quem eram estes jovens e o que os levou a fazer o que fizeram? Eles mataram 13 pessoas e depois suicidaram-se, certo?
Eram os dois muito diferentes. Há três perfis de atiradores em massa, que cobrem quase todos eles. O tipo mais comum é, de longe, o agressivo-depressivo; o segundo tipo inclui as pessoas gravemente doentes que não compreendem a realidade, mais frequentemente esquizofrénicos ou esquizofrénicos paranoides; e o terceiro tipo, mais raro, inclui os psicopatas, psicopatas sádicos. Dylan Klebold pertencia ao primeiro tipo e Eric Harris ao terceiro, que é bastante raro. Geralmente, os psicopatas não matam assim… Quer dizer, na maior parte das vezes, os psicopatas não matam de todo. Exemplos do segundo tipo seriam os casos de Cho [Seung-hui], autor do massacre da Universidade de Virginia Tech, ou de Adam Lanza, em Newton [localidade onde foi perpetrado o ataque à escola primária Sandy Hook], ou a pessoa que alvejou a congressista Gabby Giffords. Mas o mais frequente é estes tiroteios serem levados a cabo por pessoas muito, muito deprimidas, que se sentem desamparadas e desesperançadas e passam ao ataque. Quase todos estes tiroteios em massa acabam em suicídio. Quando veem os polícias a aproximar-se, matam-se.

22nd Anniversary Columbine High School Shooting 22nd Anniversary Columbine High School Shooting

O 22ª aniversário do massacre de Columbine, assinalado pelas famílias dos estudantes assassinados

Denver Post via Getty Images

E isso é geralmente o plano inicial ou cometem suicídio porque no momento sentem que não têm alternativa?
Os primeiros provavelmente suicidaram-se porque quando foram encurralados pela polícia não tiveram outra opção. Mas, agora, que todos se estudam uns aos outros, sabem que quase sempre acaba dessa maneira, portanto, quando partem para o ataque já sabem que o desfecho vai ser esse e fazem planos para que assim seja. A maior parte destas pessoas é suicida, uns movem-se mais pelo desejo de suicídio do que de homicídio e outros ao contrário. No caso de Columbine, Dylan Klebold era suicida há pelo menos dois anos. No diário que ele manteve durante esse tempo fez menção ao suicídio logo na primeira página. Há pelo menos dois anos que ele pensava nisso, ao ponto de o escrever, escreveu sobre a vontade que tinha de se suicidar, sobre o facto de não ter coragem para o fazer. O plano do tiroteio na escola foi, aparentemente, mais do Eric. Para ele, foi uma fuga para a frente, uma forma de cometer suicídio e de se vingar das pessoas que o tinham magoado pelo caminho. Para Eric, era o oposto: ele queria mesmo matar pessoas, no diário dele referia-se ao suicídio como a única saída, um sacrifício que tinha de fazer, desistir da vida dele, para poder matar todas aquelas pessoas.

O caso de Columbine é paradigmático, não só por ser o primeiro a atingir uma escala como estas, mas também porque incluiu duas pessoas. Diria que a maior parte destas pessoas age sozinha?
Sim. O facto de existirem duas pessoas, um par — o termo do FBI para isso é “díade” —, é um fenómeno muito incomum. E serem três, então, é extremamente raro. A grande maioria destes ataques são cometidos por um só indivíduo.

Presumo que isso aconteça porque a maior parte destas pessoas são introvertidas e solitárias. Mas porque também não será fácil encontrar quem pense da mesma maneira…
Na verdade, a maior parte deles não são solitários. Os Serviços Secretos fizeram um inquérito sobre todos os tiroteios em massa em escolas nos Estados Unidos e fizeram um perfil dos atiradores e só um terço deles era solitário. O maior risco é ser apanhado: é muito mais provável que sejas apanhado se começas a falar com outras pessoas e a tentar arranjar um parceiro. Provavelmente, houve muita gente depois de Columbine que tentou arranjar um parceiro, mas depois foram apanhados, por isso não ouvimos falar neles. Como aconteceu com a pessoa que detiveram agora e que estava a falar com pessoas online sobre o assunto. Claro que quanto mais falas mais risco corres de ser denunciado.

Outra das teorias que rejeitou no caso de Columbine foi a do bullying. Também neste caso, em Portugal, desde cedo se disse que o jovem era vítima de bullying. Porque é que esta é sempre uma teoria tão popular? 
O bullying está presente em alguns casos e em alguns casos é uma motivação. Há duas razões para este aspeto ser sempre abordado. Primeiro, as pessoas procuram sempre uma explicação, precisam de saber porquê, e esta é uma resposta que faz sentido. Depois, desde o início, até antes de Columbine, foi criada a ideia de um perfil, que não é verdadeira mas foi veiculada pelos media, de que é assim que alguém que abre fogo numa escola deve ser. ‘Eram solitários’, ‘Eram vítimas de bullying’, as pessoas inventaram este perfil baseado em alguns traços de alguns atiradores — porque houve tiroteios em escolas antes de Columbine — e depois extrapolaram para todos os restantes. E, 20 anos depois, estas ideias mantêm-se e as pessoas acreditam nelas. No início, a cobertura do massacre de Columbine foi muito má, e essas notícias continuam por aí, por isso é que todas as semanas tenho de bloquear pelo menos 10 miúdos destes que se reúnem online — antes chamavam-se a eles próprios “Columbiners”, agora são os “TCC”, “The True Crime Community” —, perseguem-me porque escrevi um livro a dizer que nem tudo era verdade.

"Os Serviços Secretos fizeram um inquérito sobre todos os tiroteios em massa em escolas nos Estados Unidos e fizeram um perfil dos atiradores e só um terço deles eram solitários. O maior risco é ser apanhado: é muito mais provável que sejas apanhado se começas a falar com outras pessoas e a tentar arranjar um parceiro. Provavelmente houve muita gente depois de Columbine que tentou arranjar um parceiro, mas depois foram apanhados, por isso não ouvimos falar neles"
Dave Cullen, jornalista

Escrevem-lhe a dizer que o seu livro está errado, que o seu trabalho não é verdadeiro?
A maior parte são miúdos, estudantes de liceu, muito imaturos. Criam memes sobre mim — tenho de me rir —, um deles diz que fui “mais brando” com o Dylan — quer dizer, retratei o Eric como o líder porque ele era o líder, era um psicopata sádico! — porque estava apaixonado pelo Dylan. Há tempos descobriram que eu era gay — o que também é hilariante, porque demoraram uns oito anos a descobrir isso — e fizeram montagens em Photoshop de mim a casar com o Dylan. Também já me aconteceu deixarem comentários repugnantes em literalmente todas as minhas publicações no Instagram.

E estes miúdos são obcecados com o massacre de Columbine e com o Eric e o Dylan? Diria que são fãs destes assassinos?
Sim, são fãs. O Eric e o Dylan são muito populares, depois há um ou outro de quem gostam muito, o Richard Ramirez [o assassino em série que matou pelo menos 13 pessoas na Califórnia nos anos 1980 e que ficou conhecido como Night Stalker] e o Dylann Roof [neo-nazi e supremacista branco que em 2015 matou 9 pessoas num massacre numa igreja metodista em Charlestown]. Os racistas gravitam em torno do Dylann Roof porque disparou contra uma igreja negra na Carolina do Sul por motivações racistas, é uma espécie de herói para eles, até têm o seu próprio nome, são os “roofies”. Mas, no fundo, 90% são fãs de Columbine, o Eric e o Dylan são os favoritos. Muitos destes fãs são jovens mulheres — não, são raparigas, de 14, 15 ou 16 anos — e dizem que estão apaixonadas pelo Dylan.

Mas estas pessoas que adoram estes assassinos não se tornam elas próprias assassinas, correto?
Na maior parte das vezes, não. Diria que em 99% dos casos não. Aliás, muitas vezes passa um ano ou dois, estas pessoas crescem, e depois escrevem-me a pedir desculpa. Pelo que percebi, muitos deles nem acreditam nisto ou não estão mesmo interessados nos assassinos, só querem parecer fixes. A maior parte deles está só a armar-se mas depois também há uma pequena fração de miúdos que querem mesmo ser como eles. O Adam Lanza, por exemplo, que matou vinte miúdos pequenos em Newtown, no Connecticut, era mesmo obcecado com os assassinos de Columbine. Anos depois o FBI libertou páginas e páginas das conversas que ele manteve online com outras pessoas sobre eles e a estudá-los. Há sempre algumas pessoas, uma fração minúscula, que vão mesmo fazê-lo. Por isso é que o FBI está sempre a monitorizar estes grupos.

“Quase nunca acontece alguém ter um acesso e ir a correr arranjar uma arma”

Como é que o FBI faz essa monitorização, é impossível ler todas as conversas e estar em todos os chats? Sabe como é que essa investigação é feita?
Não completamente, não conheço os detalhes, mas acho que não é assim tão complicado acompanhar isto. Se és miúdo e tens interesse nisto vais começar à procura de material e vais encontrar estes grupos online. Há um grande grupo no FBI dedicado a isto e na maior parte das vezes eles encontram estas pessoas antes de acontecer alguma coisa. Nas escolas nos Estados Unidos, há muita gente atenta, há psicólogos, há grupos de deteção e assim que pensam que há motivos para isso contactam o FBI.

"Nunca se pode ter a certeza do que é que as pessoas vão fazer antes de o fazerem — se calhar nem elas próprias sabem. Mas, em primeiro lugar, quase todos estes atiradores em massa fizeram planos, quase nunca acontece alguém ter um acesso e ir a correr arranjar uma arma. E a maior parte deles planeia durante semanas ou até meses. Os assassinos de Columbine fizeram planos pelo menos durante um ano — e digo pelo menos porque eles morreram, só temos os diários deles, só podemos recuar até ao momento em que eles começaram a escrever sobre o assunto"
Dave Cullen, jornalista

Porque há sinais de alerta?
Exatamente. Estou só a teorizar mas, provavelmente, esta pessoa chamou a atenção do FBI porque estava a interagir com alguém potencialmente perigoso que o FBI estava a vigiar nos EUA. Ao monitorizarem as conversas dessa pessoa, provavelmente viram que ela falava muito com alguém de Portugal que dizia coisas ainda mais assustadoras. Pode ter sido assim que aconteceu, não sei. Ou então esta pessoa só frequentava um dos grupos que o FBI monitorizava.

Acha que o facto de este jovem ter planeado o crime e de ter armas na sua casa significa  inequivocamente que ia cometê-lo?
Nunca se pode ter a certeza do que é que as pessoas vão fazer antes de o fazerem — se calhar, nem elas próprias sabem. Mas, em primeiro lugar, quase todos estes atiradores em massa fizeram planos, quase nunca acontece alguém ter um acesso e ir a correr arranjar uma arma. E a maior parte deles planeia durante semanas ou até meses. Os assassinos de Columbine fizeram planos pelo menos durante um ano — e digo pelo menos porque eles morreram, só temos os diários deles, só podemos recuar até ao momento em que eles começaram a escrever sobre o assunto.

E estas pessoas escrevem sempre?
Nem sempre, mas, na maior parte das vezes, é como se fosse uma última oportunidade e estas pessoas querem ser ouvidas. E o motivo por que muitas vezes são apanhados é porque se gabam sobre o assunto a outras pessoas e dizem-lhes o que vão fazer.

Portanto, também são pessoas com problemas de autoestima?
Sim, são. Geralmente é progressivo: primeiro consideram o assunto, dão forma à ideia, depois passam à fase de planear e de passar tudo a escrito e a seguir tratam do que lhes falta para o porem em prática. Comprar as armas, por exemplo. Ou até fabricar as armas. É o momento em que agem e tomam medidas físicas no mundo real. Muitas pessoas pensam, de vez em quando, que gostavam de matar uma pessoa. Mas daí até planearem fazê-lo vai um grande passo. E até ao momento em que começam realmente a fazer alguma coisa por isso vai um passo ainda maior. Essa é a maior barreira e é a última barreira. Por isso, sim, geralmente, quando alguém chega a esse ponto, as hipóteses de que o venha mesmo a fazer são dramaticamente mais elevadas. É normalmente nessa altura que o FBI ou as outras forças de autoridade costumam intervir: esta pessoa é extremamente perigosa.

Há casos como este nos Estados Unidos, em que os ataques foram abortados pelas autoridades?
Há um número gigantesco deles, o FBI diz que evita mais ataques do que aqueles que chegam a acontecer, mas como não divulgam muita informação sobre eles nunca chegamos a saber. Acho que eles fazem acordos com as famílias, são situações em que não há grande caso, porque não há muito de que os acusar, não fizeram nada ainda, portanto o FBI trabalha com as famílias e mete os miúdos a receber aconselhamento. A pior coisa que se pode fazer numa situação destas é confrontar os miúdos e tornar o assunto público. Se a história estiver em todo o lado nos jornais e na televisão, destroem-se as hipóteses de os tratar. É por isso que, por defeito, estes casos são mantidos em privado. Esse rapaz em Portugal pode ir para a prisão ou então pode ir apenas para a terapia. Se ele estiver perturbado de alguma maneira — lá porque uma pessoa planeou uma coisa destas, não quer dizer que seja irrecuperável e que tem de ser uma pessoa horrível que vai fazer coisas horríveis para o resto da vida. Pode ser assim. Ou, se tiver ajuda, pode ser que este miúdo se transforme numa pessoa razoável e capaz de viver em sociedade durante anos.

"O FBI diz que evita mais ataques do que aqueles que chegam a acontecer, mas como não divulgam muita informação sobre eles nunca chegamos a saber. Acho que eles fazem acordos com as famílias, são situações em que não há grande caso, porque não há muito de que os acusar, não fizeram nada ainda, portanto o FBI trabalha com as famílias e mete os miúdos a receber aconselhamento. A pior coisa que se pode fazer numa situação destas é confrontar os miúdos e tornar o assunto público, se a história estiver em todo o lado nos jornais e na televisão destroem-se as hipóteses de os tratar"
Dave Cullen, jornalista

Portanto, diria que a polícia portuguesa cometeu um erro, ao tornar este caso público?
Não… Não conheço o vosso sistema legal, mas, no nosso, assim que as pessoas vão a tribunal, o caso torna-se público. Provavelmente, foi a coisa certa a fazer… Não sei, não conheço a situação, mas quando se chega ao ponto em que se planeia e se compram armas, provavelmente tem de haver consequências. Diria que, em geral, quando alguém chega a esse nível, é uma pessoa muito perigosa e é preciso agir.

Este processo de pensar no assunto e de o consolidar depois como uma possibilidade real é tremendo. Uma pessoa sã alguma vez seria capaz de fazer uma coisa destas?
São quase sempre sãos. Os doentes são os de tipo 2, de que já falámos, são os mentalmente doentes mentais e são um grupo relativamente pequeno. Diria que um terço dos atiradores em massa é doente. O Cho Seung-hui, do massacre de Virginia Tech, era claramente delirante; também há pessoas que ouvem vozes, mas são um grupo muito pequeno. A maior parte destas pessoas é bastante sã, infelizmente.

Os atiradores de Columbine eram sãos?
Completamente, completamente sãos.

Apesar de um deles ser psicopata e o outro agressivo-depressivo?
Os psicopatas são muito, muito sãos. Sabem exatamente o que estão a fazer, são brutais e sádicos, sabem o que estão a fazer, simplesmente não se preocupam com isso.

“As últimas pessoas que eu culparia seriam os pais”

Outra coisa que disse há instantes é que não há um momento de descontrolo associado a estes ataques. 
Essa é outra ideia um bocado ridícula que se generalizou, a de que eles se passam e de repente… Não é assim que funciona.

"Imaginemos que é uma história de crime ou de máfia, muitos miúdos são fascinados por estes temas e escrevem sobre eles, mas quando o fazem de forma cruel, sádica, quando as pessoas nas histórias deles fazem coisas horríveis e desumanas, esses miúdos não estão interessados em crime, gostam da brutalidade. Quando são obcecados com este tipo de coisas, quando têm atitudes maldosas ou vingativas é preciso estar atento. Não quer dizer que venham a ser assassinos mas significa pelo menos que estão a passar por dificuldades na escola ou com a sociabilização"
Dave Cullen, jornalista

Portanto, nunca acontece de repente e geralmente há sinais de alerta. Quais são eles?
Gostar de filmes violentos ou de jogos violentos não é um sinal de alerta, quase todos os rapazes do liceu gostam. Isso é a adolescência normal. Mas quando tudo é sobre violência… É normal que um aluno goste de histórias de terror, do Stephen King, não há problema em escrever histórias assustadoras. Mas quando tudo o que fazem é sobre isso… Um dos exemplos do relatório que referi dos Serviços Secretos era o de alguém que estava constantemente a falar de armas, a falar de matar pessoas, que quando teve de cozinhar uma coisa para levar para a escola fez um bolo em forma de arma — aí já é um sinal de alarme. Outro sinal é a crueldade: imaginemos que é uma história de crime ou de máfia. Muitos miúdos são fascinados por estes temas e escrevem sobre eles, mas quando o fazem de forma cruel, sádica, quando as pessoas nas histórias deles fazem coisas horríveis e desumanas, esses miúdos não estão interessados em crime, gostam da brutalidade. Quando são obcecados com este tipo de coisas, quando têm atitudes maldosas ou vingativas é preciso estar atento. Não quer dizer que venham a ser assassinos, mas significa, pelo menos, que estão a passar por dificuldades na escola ou com a sociabilização.

Mas há mais algum?
O problema é que não queremos estigmatizar miúdos que estão a ter problemas a lidar com a adolescência e com os outros miúdos, esses miúdos precisam de ajuda, não vão matar ninguém. Diria que o maior sinal de alerta é quando os miúdos começam a falar sobre o assunto. Porque, sim, eles são miúdos, é claro que dizem o que estão a pensar e o que querem fazer. Outro sinal muito importante é a especificidade: se alguém disser ‘Oh, Deus, às vezes estou tão zangado que me apetece matar pessoas’, isso é um pouco assustador mas também é muito comum e é motivo de brincadeira. Mas se começarem a dizer ‘Tenho mesmo vontade de matar a professora X, ou este miúdo que está sempre a implicar comigo’ isso já é muito, muito mais perigoso. Quando começam a ser ainda mais específicos, em termos logísticos, o risco já é extremamente elevado: ‘Gostava de matar a professora X e estes três miúdos na próxima semana com uma M16’. É sinal de que já pensaram no assunto, já se imaginaram a fazê-lo e até já começaram a procurar armas — ou até já as têm em casa. Quanto mais específicos forem sobre o quem, o quê, como, onde e porquê, maior é o perigo.

Estes atacantes são sempre rapazes?
Não, mas a grande maioria é do sexo masculino. Nos Estados Unidos, temos muita violência armada e quase todos os perpetradores são homens. Quase todos os violadores são homens, a maior parte dos assassinos em todo o mundo são homens. A violência é muito mais masculina.

Também investigou as famílias destes atacantes. Há traços familiares comuns? Situações de trauma ou de abuso? O rapaz agora detido em Portugal provém de uma família aparentemente normal, sem nada a apontar.
A maior parte das famílias é normal. Raça, religião, educação familiar, violência, a forma como foram tratados, nada disso é um fator. Os miúdos de Columbine vinham ambos de um bom lar, tinham ótimos pais, receberam uma ótima educação e isso é o padrão, não tem nada a ver com o assunto. Mas, infelizmente, os pais são sempre responsabilizados. Às vezes, escapam-lhes alguns sinais de alerta mas, quer dizer, faz parte da adolescência esconder coisas dos pais. Claro que o mais certo é não perceberem, a maior parte dos miúdos normais de 17 anos escondem coisas dos pais. As últimas pessoas que eu culparia seriam os pais.

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