No Bloody Mary nada é só o que parece. A decoração é asiática, mas aqui também se comem tacos. A entrada mostra-nos apenas um balcão, mas há mais três salas escondidas no interior do restaurante. Aqui janta-se, mas também é bem-vindo quem só quer beber um cocktail. Depois de Má-sá, Jaquinzinho, The Burger Factory ou Original, o chef Miguel Mouzinho está de volta, com um projeto versátil, que imprime as suas vivências passadas no oriente e que vai buscar o conhecimento de uma carreira que se tem centrado, sobretudo, no setor da restauração.
História
Para conhecermos a história do Bloody Mary é importante conhecermos a história de Miguel Mouzinho: em 1984, com apenas dois anos, rumou a Macau com os pais, que aqui abraçaram um novo capítulo de vida. Foi neste território, naquela altura sob administração portuguesa, que se fez adolescente, até em 1999 regressar a Portugal, nas vésperas desta ilha regressar à China. Não sabemos bem se a Ásia é a primeira ou a segunda casa do chef, tanto que, conta ao Observador, mantém viagens regulares ao sítio que o viu crescer. São, aliás, as memórias deste local longínquo que continuam a servir de fonte de inspiração a alguns dos negócios na área da restauração que o empresário vem criando. Depois do Má-Sá — projeto que teve em conjunto com a sua mulher, a atriz Débora Monteiro, que entretanto já encerrou — acaba de abrir no Cais do Sodré, o Bloody Mary. Ainda que o nome não dê pistas do que se trata, basta espreitar pela porta do número 236 da Rua de São Paulo para se perceber a ligação à Ásia.
Mas os pormenores sobre o espaço ficam para depois. Primeiro, a história. Nada foi delineado com grande antecipação. As peças foram-se juntando gradualmente — e tudo começou com o espaço: “Já queríamos vir para a Rua de São Paulo. Encontramos, sem querer, este sítio e, em três dias alugámo-lo e começámos as obras, ainda sem a certeza do que queríamos fazer aqui”, conta ao Observador, Afonso Leitão, chef executivo, gerente do espaço e braço direito de Miguel Mouzinho. Ainda sem um tipo de cozinha fechado, o empresário começou por pensar as obras para o espaço, que era um antigo armazém, e que levaram nove meses até ficarem concluídas. Deparando-se com alguns presentes que o irmão lhe havia trazido de Macau — desde máscaras a candeeiros —, e juntando-os ao seu conhecimento em matéria oriental, retomou a sua inspiração base, decidindo apostar num sítio que se reveste de Ásia, mas que tem em si sabores de muitos outros sítios do mundo — com especial ênfase para a América do Sul. O Bloody Mary, nome de que sempre gostou e que estava guardado na carteira já a pensar num potencial novo negócio, aposta na cozinha de fusão e descreve-se como sendo um “crudo bar”.
Espaço
Um restaurante, um bar e quatro espaços distintos que, ao todo, permitem que 120 pessoas se sentem em simultâneo. A entrada mostra-nos logo um longo balcão com 7 lugares, número de “boa sorte e prosperidade” na cultura chinesa, explica Afonso Leitão. É aqui que fica o chef de bar, responsável por, à nossa frente, misturar todos os elementos dos cocktails que compõem a carta, da qual fazem parte seis opções exclusivas da casa — sem esquecer os sakes.
De pé direito elevado, o ambiente asiático mistura-se com o industrial. O chão é de cimento e atrás de nós temos um banco corrido com almofadões vermelhos. As paredes, de onde também se destacam os neons, estão revestidas pelas tais máscaras chinesas, que o irmão de Miguel Mouzinho trouxe de Macau. É aqui, virados para o burburinho da Rua de São Paulo (especialmente animada, não fosse sexta-feira) que fazemos a nossa refeição e provamos alguns dos pratos e cocktails que saem da cozinha aberta. Essa fica na sala seguinte, com as boas vindas a serem dadas por um letreiro que indica “back room”. Com mesas de madeira, aqui as luzes são mais baixas, num espaço que remete para refeições mais longas e com capacidade para receber mais pessoa. Umas escadas levam-nos para o andar de cima, onde vemos uma mesa para jantares privados — o destaque vai para os bancos de porcelana chinesa, com diferentes cores. Ao lado, o quarto e último espaço: luminoso e de tons mais neutros (sobressai o cinzento claro, em mais uma homenagem ao estilo industrial), fica na mezzanine com vista para o bar, e é idealizado para jantares mais sossegados, a dois.
Assim se entende que o Bloody Mary não é só uma coisa. Não é só um sítio para comer uma refeição ao balcão, não é só um local para um jantar de amigos, não é só um refúgio pensado para os que querem ir a dois. É várias coisas. Não é só um restaurante, também é um bar com programação, marcada pela presença de diferentes DJ, que ocupam a cozinha aberta, com vista para a sala, no momento em que a comida para de sair. Por isso, não estranhe: para que haja um controlo sobre quem entra e sai, é possível que durante a refeição lhe seja atribuída uma pulseira que o deixará circular livremente entre o espaço e a Rua de São Paulo, onde fica uma esplanada, com oito lugares — e que se prevê que cresça.
Comida
Apesar de tudo nos remeter para a Ásia, no Bloody Mary a carta desdobra-se em vários capítulos (cru, tacos, vapor, quente e noodles) que, no seu todo, fazem jus ao conceito de fusão. Em comum têm a escolha de produtos sazonais e locais adquiridos, sempre que possível, no Mercado da Ribeira, conta-nos Afonso Leitão, que acrescenta que o Mercado Asiático do Martim Moniz também é visita frequente. Assim, de três em três meses, de forma a que se respeitem os ritmos da natureza, a oferta vai mudando, substituindo-se o produto que já está fora de época por aquele que cresce na altura. “Temos uma tom yum soup que leva tomate coração de boi que, em setembro, vai ser substituído porque, nesta altura, o produto já fica fora de época. Fica mais verde, com menos açúcar, menos saboroso”, conta o gerente, que já passou pelas cozinhas do Grupo Avillez e do JNcQUOI, antes de se juntar a Miguel Mouzinho, no projeto Jaquinzinho.
Composta maioritariamente por opções com peixe, não se organiza por zonas geográficas, mas sim por tipo de pratos. No campo dos crus, encontra, por exemplo, tártaro de novilho (15€) ou ceviche de corvina, abacate, leite de tigre e wasabi (15€). Mantendo a homenagem aos sabores sul americanos, vêm depois cinco opções de tacos, com polvo, salmão ou bacalhau (7 a 9€). E entrando no capítulo asiático, surge então uma secção inteiramente dedicada a pratos ao vapor, como dim sum de camarão com bambu (10€) ou gyosas vegetarianas (11€). Nos pratos quentes, há, por exemplo, ramen de vaca ou de camarão (15€ e 14€, respetivamente) e ainda tom yum soup com camarão, gengibre, citronella e limakafir (16€). Seguimos para os noodles, com três opções, entre o vegetariano (14€), o camarão (17€) e o frango (16€). E, para os que procuram uma refeição ainda mais leve, as saladas. No campo das sobremesas, é provar a mousse de chocolate com wasabi (9€).
O Bloody Mary está aberto quarta-feira e domingo, do meio-dia à uma. E de quinta-feira a sábado, do meio dia às duas.