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Richard Ellis/Getty Images

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E se os "loucos das armas" forem para as ruas em nome de Donald Trump?

Trump diz que os cidadãos com armas podem parar Hillary. Perigo à vista? Para Mike, "louco das armas" pró-controlo, não. Já White-Feather, "entusiasta" anti-controlo, teme os "malucos".

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Lá vai Donald Trump no seu estilo inconfundível, correndo pela linha de fundo enquanto se aproxima perigosamente da baliza da sua adversária, Hillary Clinton. Auxiliando-se amiúde de uma cábula, o candidato do Partido Republicano à Casa Branca explica de forma sucinta as suas diferenças de opinião em relação à candidata do Partido Democrata. “A Hillary quer levantar os impostos. Isto é uma comparação… Eu quero baixá-los.” E lá vai ele no seu estilo inconfundível. Não é Paneira, também não é Veloso e nem sequer é Ronald Reagan. É Donald Trump.

Uma revienga para aqui, Donald Trump fala das regulações estatais, garantindo que com ele estas serão menores. Uma revienga para lá, Donald Trump fala do setor energético, promete “contas da eletricidade mais baratas” e, de repente, está de frente para a baliza. É nessa fase, com a bola bem ajeitada no pé, que Donald Trump decide falar sobre o Supremo Tribunal e sobre armas.

O Supremo Tribunal, depois da morte de Antonin Scalia em fevereiro deste ano, ficou com uma vaga aberta que terá de ser preenchida por uma escolha do/a próximo/a Presidente. Atualmente reduzido a oito membros, aquele órgão está dividido entre quatro juízes liberais e quatro juízes conservadores. Por isso, o próximo juiz a entrar terá o poder de desempatar muitas decisões. Caso Hillary Clinton vença, o pendor daquele órgão será mais liberal. Se Donald Trump chegar mesmo à Casa Branca, a balança vai cair para o lado dos conservadores. E é aqui, nesta incerteza, que pode estar em jogo um dos temas mais fraturantes dos EUA: o controlo das armas e a interpretação da Segunda Emenda da Constituição dos EUA, que fala sobre o acesso a elas.

O tema já é quente e Donald Trump aquece-o ainda mais. Num dos seus habituais desvios oratórios, quando começa a colocar umas ideias dentro de outras, como acontece a quase todos os meros mortais que falam de improviso, o candidato do Partido Republicano disse as seguintes palavras na noite de terça feira, em Wilmington, North Carolina: “A Hillary Clinton quer, essencialmente, abolir a Segunda Emenda. Já agora, se ela [Hillary Clinton] puder escolher os seus juízes, não há nada que vocês possam fazer, pessoal. Bom, talvez haja, para as pessoas da Segunda Emenda. Não sei. Mas, digo-vos uma coisa, esse seria um dia horrível”.

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O público reagiu de forma quase indiferente àquelas palavras. Ouviram-se alguns aplausos dispersos, chegou a haver quem assobiasse para o ar em sinal de aprovação. Entre aqueles que se sentavam atrás de Donald Trump, à mercê das câmaras, há uma grande parte que segue o discurso com pouca atenção. Outros riem-se de forma pouco convicta. Mas, entre eles, houve uma pessoa que teve uma reação diferente depois de ouvir a declaração de Donald Trump. “Aaaau… Whoa…”, disse para a mulher sentada ao seu lado, com um riso de espanto.

“A Hillary Clinton quer, essencialmente, abolir a Segunda Emenda. Já agora, se ela puder escolher os seus juízes, não há nada que vocês possam fazer, pessoal. Bom, talvez haja, para as pessoas da Segunda Emenda. Não sei. Mas, digo-vos uma coisa, esse seria um dia horrível.”
Donald Trump, candidato do Partido Republicano

Pouco depois, alguns jornais norte-americanos disseram bem pior do que isso. Entre as publicações de referência, o The New York Times foi talvez o mais cuidadoso. “Donald Trump sugere que as ‘pessoas da Segunda Emenda’ podem agir contra Hillary Clinton”, leu-se naquele jornal, muito semelhante ao título do Boston Globe, que dizia “Trump diz que ‘as pessoas da Segunda Emenda’ podem tomar ação contra Clinton”. O Washington Post foi um passo mais longe: “Trump parece encorajar portadores de armas a tomarem ação se Clinton nomear juízes anti-armas”. E o britânico The Guardian, pela pena do seu correspondente em Washington D.C., teve ainda menos peias e escreveu aquilo que terá ficado nas cabeças de muita gente depois de ouvir aquelas palavras: “Donald Trump sugere o assassinato de Hillary Clinton por defensores dos direitos às armas”.

Hillary Clinton reagiu num discurso no Iowa, acusando Trump de “casualmente incitar à violência” e que comportamentos como aquele “demonstram que Donald Trump simplesmente não tem o temperamento para ser Presidente e comandante-em-chefe dos Estados Unidos”. “As palavras importam, amigos”, atirou.

Donald Trump demorou pouco tempo até dizer que tinha sido mal interpretado. “Estamos a falar de poder político”, explicou, negando as acusações que lhe foram feitas. “Há um poder político tremendo para salvar a Segunda Emenda, tremendo (…) se olharmos para o poder que eles têm em termos de votos”, disse à Fox News, em relação às tais “pessoas da Segunda Emenda”. “Era a isso que me estava a referir, é óbvio que era a isso que me estava a referir e toda a gente o sabe”, finalizou.

Mas também toda a gente sabe que, nos EUA, as tentativas bem ou mal sucedidas de assassinato do Presidente não são propriamente uma novidade. Foram vários os planos de homicídio que nunca chegaram a ir para a frente, ou que foram intercetados. É bem conhecida a lista daqueles que foram mortos enquanto lideravam a partir da Casa Branca: Abraham Lincoln (1861-65), James A. Garfield (Presidente entre março e setembro de 1881), William McKinley (1897-1901) e John Fitzgerald Kennedy (1961-63). Além destes, outros dois foram feridos por balas, acabando por sobreviver: Theodore Roosevelt (1901-09) e Ronald Reagan (1981-1989).

John F. Kennedy, à esquerda, no momento do seu assassinato, em Dallas

No caso de Garfield e Reagan, os atiradores demonstraram ter problemas psiquiátricos. Mas, no que diz respeito aos restantes Presidentes dos EUA atingidos pelas balas, os atiradores, embora em graus diferentes, deram todos provas de motivações ideológicas e políticas para sustentar os seus atos.

Terá Donald Trump incitado à violência ou foi mal interpretado? Podemos estar perante um deslize freudiano ou apenas um caso em que, no seu estilo inconfundível, começou a falar de improviso e acabou por meter os pés pelas mãos?

Ou, ainda, estaria ele a servir-se de uma das várias interpretação possíveis da Segunda Emenda, o artigo da Constituição dos Estados Unidos da América que todos os defensores dos direitos às armas evocam?

As 27 palavras da Segunda Emenda e as suas várias interpretações

Na sua redação original, em inglês e datada de 1791, a Segunda Emenda à Constituição dos EUA diz: “A well regulated Militia, being necessary to the security of a free State, the right of the people to keep and bear Arms, shall not be infringed”. Ou seja: “Uma milícia corretamente regulada, que seja necessária para a segurança de um Estado livre, o direito do povo de ter e erguer armas, não serão restringidos”.

O que é que isto quer dizer, exatamente? “É difícil entender porque é que nós temos uma Segunda Emenda sem compreender a nossa História”, diz ao Observador o jurista Eric Ruben, especialista neste tema no Brennan Center of Justice da New York University, numa entrevista por telefone. “O contexto em que ela surge é completamente diferente do contexto atual”, refere.

"Uma milícia corretamente regulada, que seja necessária para a segurança de um Estado livre, o direito do povo de ter e erguer armas, não serão restringidos"
Texto da Segunda Emenda da Constituição dos EUA

Nos primeiros 13 anos da sua existência, os EUA não tinham um exército oficial. Em vez disso, cada estado tinha uma ou mais milícias que podiam ser chamadas a agir em conjunto caso fosse necessária a defesa daquele país jovem e ainda fraturado. Em 1789, depois de insistir junto do Congresso, o Presidente George Washington conseguiu o apoio do Congresso para formar um exército comum. Mas esta medida levantou algumas preocupações. “Houve muita gente que começou a ficar receosa com aquela nova realidade”, explica Eric Ruben. “Ficaram nervosos com a possibilidade de um novo exército oprimir as comunidades de cada Estado”, acrescenta aquele especialista. Foi desse receio de um comportamento tirânico por parte do governo federal que, dois anos mais tarde, foi redigida e aprovada a Segunda Emenda.

Desde então, muito mudou nos EUA. Hoje, o país já deixou para trás os tempos em que a sua integridade territorial era um facto pouco consumado, como se viu na guerra civil que opôs federalistas e anti-federalistas entre 1861 e 1865. E o exército já não é um grupo de soldados dispersos que usam as suas próprias armas, mas antes uma das instituições mais respeitada nos EUA e temida fora das suas fronteiras, depois de um sem-fim de guerras vencidas e outras, menos perdidas.

Marc Piscotty/Getty Images

Por isso, com o avançar dos tempos, a Segunda Emenda foi-se tornando cada vez mais num texto arcaico. Mas, ao mesmo tempo que isso acontecia, outros começaram a atribuir-lhe novas interpretações.

Uma delas — e a mais comum — é a de que aquelas 27 palavras dão o direito aos norte-americanos de comprar e ter armas para defesa própria. Ao todo, entre 1876 e 1939, o Supremo Tribunal dos EUA rejeitou essa noção em quatro ocasiões. Isso começou a mudar a partir da década de 1977, quando a direção da National Rifle Association (NRA), então uma organização que juntava sobretudo caçadores e praticantes de tiro desportivo, passou a ser dominada por defensores do direito à defesa pessoal por via das armas. A base do argumento estava na Segunda Emenda, sim, mas apenas no seu último terço: “(…) o direito do povo de ter e erguer armas, não serão restringidos”.

Em 2008, isso mudou. Depois de anos de lóbi da NRA, que conseguiu uma mudança do paradigma e da opinião pública dos EUA, o Supremo Tribunal chegou a um veredito inédito no caso District of Columbia v. Heller, em que foi dado o direito a um segurança que trabalhava para um órgão estatal de levar a sua arma de serviço totalmente operacional para a sua casa, num bairro problemático da capital dos EUA, para defesa pessoal. Longe de ser uma decisão revolucionária — conseguir uma arma para fins de caça ou desporto, já era relativamente fácil nos EUA —, esta decisão facilitou ainda mais o acesso às armas por parte de todos os norte-americanos que alegassem motivos de defesa pessoal. A leitura da decisão coube ao juiz Antonin Scalia e ficou como um dos momentos mais marcantes da carreira do homem escolhido por Ronald Reagan, em 1982, para integrar o Supremo Tribunal.

As milícias anti-Governo que renasceram com Obama

Porém, existe uma segunda interpretação — mais polémica e menos consensual — da Segunda Emenda, que arregala os olhos a muitos: a de que naquelas 27 palavras está contido o direito de grupos de cidadãos armados se juntarem e erguerem armas contra o próprio Governo, caso este demonstre ser uma ameaça à liberdade, através de um comportamento tirânico. Recorde-se o texto original: “Uma milícia corretamente regulada, que seja necessária para a segurança de um Estado livre, o direito do povo de ter e erguer armas, não serão restringidos”.

Pormenor: de acordo com o Southern Poverty Law Center, organismo especializado na monitorização de grupos de extrema-direita nos EUA, em 2015 existiam pelo menos 998 organizações deste tipo nos EUA. Entre estas, contam-se 276 milícias armadas. Outro pormenor: no último ano do republicano George W. Bush como Presidente, havia 149 organizações destas; em 2015, já com Obama a caminho do final do seu mandato, o número (998) é mais alto um total de 6,7 vezes (ver gráfico). É preciso recuar 20 anos para voltar aos tempos em que estes grupos passavam dos 800 em todos os EUA. Em 1995, o número de milícias disparou depois do atentado à bomba de Timothy McVeigh, também ele membro de uma milícia, que matou 168 pessoas em Oklahoma City.

A ocasião mais recente em que uma milícia anti-Governo deu nas vistas foi em janeiro deste ano, quando 26 membros do grupo Citizens for Constitutional Freedom (Cidadãos pela Liberdade Constitucional) ocuparam uma reserva federal no estado do Oregon. Armados, faziam duas exigências. Primeiro, queriam que fosse reduzida a pena aplicada a dois criadores de gado por colocarem fogo num terreno federal. Depois, queriam que aquela reserva federal fosse entregue “ao povo para este reclamar os seus recursos”.

"O conceito da Segunda Emenda como um instrumento que permite insurreções contra o Governo federal não é só uma leitura incorreta daquele texto, mas também uma forma de pensar muito perigosa."
Eric Ruben, especialista na Segunda Emenda do Brennan Center of Justice, da New York University

Durante 40 dias, viveram-se dias de tensão entre os insurretos e o FBI, que fez um perímetro em torno do terreno ocupado. A 26 de janeiro, os líderes da revolta, os irmãos Ammon e Ryan Bundy, foram detidos quando estavam em fuga da reserva federal, juntamente com outros três indivíduos. A detenção não se fez sem violência: um dos membros do Cidadãos pela Liberdade Constitucional foi morto pela polícia, depois de alegadamente tentar usar a sua pistola. Foi o momento mais quente daquele episódio, que acabou a 11 de fevereiro, quando os quatro revoltosos que restavam na ocupação da reserva federal se entregaram às autoridades. Visivelmente debilitado, o último resistente saiu depois de acreditar que o FBI lhe ia dar a liberdade, uma pizza e marijuana.

“Neste momento, há uma corrente da política americana que é muito popular e que é anti-Governo e que usa a Segunda Emenda como uma ferramenta retórica para dar voz à sua ideologia”, enquadra o jurista Eric Ruben. “O conceito da Segunda Emenda como um instrumento que permite insurreções contra o Governo federal não é só uma leitura incorreta daquele texto, mas também uma forma de pensar muito perigosa.”

Mike Weisser, conhecido como Mike The Gun Guy, é membro vitalício da NRA, mas discorda em vários pontos fundamentais com aquela associação

Screenshot de vídeo no YouTube

Milícias armadas ou “inofensivos, inúteis e uns tretas cheios de merda”?

Mas há quem desvalorize este perigo. É o caso de Mike Weisser, conhecido na Internet como Mike The Gun Guy (Mike, o Tipo Das Armas) e um confesso “louco das armas” que vive no estado do Massachusetts. Autor de seis livros sobre o fenómeno das armas nos EUA e colunista no Huffington Post, trabalha no setor desde 1965. Vendeu, distribuiu, produziu e exportou armas. “Acredite-se ou não”, acrescenta, ao telefone com o Observador. Mike Weisser é membro vitalício da NRA, mas está longe de ser dos mais ortodoxos — bem longe. Isto porque, ao contrário do que a direção e a maior parte dos membros daquela organização defendem, Mike Weisser é a favor de um maior controlo do acesso às armas e discorda da apreciação do Supremo Tribunal de 2008 que alargou a Segunda Emenda aos portadores de arma para uso individual.

Sobre o discurso em que Donald Trump disse que “as pessoas da Segunda Emenda (…) talvez” tenham uma maneira de impedir que Hillary Clinton venha a escolher quem vai preencher a vaga que sobra no Supremo Tribunal, Mike Weisser acredita que foi apenas mais uma manobra do candidato republicano para conseguir votos junto do seu eleitorado. “Ele pode sempre criar um sentimento de revolta entre o contingente da nação dos loucos das armas se lhes der corda”, escreveu no seu blogue. “Isso leva-o de volta à calha.”

Liberal, de esquerda e eleitor do Partido Democrata sem exceções, Mike Weisser distancia-se dos outros “loucos das armas”. “Eu conheço muitos malucos das armas”, explica, para depois fazer um retrato daquele grupo. “São sempre republicanos que são contra a ideia de Governo, são contra os impostos, são contra o aborto, são contra todos os progressos sociais deste país nos últimos anos em matérias de direitos dos homossexuais, são contra as minorias étnicas…”, diz, interrompendo o seu próprio discurso quando já deixou claro que os tais “loucos das armas” são “contra” muitas coisas. “Hoje em dia, estas pessoas já não podem dizer nada disto em voz alta no meio da rua, porque já não se aceita este tipo de discurso como se aceitava há coisa de 20, 25 anos”, explica. “Tudo aquilo a que eles se opunham passou a ser legal. Olhe-se para o casamento homossexual, agora é uma lei federal. Não dá para fugir disto.”

Mas, no meio disto tudo, há algo que este grupo defende e que (ainda) é lei: a Segunda Emenda. Para Mike Weisser, esta tem sido aproveitada pelos setores mais conservadores dos EUA, usando o tema das armas como uma espécie de Cavalo de Tróia. “A Segunda Emenda é a única coisa que de podem falar à vontade e que ainda é legal”, explica. “Então a Segunda Emenda tem-se tornado no símbolo de uma postura política que tem muito pouco a ver com a Segunda Emenda.”

"A Segunda Emenda tem-se tornado no símbolo de uma postura política que tem muito pouco a ver com a Segunda Emenda."
Mike Weisser, autor do blogue "Mike The Gun Guy" e autor de seis livros sobre armas nos EUA

Mike Weisser garante que não tem qualquer tipo de receio em torno das milícias anti-Governo dos EUA. No seu estilo provocatório que lhe tem valido várias ameaças por parte de alguns “loucos das armas”, descreve os membros daqueles grupos como sendo “na sua maioria inofensivos, inúteis e uns tretas cheios de merda que às vezes são tão gordos que nem conseguem correr 10 metros de seguida”. “Quando eu era miúdo, a minha brincadeira preferida era ir com os meus amigos para o mato e brincar aos índios e aos cowboys com pressões de ar. É exatamente o mesmo que estes tipos fazem, só que eles têm armas a sério e estão a fingir que estão a matar terroristas. Insurreição?!”, questiona de voz alta. “Uma ova!”

Quando lhe perguntamos da milícia que ocupou uma reserva federal no Oregon no início do ano, a resposta vem por via de uma gargalhada desdenhosa que chega de forma estridente pelo telefone. “Aqueles tipos só sobreviveram porque as mulheres lhes iam lá deixar comida, por amor de Deus!”, ironiza. “São uns lunáticos. E depois um rende-se à conta de uma pizza? É uma brincadeira.”

“Quando eu era miúdo, a minha brincadeira preferida era ir com os meus amigos para o mato e brincar aos índios e aos cowboys com pressões de ar. É exatamente o mesmo que estes tipos fazem, só que eles têm armas a sério e estão a fingir que estão a matar terroristas. Insurreição?!”, questiona de voz alta. “Uma ova!”
Mike Weisser, autor do blogue "Mike The Gun Guy" e autor de seis livros sobre armas nos EUA

Por isso, se num cenário muito improvável chegar o dia em que o Governo dos EUA leva para a frente de recolha de armas, Mike Weisser aposta que tudo decorrerá sem incidentes. Isto porque, garante, “os americanos são dos povos que mais respeitam a lei em todo o mundo”. “Eu já vivi vários anos em França e em Espanha, já viajei muito, e a coisa que mais me impressiona é como toda a gente segue a lei”, diz. E qual é a prova disso? “O facto de andarem por aí 300 milhões de armas à solta e não haver nenhuma revolução é completamente impressionante!” Além do mais, está certo de que há outros confortos que, no final de contas, os americanos apreciam mais do que o de ter um revólver no bolso. “Quando se está na prisão, não dá para ir ao McDonald’s! E também não se vai ao centro comercial! Quem é que está pronto para abrir mão disso num país como este?”

Está visto que para Mike Weisser a resposta indica que pouca gente, ou mesmo ninguém, estaria disposto a tal. Mas nem todos pensam assim.

White-Feather Cherokee ganha a vida a treinar militares, polícias e civis para o uso de armas de vários tipos

White-Feather, o índio pró-armas que apoia Trump desde o início

White-Feather Cherokee faz parte daqueles que discordam. Ascendente de nativo-americanos, este homem de 56 anos ganha a vida a dar instrução militar a adjudicatários norte-americanos que vão para zonas de conflito, como o Iraque e o Afeganistão, ou para outros países pouco seguros um pouco por todo o mundo. Além disso, dá formação a cidadãos comuns que pretendam usar arma de defesa pessoal.

Antes disso tudo, foi polícia em Dallas, no Texas, onde vive até aos dias de hoje. E foi a esses tempos que foi buscar o tom de desconfiança que leva a tudo o que diz. É dele que se serve quando fala da possibilidade de uma milícia armada levar a cabo uma ação violenta contra um Presidente. “Há sempre esse risco, nós temos muitos malucos aqui na América”, atira, numa entrevista ao Observador, por telefone. “As pessoas tinham medo de que o Obama fosse morto por algumas dessas milícias. Ninguém fez por isso. Uma coisa é dizer, outra coisa é fazer”, explica. Mas, depois, recorda-se do caso da milícia do Michigan, cujos membros foram detidos em 2010, depois de as autoridades terem descoberto um plano para matar polícias. Primeiro, matavam um agente, pouco importa qual. Depois, fariam explodir bombas no funeral da primeira vítima, na esperança de matar ainda mais polícias. “É de loucos”, resume.

Porém, para White-Feather Cherokee o maior perigo nos EUA não são os “loucos das armas” nem as milícias, mas antes os “criminosos”. Faz questão de dizer “criminosos”, queixando-se das intenções do Departamento de Justiça de garantir que esse cunho não seja atribuído a pessoas que cumpriram pena, conforme explicou em artigo de opinião Karol Mason, membro daquele órgão governamental, num artigo no Washington Post. “Agora querem que passe de ‘criminoso’ para ser ‘pessoa que esteve na prisão’ ou ‘pessoa que cometeu um crime’, se calhar só porque ficam magoados”, diz. A justificação de Karol Mason ia no sentido de uma melhor reintegração social de antigos reclusos. “Os liberais, quando começam a desvalorizar as coisas, não conseguem parar”, atira White-Feather Cherokee. “E a Hillary só ia piorar isto.”

Está bom de ver que este texano de ascendência nativo-americana está pronto para votar em Donald Trump. “Desde o primeiro dia em que ele apareceu”, reforça ao Observador. “Ele sabe chamar as coisas pelos nomes, ele vai acabar com esta trapalhada toda. E vai ser muito mais firme em relação aos nossos direitos de termos uma arma para defesa própria.”

Donald Trump está longe de usar argumentos inovadores — e o mesmo se verifica quando fala de armas. Sempre que surge um novo tiroteio, repete a frase: “A única coisa que pode parar um tipo mau com uma arma é um tipo bom com uma arma”. White-Feather Cherokee não podia concordar mais e confessa que ficou feliz quando ouvir Donald Trump a dizer esssas palavras, depois da tragédia da discoteca Pulse, em Orlando, onde 49 pessoas foram mortas a tiro por Omar Mateen.

“Eu gostava muito de viver de forma pacífica, sem armas. Se isso fosse possível, então eu seria totalmente a favor”, diz ao Observador. “Mas, infelizmente, isso não existe. É um conto de fadas. Há sempre gente má entre nós e cabe a cada um de nós, pessoas de bem, acabar com as pessoas de mal.” Assim, acha que “é preciso começar a haver uma arma em todos os lados”. “Não digo que toda a gente deve ter uma arma num bar, por exemplo. O álcool e as armas não são uma boa combinação. Mas se o barman tiver uma arma, já ajuda. O mesmo aplica-se a uma professora numa escola primária. Só assim é que há uma verdadeira defesa. É preciso haver gente responsável com uma arma.”

Donald Trump recebeu o apoio da NRA em maio

Scott Olson/Getty Images

Quando ouviu as declarações de Donald Trump sobre as “pessoas da Segunda Emenda”, White-Feather Cherokee desvalorizou as intepretações que a maior parte dos media fizeram e leu as palavras do candidato republicano como sendo sobre “as pessoas da NRA”, da qual ele é membro há 20 anos. “Ele estava a falar das pessoas da NRA e as pessoas da NRA têm muito poder, dinheiro e influência. Por isso é que o Obama não conseguiu aprovar nada sobre armas no Congresso”, diz, com uma ponta de orgulho na voz.

Mas se Obama não conseguiu um maior controlo sobre as armas, não foi por falta de tentativa. E White-Feather Cherokee tomou nota do esforço. “Ele sempre foi anti-armas, desde o dia em que nasceu”, diz sobre Obama. “E Hillary Clinton é igual ou pior. O marido dela já era assim e ela será bem pior se for Presidente dos EUA.”

“Todos, sem exceção, querem tirar-nos as armas. Mas vai ser preciso muito para isso acontecer”, diz, referindo, de novo com orgulho, a ocasião em que o governador do seu estado, o Texas, escreveu no Twitter: “Obama quer impor mais controlo às armas. A minha resposta? VEM CÁ BUSCÁ-LAS!”.

Caso Hillary Clinton vença as eleições e leve para a frente a sua proposta de intensificar e alargar o procedimento de verificação de perfil de cada comprador antes de lhe ser atribuída uma arma, White-Feather Cherokee garante que vai começar a sentir-se preocupado. “A seguir a isso podem vir muitas outras coisas”, garante.

“Vão restringir o acesso às armas por parte dos cidadãos de bem e ao mesmo tempo os criminosos vão conseguir arranjar as armas deles no mercado negro”, explica. E, depois, anota aquela que é para si a maior ironia de todas: “Hillary Clinton quer tirar-nos as armas, mas ela nunca vai para lado nenhum sem um monte de seguranças à sua volta”. White-Feather Cherokee repete a ideia, como quem acha que nunca é demais reforçá-la. “É de uma hipocrisia tremenda”, diz, incapaz de aceitar que, como gosta de colocar, uns estejam a salvo dos “loucos das armas” e das “pessoas da Segunda Emenda” e outros estejam à mercê dos “criminosos”. Ou, quem sabe, apenas de uma “pessoa que cometeu um crime”.

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