Maria Giulia Prezioso Maramotti Germanetti teve o seu primeiro casaco camel Max Mara aos 14 anos. “Não foi um dos icónicos, o que faz sentido, porque não ficam bem numa rapariga daquela idade, era um modelo mais masculino, quadrado e muito simples e ainda o tenho.” Conta que lhe foi dado pela mãe e, entretanto, passou-o à filha, uma verdadeira herança de família como, aliás, acontece com a própria Max Mara. A neta do fundador da marca pertence à terceira geração de um clã dedicado a este império, mas a sua herança de moda começa na trisavó Marina Rinaldi, que não por acaso é o nome de uma das marcas do atual grupo.
É a atual diretora de retalho omnicanal do Max Mara Fashion Group. Uma curta conversa à hora do chá da tarde em Lisboa, revelou-se um longo passeio entre passado e futuro, recheada de heranças e memórias de uma família que há gerações se dedica à moda e com paragem obrigatória no próximo desfile Resort da marca, que acontecerá na capital nacional a 28 de junho. A nova coleção teve o seu ponto de partida no museu Gulbenkian e Natália Correia, fogura da política e da poesia, como musa inspiradora.
De Itália para Lisboa e para o mundo
No próximo dia 28 de junho, a Fundação Gulbenkian vai ser palco do desfile Resort da Max Mara. Maria Giulia conta que tudo começou com uma viagem do diretor criativo da marca, Ian Griffiths, a Lisboa. “Ele é britânico, é um cavalheiro muito interessante que lê e viaja muito”. O método de trabalho passa por viagens que fez ou por mulheres sobre as quais lê e, numa visita ao museu Gulbenkian, viu um retrato de Natália Correia, que assim se tornou a musa inspiradora desta nova coleção. “Uma poetisa, política e ativista, escritora portuguesa. Ele foi inspirado pelas ideias que, se pensarmos, são muito contemporâneas, e a estética dela era muito moderna”. Para esta coleção o diretor criativo trouxe ainda Amália Rodrigues e os lenços dos namorados e há também padrões coloridos.
A Max Mara começou a fazer desfiles resort em 2019 e desde o início que há sempre uma cidade que serve de base ao projeto. Desta vez Lisboa foi o destino escolhido. “Eu não sou uma especialista, mas não é segredo que há agora uma nova onda de entusiasmo. As pessoas viajam para cá e mudam-se para cá. Tenho amigas que se mudaram do Brasil para Lisboa.” Se há uma década ou mais, capitais como Nova Iorque, Londres ou Paris eram o destino eleito para uma mudança de vida, com a pandemia o cenário mudou. “Lisboa está a intercetar o que as pessoas querem deste momento: cultura, entusiasmo, história, beleza, mas não reconhecem necessariamente a importância de estarem numa metrópole”. Em resumo, afirma: “Acho que é muito contemporâneo apresentar numa cidade que não tem tido o glamour associado à moda, por isso estou muito contente por termos decidido apresentar aqui, para celebrar o glamour próprio que a cidade tem.”
Da bisavó herdou o nome, mas também o engenho
Para trás de Maria Giulia não está apenas o legado Max Mara, mas também uma linhagem de mulheres empreendedoras. “Eu gosto de dizer que venho de uma família de feministas pragmáticas, elas eram feministas no início do século XIX. O feminismo não existia”.
A sua trisavó chamava-se Marina Rinaldi (nome da marca que hoje pertence ao grupo Max Mara) e geria uma loja elegante de vestuário em meados do século XIX. A geração seguinte foi a da sua bisavó, Giulia Fontanesi Maramotti, a mãe do fundador da marca, que começou a sua própria escola de alfaiataria e costura, e que se tornou muito famosa no seu tempo. “A minha bisavó teve uma escola de costura e corte, ela era uma professora e uma educadora. Acreditava no empoderamento das mulheres através de as educar, em várias coisas.”
Explica que não tinha a ver com a educação intelectual da época, mas sim com o conceito de economia doméstica e como a mulher podia contribuir com aquilo que sabia fazer. Durante a II Guerra Mundial, a bisavó Giulia ensinou as filhas a cortar roupas de crianças a partir de vestuário masculino usado. “Estamos a falar de sustentabilidade em 1943”, conta a bisneta. “Não tendo dinheiro era preciso encontrar uma forma de contribuir para o negócio da família, através do papel enquanto mulher. Por isso não foi uma abordagem revolucionária ao feminismo e ao poder das mulheres, foi pragmatismo.” Desta bisavó, Maria Giulia conta que herdou o nome e confessa que gosta de acreditar que herdou também a capacidade engenhosa.
Nas gerações mais recentes há ainda a mãe, que descreve como uma “mulher de negócios fantástica”, contudo é muito tímida e portanto está sempre nos bastidores. Trabalharam de forma muito próxima e isso teve muito impacto na vida da filha. “Eu considero-me muito sortuda, por ter tido a sua orientação; às vezes é estranho, mas posso dizer que tem sido um privilégio construir esta relação com a minha mãe.”
Desde que começou a trabalhar na Max Mara já apanhou todo o tipo de agitações, como a crise económica mundial, pandemia ou guerra. “Talvez deva reformar-me…”, suspira a empresária, admitindo que a geração anterior à sua também dirá que viveu as sua crises — contudo frisa as dificuldades crescentes desde 2008. “Não sei o que significa ‘fácil’. Mas acho que tem sido entusiasmante, porque nos últimos 15 anos o negócio mudou mais do que nos 55 anteriores.”
Apesar dos desafios, não se considera uma pessoa negativa. Acredita que estamos a viver num tempo muito interessante com muitas mudanças e muito rápidas. “Se se quer fazer este trabalho tem de se ser otimista. Porque haverá sempre de surgir alguma coisa.”
Maria Giulia Prezioso Maramotti Germanetti nasceu em Parma e cresceu em Reggio Emilia, a mesma cidade natal da Max Mara. É neta do fundador da marca, Achille Maramotti e pertence à terceira geração da família a envolver-se nos negócios do grupo. “A transição geracional está a acontecer. É muito entusiasmante e complicado, a muitos níveis.” Por enquanto não pensa no seu próprio legado, associando o conceito de empreendedorismo a uma capacidade para interpretar o presente. “Não estou preocupada com o que vou deixar daqui a 30 anos quando me reformar, mais com o negócio hoje e em perceber o mecanismo e torná-lo bem sucedido.”
Formou-se em Administração Empresarial na Universidade de Bocconi, em Milão, em 2005, onde, em 2008, também acrescentou ao currículo o grau de mestre em Ciência da Gestão de Mercados Financeiros e Instituições Financeiras. Antes de se juntar à equipa Max Mara, viveu em Londres, onde trabalhou para o Credit Suisse. Em 2008 integrou o negócio de família. Começou na área do retalho, em Paris viveu e trabalhou durante o ano como Retail Manager para o mercado francês. Depois passou oito anos em Nova Iorque como vice-presidente do retalho norte-americano do grupo Max Mara. Em 2019, não só voltou para Itália, onde é atualmente diretora de retalho omnicanal do Max Mara Fashion Group, como também se casou com Lincoln Germanetti. Vivem em Milão.
O sucesso de 70 anos de Max Mara: manter-se fiel à sua identidade e às necessidades das clientes
Achille Maramotti fundou a Max Mara em 1951, em Reggio Emilia, no norte de Itália, entre Parma e Modena onde abriu portas a primeira loja. O objetivo era oferecer roupa feminina de alta qualidade. Maramotti especializou-se na produção de casacos inspirados na moda francesa, feitos com materiais de luxo e técnicas de alfaiataria — primeira coleção contou um casaco camel e um fato vermelho que foram sucessos e definiram a assinatura da marca.
O casaco camel foi, desde o início, um ícone de identidade. “Lembro-me do meu avô contar a história à mesa de jantar. Era o que as mulheres daquela época queriam usar. Qual era o ideal de guarda-roupa de uma mulher em 1951? Um fato e um casaco camel. É isso. O meu avô era sintético.” Para Maria Giulia, o casaco camel tem uma certa “magia” intemporal. “O camel pode ser clássico, unânime, é um tom antigo, pode ser do início do século passado, mas no entanto, é algo a que queres voltar porque funciona sempre”. Ainda hoje se mantém atual, desejável e uma assinatura da Max Mara, da qual também é cliente. “Eu uso a marca”.
A empresa fechou a década de 60 a preparar a internacionalização, nos anos 90 chegou aos Estados Unidos e seguiu-se o extremo oriente. Hoje, o grupo apresenta 19 coleções e conta com as linhas da marca Max Mara e as das marcas Marina Rinaldi e Marella. Atualmente tem mais de 2300 lojas no mundo e está presente em mais de 10 mil lojas multimarca. Ao todo é possível comprar Max Mara em 105 países.
Maria Giulia não trabalhou com o avô, mas conheceu-o muito bem, uma vez que quando ele morreu ela tinha 21 anos, recordando como se “reformou” cedo. “Bem ele não se reformou, ele dedicou-se a outros negócios, finanças, arte contemporânea e outras coisas. Mas ele deixou a empresa em 1992. Ele estava lá, mas não envolvido nas operações do dia a dia.”
O objetivo do fundador era vestir a classe média alta, ou “a mulher do médico”, como costumava dizer. Atualmente a neta confessa que gostaria que, nas próximas duas décadas, todas as mulheres quisessem ter uma peça Max Mara. “Acho que nos últimos 70 anos fizemos um bom trabalho. Falámos de sermos verdadeiros com as mulheres, sermos muitos realistas no que toca ao que elas vestem, o que elas gostam e isso é o que a Max Mara sempre fez.” De facto, ao longo destas décadas a marca apostou na qualidade. A Manifattura di S. Maurizio foi criada por Achille Maramotti em 1988 e foi para aqui que se transferiu o departamento de produção da Max Mara que existia desde 1951. A fábrica moderna produz, atualmente, 100 mil peças de roupa e aqui investe-se na qualidade da produção, mas também no desenvolvimento tecnológico.
A empresária destaca a importância da continuidade no sucesso da marca, mas diz que é um trabalho difícil porque há marcas no mercado a apostarem no que é mais estimulante em cada época e isso vai ao encontro do que as pessoas procuram: a novidade. “Mas acredito no valor de algo a que queres sempre regressar”, defende, destacando a importância dos clássicos. “No fim, o que eu mais respeito no nosso trabalho é a capacidade de manter uma relação com a cliente no que toca ao estilo e à oferta e ao que somos. Nunca lhes virar as costas.”
Claro que a mudança é um fator essencial na moda, sempre foi. Maria Giulia diz-se fã de mudanças e não apenas nesta indústria. Explica que, atualmente, num mundo com tanta oferta é mais importante do que nunca assumir uma identidade e exprimi-la, e admite que a Max Mara sempre foi muito tímida a fazê-lo. “Hoje temos de expressar a marca de uma forma diferente porque, para sermos reconhecíveis para o consumidor, temos de encontrar uma forma de ouvirem o que temos a dizer. De outra forma é como estar numa sala cheia de gente a gritar e ver quem consegue elevar mais a voz.” Explica que o conceito é manterem a sua identidade e mensagem, mas expressá-las de diferentes formas.
Maria Giulia veste a pele de empresária, mas também de cliente consumidora da marca. Diz que as mulheres são o centro da Max Mara e afasta a ideia de virem a fazer vestuário masculino num futuro próximo. Olhar para a marca com o olhar da consumidora é o objetivo agora. Vê a sociedade atual menos disponível para as ditaduras da moda e mais focada nas suas próprias opiniões, por isso recai sobre as marcas a responsabilidade de responder às necessidades das mulheres, ao invés de impor tendências. “Temos de ter os pés bem assentes no chão, corremos o risco, por vezes, de sermos aborrecidos, mas não há aborrecimento nenhum em ser realista sobre o que as mulheres vestem.” Acredita que as mulheres procuram na moda peças “que são topo de gama, porque tem muita qualidade e que vão fazer a diferença no guarda-roupa durante alguns anos” e são as peças intemporais que respondem a esta procura, “mas têm de ser substanciais e com qualidade porque senão há muita competição que oferece coisas com um preço mais baixo que podem usar algumas vezes, deitar fora e arrepender-se.”
A herdeira e empreendedora acredita que o facto de a Max Mara ser uma marca italiana lhe acrescenta valor. “Quando o meu avô fundou a marca queria um nome que fosse internacionalmente fácil de pronunciar e não remetesse para as raízes italianas, porque ser internacional era muito mais cool do que ser italiano”, conta, apontando a manufatura como uma peça chave. “Em Itália existe este conceito de pesquisa de tecidos, o corte, a costura, continua a fazer parte da identidade do país”, embora diga que se está a perder, mas a marca continua a refletir o cuidado com os tecidos e com os cortes. Afinal, as raízes italianas estiveram sempre lá e, 70 anos depois, bem podemos concluir que muito contribuíram para o sucesso da marca.