Estava escuro e, mesmo com lanternas, era difícil ver mais do que um centímetro à frente. O mergulhador Fernando Raigal tinha acabado de entrar na gruta de Tham Luang com a missão de estender cabos-guia, posicionar botijas de oxigénio e trazer alimentos aos restantes mergulhadores que ali procuravam os 12 rapazes e o treinador desaparecidos havia nove dias. Foi então os dois britânicos que exploravam a área emergiram da água escura e comunicaram: tinham acabado de os encontrar. E os treze estavam bem. “Ficámos super felizes, desatámos a gritar de alegria”, conta ao Observador o mergulhador espanhol, já de regresso à sua casa em Banguecoque, capital da Tailândia.
Naquele momento, a operação mudou. A equipa de mergulhadores que entrara na gruta para procurar o grupo de desaparecidos tinha agora uma nova missão: salvá-los. E era preciso reunir o máximo de informações sobre o estado em que se encontravam as vítimas e as características do local para fornecer ao comando. “A operação foi toda liderada pela marinha, nós comunicávamos para o exterior via rádio”, conta.
A experiência de Fernando Raigal como mergulhador tem doze anos, mas só salvou pessoas num par de episódios, quando era instrutor de mergulho ainda em Espanha. Foi aqui que nasceu e entrou na Marinha — mas acabaria por optar por abandonar o percurso militar para ser mergulhador comercial. E emigrou para a Tailândia para trabalhar como freelancer para várias empresas do setor do petróleo.
“Nunca fiz nada disto, nunca fiz mergulho de gruta, nunca estive numa operação de salvamento destas. Normalmente o meu trabalho envolve construção, inspeções na indústria do petróleo e do gás, mas podemos aplicar algum do meu conhecimento numa situação destas, como mergulhar em água escura…”, afirma.
O mergulhador estava agarrado ao sofá a assistir às notícias do desaparecimento em todas as televisões e jornais quando recebeu um e-mail de um amigo, um mergulhador comercial que também foi fuzileiro. “Disse que tinha falado com os superiores e que precisavam de mais mergulhadores, perguntou-me se podia apanhar um avião e ir. Reservei um voo e juntei-me a ele”, descreveu ao Observador por telefone. Foi, mesmo sabendo que nada iria receber pelo trabalho.
Fernando chegou à cidade de Mae Sai, a mais de 800 quilómetros da sua casa, ainda de manhã cedo, a 2 de julho, precisamente o dia em que dois mergulhadores britânicos no local encontraram o grupo por mero acaso. Estavam a estender um cabo-guia quando este acabou. Puseram a cabeça fora de água para descansarem e para o prender e deram de caras com o grupo de miúdos e o treinador.
O espanhol estava posicionado na terceira câmara, aquela onde foi montado todo o material necessário à operação e que conduzia os mergulhadores a Sam Yaek, a secção T — onde se intersetam dois corredores, a três quilómetros da entrada da caverna. “Nessa altura, eu estava apenas a ajudar os militares a instalar cordas-guia da câmara 3 à secção T, a trazer comida, tanques e bombas de oxigénio”, conta.
Apesar da descoberta, era preciso pensar tudo ao pormenor. Naquele momento já existiam bombas extratoras de água no interior da gruta, para fazer baixar os níveis da água, permitir circular no interior e chegar ao salvamento. “Essa era sempre a nossa preocupação, que os níveis de água não subissem”, diz.
Fernando Raigal continuou com as mesmas funções nos dias seguintes. Além da falta de visibilidade, “andar dentro da caverna com o equipamento de mergulho e carregar com tanques e bombas de oxigénio extra” era “muito duro”. “Mergulhar não era um problema, mas para carregar tanto peso tinha que o fazer muito calmamente.”
Enquanto se traçava um plano para poder retirar o grupo do local, as primeiras preocupações foram levar comida e medicamentos e estabelecer contacto com as famílias. Foi por esta altura que um dos mergulhadores envolvidos na operação morreu. O militar tailandês Samarn Poonan, de 38 anos, mergulhador profissional, ficou sem oxigénio quando regressava à entrada da gruta, depois de ter ido levar mantimentos às crianças.
Paralelamente, vários operacionais no terreno trabalhavam para o dia em que as crianças iriam finalmente começar a ser retiradas da gruta. O momento que chegou a parecer impossível chegou a 8 de julho, seis dias depois de Fernando entrar na gruta. O Comando decidiu que a forma mais segura de transportar doze crianças e um adulto que nunca tinham feito mergulho — e alguns nem sabiam nadar — era sedá-los e transportá-los em macas, com máscaras de oxigénio.
Fernando admite que, em alguns momentos, foi tomado pela fraqueza. Entre a constante preocupação de se manterem os níveis de água baixos e o stresse de começar a ver o resgate a efetivar-se, chegou a questionar o que fazia ali. Mas esforçava-se para que os pensamentos positivos regressassem. “Estamos aqui agora e vamos tentar fazer disto um sucesso”, pensava. “Ainda bem que foi o que aconteceu”, conclui agora, aliviado.
Quando o resgate começou, Fernando ficou posicionado na câmara 2. Agora, a missão era receber as macas que eram transportadas ao longo de um percurso de cerca de quatro quilómetros, com pouca visibilidade, em parte debaixo de água e com alguns canais muito estreitos. Recebia as macas e passava-as aos outros mergulhadores, para depois as vítimas serem levadas para o hospital. “Senti-me aliado quando vi a primeira criança a sair, percebi que o resgate estava finalmente a acontecer, que ele estava bem e que ia a caminho de casa”.
Não houve qualquer sinal por parte das vítimas. As crianças, e mesmo o treinador, foram sedados e fizeram todo o percurso a dormir. “Apenas um ou dois tinham os olhos abertos e olhavam à volta, mas estavam muito sedados”, descreveu. “Foi melhor assim. Carregá-los nas macas, tudo bem, mas para mergulhar havia um risco muito grande. Se eles entrassem em pânico a mergulhar, não havia forma de escapar da caverna. Podia ser muito mau, podiam morrer. Dando-lhes medicação e pondo-os a dormir, estávamos a resolver esse possível problema. Os mergulhadores só tinham de preocupar-se em mergulhá-los e garantir que a máscara não lhes saia da cara, para continuarem a respirar. O trabalho é muito mais fácil assim”, explicou.
Mas a complexa operação de resgate não foi feita de uma só vez. Depois dos primeiros quatro resgatados, o pessoal envolvido tinha de descansar e as bombas de oxigénio tinham de ser repostas. Só depois podiam voltar. Numa missão destas, porém, foi difícil obrigar o corpo a repousar. “Quando parávamos algumas horas, podíamos descansar. Podia dormir quatro ou cinco horas, mas não muito bem porque pensava muito na operação. Estávamos todos em diferentes hotéis, depois voltávamos e a operação recomeçava. Primeiro saíram quatro, depois outros quatro, depois os restantes. Foram três dias”.
Cá fora havia equipas de apoio. E os olhos de muitos outros à espera de novidades. “Nunca me fez confusão porque, quando saía, estava numa tenda com os restantes mergulhadores e não me apercebia disso”, diz. Fernando garante que tudo correu como planeado. Mas, mesmo no final, ainda houve lugar a um pequeno susto. Já depois de retirada a última vítima, uma das mangueiras de uma bomba de extração de água explodiu. E, por isso, os níveis de água aumentaram. Nesse momento, só uma pequena parte da equipa estava na caverna a recolher os últimos equipamentos. Fernando ouviu os gritos: “Evacuação, evacuação”. E foi o que fizeram, rapidamente e sem incidentes.
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Já todos cá fora, abraçaram-se e comemoraram o fim de uma operação milagre. Fernando não teve qualquer contacto com as crianças depois. Diz que ainda tentou beber umas cervejas com os mergulhadores que estavam alojados no seu hotel, mas, ao fim de duas bebidas, estavam tão cansados que acabaram por ir dormir.
Quando regressou a casa, lembrou numa publicação no Facebook que ele e os restantes mergulhadores envolvidos no resgate chegaram a salvo a casa, pelo que podem continuar a sustentar as suas famílias. Mas Saman, o mergulhador que morreu na gruta quando tentava salvar as 12 crianças e o treinador, não. Por isso, pede a todos que contribuam para ajudar a mulher de Saman.