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O Representante da República para a Região Autónoma da Madeira, Ireneu Cabral Barreto (D ), durante uma reunião com o Presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, no Palácio de São Lourenço, no Funchal, 29 de janeiro de 2024. HOMEM DE GOUVEIA/LUSA
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Albuquerque apresentou demissão esta segunda-feira ao Representante da República para a Região Autónoma da Madeira, o juiz conselheiro Ireneu Barreto-

HOMEM DE GOUVEIA/LUSA

Albuquerque apresentou demissão esta segunda-feira ao Representante da República para a Região Autónoma da Madeira, o juiz conselheiro Ireneu Barreto-

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Dúvidas legais, pressão política e hesitações. O que pode acontecer na Madeira?

Situação política na Madeira cai num limbo constitucional e está enredada em dúvidas do estatuto político-administrativo. Pode haver eleições, mas até lá a pressão é imensa e os poderes reduzidos.

“Aceitei a demissão mas ainda não demiti”. A frase dita esta segunda-feira pelo Representante da República na Madeira tem, segundo constitucionalistas ouvidos pelo Observador, um erro de base. Não cabe a Ireneu Barreto aceitar uma demissão que, a partir do momento em que é pedida está efetivada e o Governo Regional em gestão. Mas este é apenas um dos problemas que a situação política da Madeira enfrenta nos próximos dias. A queda de Miguel Albuquerque cai num verdadeiro limbo, em que o único poder do Presidente da República (a dissolução) está congelado e o do Representante da República é  limitado — ainda assim decisivo para quem quer mudar o presidente do Governo regional já.

A pressão de PSD e CDS é grande para que se mantenha a atual composição parlamentar e, por isso, avança-se com uma estratégia de pressão que resulta num encurtar da margem do Presidente da República para dissolver a Assembleia Legislativa Regional quando finalmente tiver poder para isso. Só a 24 de março é que passam seis meses das últimas legislativas regionais, por isso só a partir daí é que Marcelo Rebelo de Sousa poderá usar esse poder. E até lá, como fica o Governo da Madeira?

Como PSD e CDS estão a tentar condicionar Marcelo na Madeira

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Dúvidas constitucionais sobre Governo de Albuquerque

Para os constitucionalistas ouvidos pelo Observador, o Governo já está em gestão. Ainda que Ireneu Barreto tenha anunciado uma tentativa de cópia da situação que se passou em novembro com a demissão de António Costa, o paralelismo não é direto. Enquanto no continente a demissão do Governo só existe após a “aceitação pelo Presidente da República do pedido de demissão apresentado pelo primeiro-ministro”, de acordo com a Constituição, na Madeira, ela surge da simples “apresentação, pelo Presidente do Governo Regional, do pedido de exoneração”, segundo o estatuto político-administrativo da Madeira.

“Basta o pedido”, diz Jorge Bacelar Gouveia apoiado nos dois artigos citados. O governo de Miguel Albuquerque “está já demitido e em funções de gestão”, argumenta o constitucionalista. O mesmo diz Raquel Brízida Castro que, em declarações à rádio Observador, explicou que o representante da República “não pode fazer essa gestão. A partir do momento em que há apresentação do pedido de demissão, isso causa como efeito automático a demissão de todo o Governo. Não se coloca a questão da aceitação”, referiu a constitucionalista.

Raquel Brízida Castro: “Chamar os madeirenses às urnas? Cabe ao Presidente da República”

Quando saiu da reunião com Ireneu, Miguel Albuquerque usou — aliás, pela primeira vez — a palavra demissão, dizendo: “Vim, como já tinha sido anunciado, apresentar ao senhor representante da República a minha demissão do cargo de presidente do Governo”. Ainda assim, ao seu lado Ireneu Barreto acrescentaria que isso “não tem  efeitos imediatos” e que iria “ponderar a melhor altura para que produza efeitos”.

Para os constitucionalistas ouvidos pelo Observador, isso já estará tudo efetivado. Raquel Castro diz mesmo que a “questão da formalização [usada por Marcelo no continente] não se coloca” neste caso. “O que foi dito é que houve uma apresentação do pedido de demissão e isso gera a demissão do governo que, no plano constitucional, passa a ser um governo de gestão”. Bacelar Gouveia admite que “os atos são escritos”, mas aponta que foi o próprio Albuquerque que falou na apresentação da demissão, de onde se entende que tenha formalizado o ato perante o representante da República.

Na declaração que fez no palácio de São Lourenço, o social-democrata disse até que Ireneu Barreto aceitara o pedido — o tal poder que não existe. Ainda sobre este ponto, Raquel Brízida Castro aponta que na Madeira vigora um regime parlamentar, por isso “o representante não tem os poderes do Presidente” — que no continente tem mais peso por existir um regime semi-presidencial.

Certo é que foi o próprio Presidente da República a vir a público colocar questões sobre o momento da demissão do Governo Regional da Madeira. “Se se quer não matar o orçamento [regional], o governo regional tem de estar em plenitude de funções até daqui a 15 dias”, altura em que a proposta do Governo é votada no Parlamento onde PSD e CDS estão apoiados na deputada única do PAN. Até foi Marcelo que fez o paralelo com a situação política no continente, ao lembrar que após a demissão de António Costa foi adiada a data da oficialização da demissão do Governo para dar tempo à aprovação do Orçamento do Estado, no final de dezembro, e para permitir ao PS eleger um novo líder.

O argumento orçamental foi aproveitado por Ireneu Barreto quando falou na segunda-feira e disse que “há problemas pendentes, nomeadamente o orçamento regional, temos de ver se é preciso aprovar o orçamento regional antes da demissão”. O PAN falou de seguida para garantir que mantém o apoio parlamentar necessário para que a proposta do Governo Regional, ainda sob liderança de Albuquerque, passe.

Mas a leitura dos especialistas também coloca dúvidas sobre esse passo, uma vez que um Governo que está demitido está em gestão e, por isso mesmo, tem ação limitada. Bacelar Gouveia afirma que as propostas do Governo “caducam” com a sua demissão, pelo que a proposta de Orçamento que será debatida para a semana já não terá validade. Raquel Brízida Castro aponta para o artigo do estatuto político -administrativo que diz que “após a sua demissão, o Governo Regional limitar-se-á à prática dos actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos da Região”.

Para os constitucionalistas ouvidos pelo Observador, o Governo da Madeira já está em gestão. Ainda que Ireneu Barreto tenha anunciado uma tentativa de cópia da situação que se passou em novembro com a demissão de António Costa, o paralelismo não é direto. Enquanto no continente a demissão do Governo só existe após a "aceitação pelo Presidente da República do pedido de demissão apresentado pelo primeiro-ministro", de acordo com a Constituição, na Madeira, ela surge da simples "apresentação, pelo Presidente do Governo Regional, do pedido de exoneração", segundo o estatuto político-administrativo da Madeira.

Dúvidas políticas e o poder intermédio que Ireneu conserva

Além destas dúvidas constitucionais, existem ainda as dúvidas políticas. Ireneu Barreto parece apostado em seguir com a estratégia de salvar o orçamento regional, tanto assim é que esta quarta-feira receberá o parceiro parlamentar do Governo regional, o PAN. O representante não desencadeou o poder que tem verdadeiramente nesta situação que passa por convocar os partidos representados na Assembleia Legislativa Regional, “tendo em conta os resultados das eleições” de outubro, para nomear um novo presidente do Governo Regional. Mas este poder está-lhe reservado exclusivamente.

Esta hesitação do representante da República somada ao conselho que chegou do continente, mais concretamente do Palácio de Belém, sobre a proteção dos orçamentos, são sinais de que a ideia de um novo Governo continua em espera, ainda que seja palpável a pressão do PSD e CDS nesse sentido. A outra possibilidade em cima da mesa passa por deixar Albuquerque em gestão até o Presidente da República voltar a ter o poder de dissolver a Assembleia Legislativa e convocar eleições antecipadas.

Não existe um prazo para a saída do Governo demitido que pode ficar em gestão — no caso do continente tem estado desde o dia da oficialização da demissão em Diário da República, que aconteceu a 7 de dezembro. O Governo de António Costa está em funções até à posse de um novo Governo que o substitua e esta regra é igual para o Governo Regional da Madeira, sendo isso mesmo que consta no estatuto político-administrativo: “Em caso de demissão, os membros do Governo Regional cessante permanecem em funções até à posse do novo governo. ”

Entre o pedido de demissão de Costa e as eleições irão quatro meses (o Governo só fica em gestão três). Entre o pedido de demissão de Albuquerque e eventuais eleições antecipadas pode ir pouco além disso. Daqui a dois meses Marcelo já pode dissolver e as eleições podem ser marcadas para 60 dias depois, o que atiraria a questão para o final de maio ou início de junho. Marcelo mantém reserva total em dizer o que prefere, embora já tenha sido noticiada a sua inclinação para a antecipação de eleições, tanto pelo Correio da Manhã como pelo Expresso.

Depois de não ter hesitado no continente e de ter negado aos socialistas a manutenção da maioria absoluta no Parlamento e a indicação de um substituto para o ligar de António Costa, Marcelo arrisca agora críticas de incoerência que o PS já começou a ensaiar. Mal Albuquerque anunciou a saída, dos Açores o presidente do PS, Carlos César, veio dizer que “a escolha de uma solução alternativa de liderança para levar a legislatura da Assembleia Regional até ao final é uma solução precária e dissonante da prática introduzida recentemente na abordagem pelo senhor Presidente da República no processo que levou às eleições do próximo dia 10 de março”.

Por outro lado, a pressão agora iniciada por PSD e CDS para o representante da República nomear outro presidente do Governo Regional — que teria de formar um novo Governo e sujeitar um novo programa à Assembleia Legislativas — coloca um problema a Marcelo. Se a maioria aprovar o programa e o Orçamento neste espaço de tempo até 24 de março, o Presidente poderá ter menos argumentos para dissolver. É, pelo menos, esta a expectativa da coligação de Governo. Mas o uso da bomba atómica é um poder discricionário do Presidente.

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