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No final de setembro, na antecâmara da última dupla jornada da Liga das Nações contra República Checa e Espanha, a estreia de Gonçalo Ramos nas convocatórias da Seleção Nacional parecia um dado adquirido. O avançado estava a evidenciar-se no arranque de uma grande temporada do Benfica, marcava muitos golos e até tinha historial nas seleções jovens — mas Fernando Santos, na altura, optou por esperar.
Já em novembro, quando se fizeram e refizeram cogitações sobre a lista final de convocados para o Mundial do Qatar, o nome de Gonçalo Ramos caiu nas prioridades das bolsas de apostas. O avançado do Benfica lesionou-se, perdeu alguns jogos dos encarnados e até viu Petar Musa aproveitar bem as oportunidades que lhe foram dadas por Roger Schmidt — mas Fernando Santos, na altura, optou por arriscar. Numa escolha naturalmente associada às lesões de Diogo Jota e Pedro Neto e à renúncia de Rafa, o selecionador nacional convocou o jogador de 21 anos, o atual melhor marcador da Primeira Liga, e levou-o para o Campeonato do Mundo.
O mais novo desde Pelé a fazer um hat-trick num Mundial
Antes, porém, Gonçalo Ramos mostrou desde logo ao que ia. No particular com a Nigéria, o último jogo de preparação para o Mundial, o avançado do Benfica cumpriu a primeira internacionalização, fez desde logo o primeiro golo pela Seleção Nacional e ainda assinou uma assistência. Ficou claro que Ramos, ao contrário do que muitos pensaram — e até colaram ao exemplo de Pedro Gonçalves no Euro 2020 –, não ia para o Qatar apenas para fazer número. Ia para o Qatar para acrescentar valor.
Esta terça-feira, na partida dos oitavos de final contra a Suíça, foi a grande novidade no onze: Fernando Santos decidiu deixar Cristiano Ronaldo no banco, depois de o capitão português ter sido opção inicial nas três jornadas da fase de grupos, e deu a primeira titularidade a Gonçalo Ramos, que se estreou desde logo em jogos oficiais e em fases finais por Portugal.
Aos 17 minutos, abriu o marcador com um pontapé de pé esquerdo que não deu hipótese a Sommer; aos 51′, aproveitou um cruzamento de Diogo Dalot para desviar ao primeiro poste; aos 67′, recebeu na cara do guarda-redes e picou para marcar pela terceira vez. Aos 21 anos, Ramos assinou o primeiro hat-trick do Mundial do Qatar, tornou-se o mais novo desde Pelé a fazer um hat-trick num Mundial e ainda integrou o lote restrito de jogadores portugueses que fizeram um hat-trick num Mundial (com os crónicos Eusébio, Pauleta e Ronaldo).
Goncalo Ramos is the youngest man to score a hat trick in a FIFA World Cup knock-out match after Pele ???????? pic.twitter.com/WxDQgDYtvM
— ESPN FC (@ESPNFC) December 6, 2022
“Foi tudo muito rápido. Titular no próximo jogo? Isso são assuntos que não são para mim. Tenho de trabalhar ao máximo e depois logo se vê o que vai acontecer. Ronaldo? Falou comigo, como fala com todos. É o capitão, tenta ajudar sempre. Correu tudo muito bem”, disse o jovem avançado, com a merecida bola do jogo debaixo do braço, na zona de entrevistas rápidas. Contas feitas e, em 2022/23, Gonçalo Ramos já leva 18 golos — entre 14 marcados pelo Benfica e quatro pela Seleção Nacional — numa altura em que estamos apenas em dezembro e em que ainda existe meia temporada por disputar.
O filho de Ramos, o antigo extremo do Farense e do Salgueiros
O talento para o futebol, porém, sempre esteve no sangue do jogador. Gonçalo Ramos é filho de Manuel Ramos, conhecido nos relvados apenas pelo apelido, um antigo extremo que chegou a atuar na Primeira Liga no final dos anos 90 ao serviço do Farense e do Salgueiros. Já Gonçalo, natural de Olhão, deu os primeiros passos no expectável Olhanense, passando depois pelo Benfica de Loulé antes de rumar mesmo aos encarnados. Cumpriu toda a formação no Seixal, evidenciando-se nos juniores e depois também na equipa B, e chegou ao escalão principal pela mão de Jorge Jesus no início da época passada.
Gonçalo Ramos é atualmente o melhor marcador da Primeira Liga, com nove golos. Estreou-se desde logo na terceira pré-eliminatória de acesso à Liga dos Campeões, contra o Spartak Moscovo, mas teve poucas oportunidades no meio de Darwin, Yaremchuk e ainda Seferovic. Chegou a ser associado a uma saída no mercado de inverno no passado mês de janeiro, precisamente para procurar mais minutos e outra regularidade, mas acabou por ficar na Luz — e em boa hora, já que a saída de Jorge Jesus e a subida de Nélson Veríssimo ao comando técnico encarnado permitiu-lhe recuperar o peso no plantel. No fim, fez oito golos ao longo de 46 jogos e acelerou para se tornar uma das peças fulcrais no Benfica de Roger Schmidt que ainda não perdeu esta temporada.
Com o treinador alemão e com a saída de Darwin para o Liverpool, Gonçalo Ramos assumiu-se como a referência ofensiva por excelência no Benfica e tem sido o homem-golo da equipa que lidera a Primeira Liga com oito pontos de vantagem para o segundo classificado. Entre a eficácia acima da média que lhe permite fazer muitos golos com poucas oportunidades, a capacidade que tem para não ser um ‘9’ clássico mas sim um avançado móvel na área e ainda as recordações que traz de Nuno Gomes com as movimentações sem bola que arrastam adversários, o avançado de 21 anos é naturalmente um dos jogadores em melhor forma a atuar em Portugal e levou tudo isso para o Mundial do Qatar.
A exibição de Gonçalo Ramos, mais do que evidenciar o claro momento positivo que o avançado está a atravessar, abre também a porta a uma reflexão sobre o futuro da Seleção Nacional. Até aqui, entre o talento de João Félix, a consistência de Bernardo e a importância de Bruno Fernandes, a sucessão de Cristiano Ronaldo parecia estar entregue a um único nome: Rafael Leão. O avançado do AC Milan, eleito o melhor jogador da Serie A na época passada e dono de um golo brilhante também esta terça-feira contra a Suíça, foi constantemente conotado como a next big thing na seleção portuguesa e recebeu repetidamente essa responsabilidade de ser o herdeiro de Ronaldo. Mas, afinal, a herança ainda não tem destino certo.
Se é verdade que Leão não tem estado ao melhor nível no Mundial — apesar de já ter marcado dois golos — e que esse fator pode ter tido influência na escolha de Fernando Santos para desenhar o onze inicial contra a Suíça, também é certo que o selecionador nacional optou por Gonçalo Ramos quando poderia ter optado pelo avançado formado no Sporting. Na hora de tirar Cristiano Ronaldo e lançar outro, Fernando Santos quis Gonçalo Ramos. E a ideia de que o avançado do Benfica correspondeu, com três golos e uma exibição contundente que lançou a goleada e o consequente apuramento para os quartos de final, pode baralhar as contas do treinador. No final do jogo, no Instagram, Ronaldo — sem referir nenhum jogador em particular — não deixou de elogiar a “exibição de luxo de uma equipa repleta de talento e juventude”.
Na antecâmara dos quartos de final do Campeonato do Mundo frente a Marrocos (sábado, às 15h), com a Seleção Nacional a ter a possibilidade de chegar às meias-finais pela terceira vez na história, Gonçalo Ramos garantiu, pelo menos, a certeza de que vai continuar a ser convocado se se mantiver a bom nível. Adicionalmente, garantiu, pelo menos, a certeza de que vai continuar a ser opção e a ter oportunidades se se mantiver a bom nível. E inevitavelmente, garantiu, pelo menos, a certeza de que está na pole-position para agarrar a titularidade num cenário pós-Ronaldo. Em resumo? A partir desta terça-feira, Ramos sabe que só precisa de continuar a marcar golos para ser o prioritário, o preferido e o preferencial na hora de escolher uma referência ofensiva. E isso, queiramos ou não, é ser um herdeiro.