Os dois ratos no laboratório de Jan van Deursen, investigador na Mayo Clinic, são do mesmo sexo, têm a mesma idade, vieram do mesmo criador e têm o pelo exatamente da mesma cor. Estão os dois velhos, mas não podiam ser mais diferentes: o primeiro tem cataratas, sofre de artrite, o pelo está mais fino e a coluna mais curvada; o segundo vê perfeitamente bem, não tem artrite, o pelo ainda é frondoso e a coluna está saudável. Porquê?
Porque esse segundo rato foi injetado com aquilo a que o Citi GPS — ramo do banco norte-americano Citigroup que estuda as grandes tendências na economia, ciência e tecnologia — chama de “Fonte da Juventude”: uma nova classe de medicamentos que manipulam as células do corpo humano para travar o envelhecimento do organismo ou, pelo menos, erradicar muitas das doenças que surgem com o avançar da idade. Chamam-se senolíticos e são uma das invenções disruptivas consideradas mais promissoras para o futuro porque parece ser capaz de “puxar o tempo para trás”.
A Food and Drug Administration (FDA), a agência federal que analisa e aprova medicamentos nos EUA, aprovou uma dessas terapêuticas, que já está em laboratório a ser estudada em pessoas com problemas nos joelhos. As expetativas são tão altas que o Citi prevê que essa terapêutica esteja no mercado em 2023. Ou seja, é possível que dentro de quatro anos já se possa viver não só durante mais tempo, mas também com menos dor e doenças crónicas. Mas será que o remédio que funcionou em ratos também vai ser bem sucedido em humanos? Não se sabe ainda. Mas vamos descobrir ainda este ano.
De acordo com Elsa Logarinho, investigadora da área de Biologia Molecular e Celular da Mitose no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto, “o principal objetivo dos tratamentos anti-aging é promover o envelhecimento saudável, ou seja, acompanhando o aumento da esperança média de vida que tem vindo a verificar-se desde o início do século XX, sem incidência de morbilidade“.
Mas como? O que se faz é rejuvenescer as células, e parte do organismo, através de uma reprogramação que as obriga a regressar à infância, quando ainda não eram especializadas, para arranjar os danos que acumulam. A técnica “consiste na conversão temporária das células em pluripotentes [as que ainda se podem transformar em qualquer tipo e ter qualquer função] de forma a repararem os seus danos e marcas celulares de envelhecimento, rejuvenescendo após nova diferenciação. Esta linha só recentemente foi testada no modelo animal”.
Outra hipótese, que é também a mais promissora, é a senoterapia, que pode acontecer de duas formas: ou se introduzem anticorpos que impedem o avanço das doenças relacionadas com a idade ou se injetam compostos que promovem a eliminação de células causadoras dessas doenças. “As senoterapias são as mais promissoras e existem várias companhias a explorar esta abordagem“, conclui Elsa Logarinho.
Combater zombies para viver melhor
Uma das empresas dedicadas a “desenvolver remédios que potencialmente travem, atrasem ou revertam as doenças associadas à idade” é a Unity Biotechnology, fundada pelo investigador Jan van Deursen — um dos nomes mais proeminentes na pesquisa sobre este tema. O foco, diz a companhia, é um tipo especial de células: as senescentes. “O nosso foco objetivo inicial está na eliminação de células senescentes acumuladas, que são um mecanismo fundamental do envelhecimento e impulsionam muitas doenças comuns associadas à idade”, explica a Unity Biotechnology.
À medida que a vida de um ser humano avança as células dividem-se por meio de um processo chamado mitose, que trava quando elas encontram alguma forma de alerta, como um problema no material genético. Poucas semanas depois disso, as células entram numa espécie de “modo de urgência” que as impede de continuarem a dividir-se. Esse “modo de urgência” não pode voltar atrás: uma célula cuja divisão é travada não pode voltar a multiplicar-se. Essas células são as senescentes e acumulam-se com o passar do tempo.
O problema não é o aumento do número de células senescentes, algo que tende a acontecer à medida que envelhecemos — mas não se sabe porquê. Na verdade, apesar de parecerem motivar esse envelhecimento, elas são o resultado de um processo que serve para que as células não se reproduzam de forma errada e deem origem a doenças como o cancro. Além disso, também ajuda a curar feridas e a reparar tecidos.
O problema é que essas células “segregam grandes quantidades de proteínas prejudiciais” que causam inflamação, degradação dos tecidos e produção de fatores de crescimento que alteram os órgãos”, resume a Unity Biotechnology. “Estas células acumulam danos macromoleculares, no ADN, proteínas e lípidos, causados por diversos tipos de stress, e que em resposta a esses danos param de se dividir. São células que apresentam características morfológicas e funcionais alteradas, e em particular, produzem e segregam um conjunto de moléculas bioactivas que criam um ambiente pró-inflamatório nas células vizinhas e tecido”, explico Elsa Logarinho ao Observador.
É esse conjunto de proteínas o verdadeiro causador das doenças associadas à idade porque provocam desordens que conduzem a doenças nos olhos e nas articulações, por exemplo. Jan van Deursen explica que, normalmente, as células senescentes têm um “programa de auto-eliminação” que provoca inflamações de propósito para recrutar o sistema imunitário e fazê-lo varrê-las para fora do organismo. Chama-se apoteose.
Isso é bom porque, assim, as células não se acumulam, as proteínas não se produzem e o organismo não envelhece. No entanto, esse programa parece enfraquecer com o avançar do tempo e as células senescentes deixam de ser varridas com tanta eficácia. Tornam-se células-zombie. E, então, começamos a envelhecer.
Jan van Deursen apercebeu-se de que as células senescentes eram uma faca de dois gumes: se existirem demasiadas provocariam uma infeção generalizada ao organismo que provocaria doenças relacionadas com o envelhecimento, mas células a menos também causaria atrofias e disfunções de alguns órgãos. Então, como poderiam estas células ser varridas do organismo na quantidade certa? Com uma droga, um medicamento, sugeriu ele.
Era a receita ideal porque nenhuma droga poderia motivar resistência do organismo: “o problema da resistência a remédios que está a minar o campo do cancro é improvável que se aplique a estes agentes porque as pouquíssimas células senescentes que permaneceriam depois do tratamento não seriam capazes de se amplificarem por meio da divisão”, argumentou o investigador. Criou, então, um medicamento chamado senolítico, que é introduzido no corpo através de vírus desativados que servem apenas como veículo.
Foram esses senolíticos que levaram o Citi a considerar as terapêuticas anti-idade uma das maiores inovações disruptivas esperadas para os próximos tempos. “A ciência e tecnologia necessárias para desenvolver terapêuticas capaz de atrasar, reverter ou potencialmente prevenir a evolução de doenças relacionadas com a idade avançou dramaticamente nos últimos anos, até a um ponto em que os remédios anti-idade eficazes podem tornar-se uma realidade em breve”, analisa o Citi.
E acrescenta: “descobertas científicas inovadoras podem, a longo prazo, explicar fundamentalmente porque é que envelhecemos. Este progresso científico rápido pode fazer disparar o número de terapêuticas aprovadas pela FDA, potencialmente na próxima década, com o objetivo principal de nos manter jovens e vivos por mais tempo”.
Há várias formas de o fazer e, para cada uma delas, há uma nova companhia na área da biotecnologia a desenvolvê-la. No caso da Unity Biotechnology, a estratégia é eliminar um tipo específico de células senescentes — as que produzem uma proteína que, quando se acumula no organismo, provoca a deterioração de tecidos e contribui para a aterosclerose, uma inflamação crónica da camada interna das artérias, e as artroses, uma doença nas articulações que leva à destruição da cartilagem e dos ossos.
Essa eliminação é feita através de um pequeno inibidor de moléculas chamado UBX0101 que “desliga” a proteína causadora dessas doenças. E já está: com essa proteína desligada, as células senescentes que a produzem são eliminadas e certos problemas de saúde deixam de existir. A técnica já foi aprovada pela FDA e está agora em fase de testes clínicos. Os resultados desses testes devem estar disponíveis entre abril e junho deste ano.
De acordo com Elsa Logarinho, esse inibidor é introduzido no corpo através de infeções virais. “Faz-se uma injeção de compostos que induz a morte destas células senescentes, especificamente numa parte do corpo — nos joelhos, nos pulmões ou nos olhos. O objetivo é matar as células senescentes só nesses tecidos porque ainda há perigo de se usar infeções virais a um nível sistémico. Para se fazer a entrega de um composto, faz-se isso por nanopartículas ou por vírus. Ainda não se sabe quais são os efeitos colaterais disso”, explica a investigadora.
Outra empresa a trabalhar numa estratégia para evitar doenças relacionadas com a idade é a Oisín Biotechnologies. “A Oisín está a desenvolver uma intervenção altamente precisa, dirigida ao ADN e pendente de patente para limpar” as células senescentes, explica a empresa. “Tal como um estudo recente conseguiu provar, limpar as células senescentes reduz os efeitos negativos das patologias da idade e aumenta a esperança média de vida e a sobrevivência” das pessoas, conclui, citando um relatório de 2016 publicado na Nature.
No caso da Oisín Biotechnologies, a ideia é dar um empurrão às células para fazerem “o que está correto”. O que estes cientistas fazem é entrar dentro do ADN da célula e introduzir um gene apoteótico que induz essa célula a cometer suicídio. Isso já foi feito com sucesso em 2016, tanto em culturas de células senescentes criadas em laboratório como em ratos velhos. Agora, a empresa pretende dar um passo em frente e usar a mesma técnica para aumentar a esperança média de vida e a qualidade de vida em ratos e em primatas.
Dar corda à máquina do tempo
Nas pontas de cada cromossoma há uma peça feita de proteínas e material genético que impede o desgaste da cadeia de ADN. São os telómeros. De cada vez que as células se dividem, os telómeros vão-se encurtando e tornando menos eficazes, provocando danos no material genético que obrigam as células a pararem de se multiplicar. Isso acontece em quase todas as células do corpo humano, exceto numas que são especiais: as estaminais (as que, como não passaram por nenhuma diferenciação, podem dar origem a qualquer tipo de célula) e as germinativas (espermatozoide e óvulo).
Nessas células especiais, quando uma célula nova é gerada a partir de outra, uma proteína chamada telomerase aproxima-se dos cromossomas e junta material genético ao telómero que tinha sido encurtado. Isso ajuda a que as peças nas pontas dos cromossomas mantenham sempre o mesmo tamanho e, por consequência, possam proliferar indefinidamente.
Só que nada disto acontece em todos os casos. Pouco tempo depois de uma pessoa nascer, a atividade das telomerases é reprimida em quase todas as células menos nas sexuais, nos glóbulos brancos e nos músculos que contraem involuntariamente. Em todas as outras, o comprimento dos telómeros diminui progressivamente de cada vez que as células se dividem. Quando são curtos demais danificam o material genético para acionar o “programa de auto-eliminação”, dando origem às células senescentes.
E a perda progressiva de telómeros funciona como uma máquina do tempo no processo de envelhecimento de espécies. Julga-se que o encurtamento dessas peças dos cromossomas está associado a várias doenças relacionadas com a idade, como cancro, doenças cardiovasculares — principalmente enfarte do miocárdio, hipertensão e aterosclerose –, declínio cognitivo e diabetes. Então, como é que se pode travar isso?
É aqui que entra a proposta da Geron Corporation, que, na verdade, tem duas ideias: aumentar os telómeros quando o objetivo é, em teoria, forçar o organismo a viver durante mais tempo porque evita o desenvolvimento das células senescentes; ou diminuir o comprimento deles em células que não deviam reproduzir-se, como as cancerígenas. A primeira teoria falhou ao ser testada em laboratório, portanto a possibilidade de viver durante mais anos ou de rejuvenescer o organismo ainda continua a ser utópica.
A segunda ideia baseia-se na missão de permitir uma melhor qualidade de vida e está neste momento a ser testada em laboratório. As células cancerígenas também têm uma telomerase muito ativa que as ajuda a reproduzirem-se. Por isso, a Geron Corporation criou um inibidor que pára a reparação dos telómeros das células que compõem os cancros que afetam o sangue, como as leucemias, os linfomas e os mielomas. Em teoria, se os telómeros forem suficientemente encurtados ou destruídos, as células cancerígenas deixam de se reproduzir porque se tornam senescentes e podem ser eliminadas. Essa teoria está agora a ser testada em laboratório.
Encontrámos a fonte da juventude?
A primeira teoria da Geron Corporation é a que reúne mais dúvidas e até falhou quando foi testada em laboratório. É a ativação da telomerase. “Uma enzima chamada telomerase pode retardar, interromper ou mesmo reverter o encurtamento dos telómeros que ocorre com a idade. A quantidade de telomerase nos nossos corpos diminui à medida que envelhecemos. A exposição de células humanas à telomerase retarda o envelhecimento celular e permite que as células comecem a copiar-se novamente”, explica a página T.A. Sciences, dedicada a divulgar os avanços nessa área.
Ou seja, na visão desta empresa, se se arranjar um mecanismo que mantenha o tamanho das peças protetoras dos cromossomas, também se pode garantir que as células não envelhecem. Mais do que isso: se pegarmos nas células senescentes, nas que já não se dividem e estão condenadas à morte, e reabilitarmos os telómeros delas, talvez até possamos rescuscitá-las para rejuvenescer o organismo e mantê-lo não só vivo, mas também mais jovem.
É nisso que acredita a Geron Corporation. E, na verdade, é uma crença histórica cujas raízes começam na Grécia Antiga. Nos textos do historiador Heródoto, nas lendas sobre Alexandre, o Grande e nas escrituras do rei Preste João já se fazia referência a uma Fonte da Juventude — uma nascente que restaurava a juventude a quem bebesse da água que brotava de lá. Será que essa água é, na verdade, um ativador de telómeros?
Elsa Logarinho diz que, por mais inovadores que os senolíticos e os inibidores de telomerase se estejam a revelar, o objetivo não é permitir que alguém possa manter-se jovem para sempre. A missão é, sobretudo, melhor as condições de vida: “ainda há muito debate sobre se existe um limite genético para a idade máxima que uma pessoa pode viver. Mas independentemente disso, o que estes investigadores ambicionam é que se chegue a esse limite máximo com qualidade de vida. E isso faz-se prevenindo estas doenças crónicas”.
Esperança máxima de vida
Mas quais são os limites? A comunidade científica debate-se há muito sobre se, por mais que os cuidados médicos avancem e a esperança média de vida progrida com ela, há um limite máximo de idade que os humanos possam viver.
Há vários indicadores que sugerem que sim: nos mamíferos, quanto mais gorda for a membrana das mitocôndrias — que funcionam como as pilhas das células, maior parece ser a esperança máxima de vida; também parecem viver mais tempo os mamíferos com maior capacidade de reparação do ADN e com menor quantidade de radicais livres; e, se o tamanho dos telómeros diminui ao longo da vida, então há quem sugira que o comprimento dessas peças pode ser estudado para saber quanto tempo se vai viver.
Apesar de a pessoa que mais tempo viveu de que há registo ter morrido aos 122 anos e 164 dias — era uma francesa chamada Jeanne Calment –, um estudo da Faculdade de Medicina Albert Einstein diz ser improvável que, a partir de agora, se encontrem pessoas a viver para lá dos 115 anos. Segundo esse documento, desde 1900 aumentou em pelo menos 40 países o número de pessoas que sobrevivem até aos 70 anos ou mais. No entanto, o maior aumento nas taxas de sobrevivência entre as pessoas mais velhas atingiu o pico por volta de 1980 e não mudou desde então. Isso pode sugerir que pode haver um limite natural para quanto tempo as pessoas podem viver. E que esse limite já foi atingido.
Há uma base de dados chamada International Database on Longevity que lista com que idade é que as pessoas supercentenárias (com mais de 110) morreram. E, de facto, segundo as tabelas disponibilizadas pelos países com mais idosos supercentenários, desde 1987 que apenas Jeanne Calment viveu para lá dos 115 anos.
No entanto, o próprio criador dessa base de dados rejeita a ideia de que haja uma esperança máxima de vida. James Vaupe, demógrafo no Centro Max Planck para a Biodemografia da Idade (Dinamarca), escreveu num relatório que “durante 160 anos, a expetativa máxima de vida tem aumentado solidamente em um quarto de ano por cada ano que passa, uma extraordinária constância para a conquista humana”: “os especialistas em mortalidade têm repetidamente dito que a expetativa máxima de vida está a chegar ao limite. Esses especialistas têm sido sempre desmentidos por estudos. A aparente uniformização da expetativa de vida em vários países é um artefacto dos retardatários a chegarem-se à frente e dos líderes a ficarem para trás”.
Apesar de ser tão promissora, técnicas como esta ainda levantam muitas dúvidas e problemas, sublinha a investigadora da Universidade do Porto: nos testes feitos em animais percebeu-se que, embora o rejuvenescimento das células tenha sido feito com sucesso, os tratamentos também criavam um “elevado risco de formação de tumores”. Além disso, não se sabe até onde é que estas estratégias podem ir: “é difícil definir se ela atrasa o envelhecimento ou o reverte”.
Enquanto as certezas forem escassas e nenhuma destas sugestões chegar ao mercado, há outros aspetos que estão nas nossas mãos e que permitem evitar os problemas da idade ou o envelhecimento do organismo. “O estilo de vida saudável pode ser considerado a primeira linha terapêutica. O efeito da dieta e do jejum, do sono e do exercício físico no envelhecimento celular têm sido validados experimentalmente”, explica Elsa Logarinho.