Rui Rio preparava-se para ir para a Arena de Zagreb, na Croácia, para estar ao lado de nomes como Angela Merkel quando recebeu os jornalistas portugueses. Deixava um aviso: sobre PSD, eleições internas e afins nem vale a pena tentar falar que a resposta vai ser não. Se for sobre Europa, vamos a isso. E, nas entrelinhas, deixava a sua estratégia: seguir o caminho de Durão Barroso, e ganhar eleições à segunda vez que for a votos em legislativas. Com uma diferença: não sairá para ocupar um cargo europeu, porque isso são desafios para outra “franja etária”.
Despudorado, apesar de estar no congresso da direita europeia, o presidente do PSD não quer a carapuça de ser um líder de direita, já que o PSD “é de centro”. A CDU de Merkel, lembra, também se assume de centro e é essa a referência do PSD de Rio. Merkel, que poderá estar no seu último congresso, é para Rui Rio insubstituível. Quanto ao crescimento dos extremismos e populismos, Rio insiste que PS e PSD “são mais principais” ainda na política portuguesa do que eram antes de 6 de outubro, mesmo que para isso tenha de lembrar o resultado de Costa. Sobre o Chega, dias depois de se encontrar com André Ventura no Parlamento, Rio diz que o partido não é tão à direita como a extrema-direita-europeia. À mesma hora em que Luís Montenegro seguia num avião para Bruxelas — onde se vai encontrar com militantes — Rui Rio dava uma pequena entrevista pré-almoço ao Observador em Zagreb, onde decorre o Congresso do Partido Popular Europeu. Na Europa, pode ver-se o que Rio quer em Portugal: ser primeiro-ministro, claro.
O Congresso do PPE é sempre considerado como o congresso da direita europeia em que se encontram os líderes da direita. Sempre disse que não se revia nessa ideia. Incomoda-o estar no congresso da direita europeia?
Não sei quem é que diz que é a direita europeia, mas há alguns partidos filiados no PPE que são efetivamente a direita europeia, mas há muitos também que não o são. O principal partido do PPE, que é a CDU alemã, não é de direita. A própria CDU alemã designa-se a si própria como do centro. No caso do PSD a mesma coisa. E nós hoje temos partidos na Europa, em Espanha, em França, na Alemanha, marcadamente de direita que não estão no PPE. Portanto, o PPE tem um ou outro partido mais à direita, mas efetivamente tem uma tendência para ser mais ao centro.
A CDU, de que fala, já não é liderada por Angela Merkel, mas continua a ser a grande figura. Este pode ser o último congresso de Angela Merkel e, mesmo que não seja, ela sairá em breve do governo. Pode haver aqui uma crise de liderança europeia ou vê outros líderes a emergir?
Concordo com a visão de que saindo a chanceler Angela Merkel, efetivamente a Europa perde neste momento a sua principal referência. E ninguém consegue, é muito difícil, praticamente impossível, alguém chegar ao poder num país, por mais forte que seja e conseguir-se firmar como referência e elemento de estabilidade europeia. Isso demora. Pode não demorar 10 anos, mas demora alguns anos a conquistar o respeito dos outros. E esse respeito, esse estatuto, a chanceler alemã tem de longe, relativamente a todos os demais líderes europeus. E portanto é evidente que a saída dela vai ser algo de menos positivo para a Europa. Quem vier a liderar o governo alemão, seja quem for, seja de que partido for, obviamente não vai ter o estatuto que ela hoje já tem e que outros líderes alemães no passado também tiveram quando em tempos estiveram bastantes anos no poder. Não só [Helmut] Khol como outros. E, portanto, é um elemento negativo. Não vejo nos outros países ninguém, nem mesmo em França, com a força e a respeitabilidade dela. Poderá a nova presidente da Comissão vir com o tempo a conquistar esses estatuto. Acho que tem potencial para isso, vamos ver se o consegue ou não.
Aqui no PPE discute-se muito as questões da imigração. Merkel teve uma política de portas abertas para os refugiados, embora depois tenha sido forçada a fechá-las e a regular mais a fronteira. É essa a sua posição, de receber os refugiados que procuram uma vida melhor na Europa?
Uma coisa são os emigrantes, outra coisa são os refugiados. São coisas diferentes. A imigração é mais fácil porque é mais fácil fazer um plano, digamos assim, para quantos imigrantes é que a Europa está capaz de absorver no sentido que seja positivo para ambos os lados. A Europa que precisa de mão de obra, que tem uma demografia ao contrário do que devia ter. E os imigrantes se querem a Europa, é porque querem vir, sentem-se melhor e é melhor para todos se eles vierem desde que sejam plenamente integrados. Para isso, é preciso que eles sejam úteis à Europa. Se não forem úteis à Europa não conseguem ser integrados, como é lógico. Portugal não tem esse problema, até porque o grosso da imigração portuguesa vem dos países de expressão e de língua portuguesa. E obviamente que aí — quer do ponto de vista linguístico, quer do ponto de vista cultural — estão muito mais próximos, integram-se com muito mais facilidade. A coisa já não é assim no centro da Europa. A chanceler alemã não teve propriamente uma política de portas escancaradas, não teve foi uma política de portas totalmente fechadas. São coisas diferentes. Fez aqui um equilíbrio, que não é fácil, particularmente na Alemanha não é fácil. Porque a Alemanha está também muito marcada, precisamente o país que é mais procurado e mais massacrado pelo excesso de imigrantes. Porque há muita gente que quer ir para a Alemanha. Mesmo quando entram por Portugal, o destino que eles querem não é propriamente Portugal e Espanha, é continuar para o centro da Europa. O que eu defendo é o equilíbrio destes fatores: não podem ser as portas escancaradas, porque isso é mau para todos; não podem nem devem ser as portas totalmente fechadas, porque também é mau para todos.
É uma boa notícia ir transmitir ao Congresso, como disse há pouco, que os dois partidos, PS e PSD, que são partidos europeístas e equilibrados deste ponto de vista da imigração, têm mais de 80% do Parlamento e de que a extrema-direita em Portugal ainda não se vê?
Face àquilo que está a acontecer na Europa, o que aconteceu em Portugal, e Portugal não é um grande país europeu mas é um país médio, o que aconteceu no sistema partidário no dia 6 de outubro desse ponto de vista é positivo. Ou seja, não se fragmentou completamente e principalmente não se fragmentou inclinado para a direita como tem acontecido na maior parte dos países europeus ou dos países europeus relevantes. E, portanto, quer o PS quer o PSD, que são os principais partidos portugueses há muitos anos, são mais principais do que o eram antes. Na exata medida em que nos votos têm 66%, só, mas depois nos deputados, por método de Hondt, têm 81%. Portanto, só há dois partidos em Portugal que podem conduzir um Governo, que é o PS e o PSD, coisa diferente do que acontece na maior parte dos países europeus. E, desse ponto de vista, essa estabilidade é uma notícia positiva porque vai contra a corrente que aconteceu na Europa. Na prática, firmaram-se os dois e aqui em particular o PSD, o PS era mais fácil porque está no poder, está no governo. O PSD é que tinha uma situação mais complicada. Se olharmos, por exemplo, aos resultados autárquicos de 2013 e particularmente de 2017, com percentagens baixíssimas nos grandes centros urbanos, realmente era um perigo poder vir a ter uma votação muito abaixo. Acabou por ter uma votação 8% abaixo de quem ganhou, 36% contra cerca de 28%, com o reforço do número de deputados dos dois partidos maiores. Para a Europa, depois em Portugal cada um faz a leitura que entende, se gosta mais, se gosta menos, para a Europa é uma estabilidade que é relevante. Seria bem pior chegar ali e dizer: não se está a ver bem como se vai fazer um governo porque entretanto temos seis ou sete partidos cada um com 12, 13 ou 15 deputados, os mais pequenos. Isso seria muito complicado.
Se a imigração não é um problema, a extrema-direita em Portugal também não? Há pouco também dizia que o próprio André Ventura não encaixa totalmente nas características da extrema-direita europeia. E portanto, não é um perigo.
Não. Há três partidos no Parlamento, três deles representados apenas por um deputado. E o PAN subiu, mas mesmo assim tem quatro. Não tem 12 nem 15. Quanto à questão da extrema-direita, o próprio Chega na minha interpretação, sendo de todos o mais à direita, não tem ainda aquela postura, e espero que não venha a ter, completamente de extrema-direita como assistimos nalguns países europeus. Isso é um dado. Pronto, na minha leitura é positivo. Na leitura de quem for de extrema-direita, é negativo.
Lembra-se de ter vindo como secretário-geral do PSD a um congresso do PPE?
Eu vim a diversas reuniões do PPE. Aliás, o PSD entrou para o PPE precisamente nessa altura em que eu era secretário-geral e o professor Marcelo Rebelo de Sousa era presidente do partido. Nós estávamos nos liberais e mudámos para o PPE nessa altura. Vim aqui a diversas reuniões para a negociação dessa entrada do PSD no PPE, transferência de um lado para o outro, mas não me recordo de vir a um congresso nessa altura. Precisamente por isso: no princípio do meu mandato nem sequer pertenciamos e depois não me recordo.
Dizem por aqui que causa boa impressão junto da chanceler Angela Merkel, até porque fala alemão. Vê-se um dia a assumir um cargo europeu?
Não me vejo. Porque é preciso… Isso aí também tem de ser equilibrado com a franja etária de cada um e, portanto, não é muito fácil alguém líder da oposição que ainda nem sequer foi primeiro-ministro do seu país, com a idade em que eu estou, conseguir vir ainda muito lá à frente um cargo europeu. Quando me ouve dizer conseguir, pode dar a ideia que era uma coisa que desejava muito. Também não é, quer dizer. Podem as coisas sempre acontecer.
Isto é porque se for primeiro-ministro quer estar mais de quatro anos e no final desses 8 anos já teria uma idade avançada para vir para a Europa?
Sim. E houve eleições há pouco, ainda tem de haver mais eleições. Depois tem o mandato. Portanto, não é coisa previsível. O dr. Durão Barroso fez isto muito mais cedo. Muito antes. A chanceler Merkel não tem um grande cargo europeu. É, sim, a chanceler do principal país europeu e, por isso mesmo, e depois pelas suas qualidades acaba por ter um estatuto, mas que tem parte formal e parte informal. Ora, o líder em Portugal, a parte informal é sempre mais fraca. Porque Portugal não é a Alemanha.
Espera vir a estes congressos como chefe de governo e entrar nesse segmento e ganhar algum peso, como Passos Coelho teve no PPE, porque foi primeiro-ministro alguns anos e já era dos mais experientes no Conselho Europeu?
Isso é, não digo a esperança, mas a obrigação de cada um. Quando nós lideramos o governo do nosso país nós temos por obrigação procurar ter a maior influência possível nas instâncias europeias a bem de Portugal. Isso consegue-se pelas características de cada um, mas consegue-se também pelo tempo. Como disse há bocado, e disse bem, uma coisa é ser-se primeiro-ministro há dois ou três anos outra coisa é ser-se primeiro-ministro há 4, 5 ou 6 anos, ganha mais peso. Isso eu noto nas próprias cimeiras do PPE em que aqueles que são primeiros-ministros há mais tempo, têm um peso superior ao que tiveram agora. Isso é da vida. Em todo o lado é assim.