A seda estampada da coleção spring-summer harmoniza reencontros públicos. A 22 de julho, em Coimbra, à saída do salão nobre da Câmara Municipal, o momento era propício para aliviar nós entre o “grande boxeur” Pedro Nuno Santos e António Costa depois do episódio da desautorização sobre o novo aeroporto. Afinal, como captaram as câmaras da SIC, os protagonistas entendem-se nesta matéria.
– Não trouxe os seus sapatos mas olhe, trouxe uma gravatinha do seu alfaiate
– Ah…
– Fui descobrir o seu alfaiate
– Claro. Era porreiro. E é lá…
– É naquele grande bairro
Nessa mesma semana, seguindo o embalo do seu ministro das Infraestruturas e da Habitação, o primeiro-ministro dirigiu-se ao número 75B da Rua 4 da Infantaria, em Lisboa. A visita e a compra estariam à discreta e cómoda distância da loja online, expediente oportuno para um chefe de Governo tão atarefado como a equipa da casa, mas nestas coisas da indumentária a preceito, como na política, “é preciso experimentar”, concorda o anfitrião Duarte Foro, confirmando que o cliente veio à loja. “Não gostamos muito de falar dos nossos clientes, porque valorizam a privacidade, mas tanto um como outro vêm cá pessoalmente.”, adianta o gestor João Mendonça.
Do expositor à direita, um paraíso de cores e material premium, saiu uma “Belize”, o modelo da gravata com padrão azul que o primeiro-ministro exibiu nessa Cerimónia de Assinatura do Auto de Consignação do Troço Aeminium – Hospital Pediátrico e Remodelação das Redes de drenagem de águas residuais. A peça da It Tamarindo já esgotou, mas há muito mais por onde escolher. Um primeiro-ministro com inesperados dotes de influencer da moda? “A gravata provavelmente já era última”, relativiza João, que há quatro anos se tornou sócio desta loja, onde vende estes acessórios em regime exclusivo, sempre em edições limitadas. “As que temos cá são mais propícias a um apreciador de gravatas. Cada uma tem poucas unidades, queremos manter este conceito. Quem vem à Alphaiate fazer um fato ou por causa de um acessório é um apaixonado por roupa, por ter uma peça distinta, mas que pode não ser cara.” Neste caso, voar para a “Belize” custou 68 euros.
A maioria dos clientes pode não chegar à Alphaiate conduzida pelo motorista que aguarda lá fora, mas uma vez no interior do exíguo atelier, se cada corpo veste o seu fato de forma singular, há uma regra universal: “O mais importante para nós é a forma descontraída de tratar o cliente pelo nome próprio, logo na primeira abordagem via email. Se for João, é João, se for Duarte é Duarte.”. Bom, e se for António… é António? “Exatamente”.
(Já agora, os sapatos que Costa menciona não foram feitos aqui)
Quem precisa de um bom fato em teletrabalho?
A ligação da Alphaiate aos corredores de São Bento vem de 2016, quando começaram por funcionar a um passo da Assembleia da República, atraindo uma fauna que encontra no clássico fato o hábito diário, aqui com uma interpretação que pretende trazer frescura às propostas mais “tradicionalistas”. Mais tarde, acompanhariam a mudança para o tal “grande bairro” de Campo de Ourique, para uma abordagem contemporânea, e devidamente personalizada, deste uniforme que vai além da categoria cerimónia. Não é que tenhamos o Conselho de Ministros todo, mas sim, alguns fazem aqui os fatos. Também já tínhamos alguns deputados. Como temos também advogados, CEOs, ou embaixadores E pessoas completamente desconhecidas, mas todos tratados da mesma maneira.”
Se os dois primeiros anos de atividade foram “uma prova de conceito”, continua João, “para percebermos que havia um mercado para isto”, os quatro últimos foram sobretudo de profissionalização da marca e da empresa a todos os níveis. Para trás fica a ligação a esse espaço de cowork e ao veterano senhor Alfredo, que começou por orientar o rosto que hoje recebe os clientes neste espaço. “Eu sou de História, não fazia ideia de nada quando comecei, foi do zero. Tive que ter aulas com ele e com outros alfaiates e ainda hoje continuo a ter aulas.”, conta Duarte, um dos fundadores do projeto. A ele juntavam-se então a gestora Sofia Marques da Costa e Francisco Appleton, outro dos sócios fundadores, que divide a gestão e desenvolvimento da marca com João Mendonça, que se juntaria ao grupo dois anos depois do arranque. Quanto ao vigoroso salto técnico, foi possível com a chegada de Maria Vaz, que leva mais de trinta anos nesta área da confeção por medida, e é outra das caras que dá a boa vinda a quem chega, em matéria de personal tailoring.
A Alphaiate surgiu para servir e seguir o gosto do “jovem adulto”, entre os 25 e os 40 anos, que “não se importa de pagar mais para ter uma peça diferenciada”, seja a inscrição das iniciais ou de uma frase especial que marca um dia único. Nas redes sociais da marca, a novidade é servida por caras conhecidas que se inscrevem na faixa e que personificam a adesão a esta segunda pele. O ator Tiago Teotónio Pereira, a desfilar nos Globos de Ouro, ou o surfista Nic von Rupp, a encharcar o seu fato nas águas de Bali, juntam-se ao lookbook. Para inspirações adicionais, nada como recorrer ao Instagram e ao Pinterest e aparecer com alguma imagem que possa orientar os alfaiates de serviço. “Tentamos não copiar a imagem, claro, mas dá alguma referência, o que é bom”, confirma Duarte.
Dos botões ao forro, do corte ao tecido, tudo pode ser escolhido, menos os imponderáveis, a que é preciso responder com ginástica. Em 2020, com a a pandemia, um fato tornou-se tão imprescindível como um megafone num retiro de silêncio – os grandes eventos foram adiados para segundas e terceiras núpcias e o regime de teletrabalho convidou ao loungewear, uma outra forma de costurar os termos “pijama” ou “fato de treino”. “Estivemos muito tempo fechados e não dá para fazer isto online. Vários meses a faturar zero. Mas também temos as vantagens de ter uma estrutura elástica que nos permitiu passar essa fase sem grandes problemas. Tivemos um crescimento grande apesar da Covid”, admitem. E se no primeiro ano de restrições ainda conseguiram trabalhar um pouco, 2021 já foi um ano de grande subida, superando mesmo 2019. “Os nossos principais segmentos são a cerimónia e o business, que estão ambos a crescer bastante. Em final de julho, este já é o melhor ano de sempre da Alphaiate”.
Há uma terceira via a explorar, para lá dos casamentos, batizados e do guarda-roupa de trabalho puro e duro: o segmento casual. “Queremos demonstrar que este serviço de medida pode ser feito para um fim de semana, um jantar, um cocktail, ou mesmo para o dia a dia, que seria o ideal, não restringir a um evento”, explica Duarte, a quem pedimos um brevíssimo raio-X aos usos e costumes do cliente masculino. “Posso fazer um fato que se fazia há vinte anos. O que se calhar muda mais são coisas como as cores. O homem acaba sempre por usar as mesmas roupas. Tem muito a ver com estilo. Costumo dizer que não sou uma marca de moda, sou uma marca de medida. O cliente quer uma coisa, quer outra, temos que conseguir satisfazer essa necessidade.”
O cliente pode ter sempre razão, mas a loja tem sempre a sua pauta de orientações e um desvio só é consentido se não desvirtuar o conceito base. “Queremos ser a montra de alfaiate. O cliente chega cá, vê cada um de nós com um estilo, também segue a nossa comunicação e vê um estilo que vai ao encontro do que gostamos. Claro que também já houve clientes a vir ao sítio errado e nós dizemos que não está no sítio certo para fazer o que quer e encaminhamos para outro lado. Procuram coisas que não fazemos. Sem ser pretensioso mas por vezes não se adequa à nossa marca.”, continua Duarte.
Quanto a valores, é possível encomendar um blazer por 390 euros. Um fato completo situa-se perto dos 600, podendo escalar para outros valores, consoante os pedidos. “O que sinto é que com o passar do tempo os clientes vêm aconselhados por outros clientes e já nos dão liberdade para ajudarmos em tudo, para escolhermos quase tudo. É um processo. Os portugueses ainda são conservadores mas sinto que está a mudar.”
“Hands off my jacket” e a “loucura” dos fatos verdes
Americanos que pedem frases originais (“Não toquem no meu casaco”), datas simbolicamente gravadas na gola, pedidos de muitos estrangeiros que já vivem em Lisboa e até um adiamento forçado pela guerra, como a história do cliente ucraniano que fez um fato na Alphaiate. “Vive em Lviv, ia casar com uma portuguesa mas mandou um email a dizer que tinha que adiar o casamento. Não podia fazer a prova porque não consegue sair da Ucrânia.”, descreve João, que explica como funcionam os slots de atendimento no atelier. O espaço abre às 11h00 e só encerra às 20h00. Pelo meio, adia-se a pausa para almoço (cumprida das 15h00 às 16h00) para que os clientes possam usar a sua para passar por aqui. A marcação inicial tem a duração de uma hora, para trocar ideias, escolher materiais e tirar medidas. Segue-se a vinda para a prova, despachada em cerca de trinta minutos. Os dias são agitados de ambos os lados e desligar, mesmo entre fitas métricas e alfinetes, nem sempre é fácil. “Tínhamos um cliente que vinha sempre com o computador e estava em calls e a tirar medidas.”, lembra Duarte.
Se uma gravata da It Tamarindo não passa despercebida na televisão (pelo menos aos olhos dos amigos mais próximos que encheram os telefones de mensagens depois da inesperada exposição de dia 22) é mais difícil identificar um fato da casa através do ecrã. Ao vivo e a cores, no entanto, a proveniência não escapa ao crivo do alfaiate. Maria acena ao fundo do atelier com um sorriso cúmplice que confirma o olho clínico. “Há certas combinações que sabemos que só eu e o Duarte fazemos.”. E serão os homens mais ou menos picuinhas que as mulheres no momento da prova? “Quando vêm ter connosco, às vezes fazemos com que sejam picuinhas, que sejam mais exigentes com eles próprios”, confessa. “Sentimos que quanto mais o cliente entende do assunto, mais fácil é vender”, corrobora Duarte. “E é bom quando volta, quando percebe a diferença de construção. O cliente leva uma peça à medida mas leva também uma experiência.”
Marcas italianas, inglesas, francesas, e a portuguesa Faroleiro, destacam-se na matéria-prima usada, com cada carteira de tecidos arrumada nas prateleiras a acomodar 70 variedades. Nas camisas, palco para a Albini ou Thomas Mason, entre outras sugestões. Averiguando os charriots em redor, percebe-se que há tons que permanecem campeões de vendas, escolhas imbatíveis que não comprometem os menos afoitos. E depois ainda, numa nota de arrojo, vão despontando em alguns cabides algumas cores que até há não muitos anos seriam aves raras. “Este é o ano do verde, tem sido uma loucura. Temos aqui só dois ou três blazers mas a semana passada tinha aqui uma palete deles. Se tivessem vindo cá há dois anos, se calhar só viam azul. Sentimos que este ano também há muitos casamentos casuais, fizemos menos fraques que o ano passado. Há de tudo.”
De 20 para 200 metros quadrados, prontos para o pronto a vestir
“Seriously casual”. Está encontrado o lema para os próximos tempos, que promete ganhar fôlego redobrado no futuro espaço, ainda em obras. É do outro lado da rua, a um passo de distância do atelier-mae, que será inaugurado, no final de outubro, um espaço Alphaiate onde o circuito de compras vai conhecer novas paragens. Se no piso inferior é possível tirar as medidas em busca do fato perfeito, ao nível térreo a equipa estreia-se no pronto a vestir. Dos casacos safari ou sobretudos, passando pelas golas, já a pensar na temporada fria, é daqui que sairá o design, com a produção a ser assegurada a norte, como é já habitual na casa. No próximo verão, outras novidades entrarão em cena, prontas a comprar.
“Achamos graça a este conceito de loja de bairro”, diz Duarte, assumindo que o requisito era permanecer em Campo de Ourique. “Vivemos aqui, temos essa ligação, mas faz todo o sentido uma marca como a nossa estar numa rua em vez de estar num centro comercial ou num terceiro andar de um apartamento fechado.Isso para nós não faz sentido. Queremos ser uma marca de exclusividade mas também de proximidade, de porta aberta, ainda que o cliente depois tenha acesso a uma área reservada, no andar de baixo, em que está à vontade, até porque os clientes não se cruzam.”
No 75 B, que se manterá aberto, vão continuar a oferecer um serviço adicional de arranjos. No novo endereço, no 96A, aposta-se na transição. Enquanto o espaço original não vai além dos 20 metros quadrados, este chega aos 200, e vai incluir zona de mostruário, pequeno bar, atendimento ao cliente, armazém e escritório concentrado no piso superior. “Vamos ter ali uma ideia de tudo o que pode ser feito à medida, até uns jeans. Um fato ou um blazer não têm de ser boring, podem ser descontraídos e super confortáveis. É isso que queremos passar, educar o cliente neste sentido da medida.” Quanto à equipa, é natural que cresça também um pouco – na loja nova deverão ter pelo menos mais uma pessoa na parte operacional.
Apesar de a mistura de atendimentos não ser um plano a curto prazo, criar uma linha feminina pode acontecer mais por diante. “É uma ideia a médio e longo prazo, ter um espaço só dedicado à mulher. Já temos recebido alguns emails a perguntarem por isso. Temos esta e outras ideias.”
Como encontrar um lugar para o carro no bairro pode demorar bem mais que a prova de um fato, a Alphaiate tratou do assunto. Não tem motorista? Sem problema. Mesmo que venha só comprar uma gravata, peça para estacionar na vizinha garagem Pelicano.