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António Sampaio da Nóvoa garante que não se vai precipitar a dissolver o Parlamento se houver desentendimentos entre PS, PCP e BE e lembra que as previsões de que os mercados “iam afundar o país” não tiveram qualquer razão de ser.
Em entrevista ao Observador antes dos debates televisivos, o ex-reitor da Universidade de Lisboa comenta as escolhas da direita sobre presidenciais e afiança que, se for eleito Presidente, não assistirá “impávido” a leis que sejam contra os seus princípios.
“Não vou assistir impávido a leis que vão contra os meus princípios”
Nestes meses de campanha criticou bastante Cavaco Silva, dizendo que ele poderia e deveria ter feito mais. Também o acusou de ter ido longe demais no apoio ao Governo. Qual é o perfil de Presidente que defende? Deve apoiar quando concorda com o Governo ou deve manter reserva de opinião?
O que defendo desde o princípio é um Presidente independente. Tivemos um conjunto de Presidentes que vieram dos partidos… e era provavelmente necessário, numa fase em que Portugal vinha de uma ditadura, de um período sem partidos.
Estamos agora numa nova fase da nossa democracia, que tem uma outra maturidade, tem uma outra vida, e nessa fase é bom que haja um Presidente que venha da cidadania, que não vem de lógicas nem partidárias, nem de interesses diversos – e que pode exercer o seu cargo com grande independência. Para mim, as duas palavras presentes nestes oito meses de campanha são independência e presença: um Presidente independente e que pode unir, e juntar, o conjunto dos portugueses; e um Presidente presente, que não pode assistir impávido e sereno a um conjunto de situações sobre a Constituição, sobre a pobreza – e sobre elas não ter nenhuma palavra.
O que é mais impressionante na rua, nestes oito meses que eu levo de campanha, é uma zanga, um desconforto dos portugueses com a ideia de que não foram protegidos. Por quem tinha o dever de os proteger, nem que fosse apenas com uma palavra – ouvi isto várias vezes na rua ‘nós sabemos que o Presidente não nos podia dar dinheiro, mas podia ter-nos dado uma palavra’.
Vamos concretizar. Por exemplo, o poder de veto deve ser usado se o Presidente não concordar com uma lei do Governo?
O poder de veto deve ser usado com grande prudência, como é evidente. Sempre. Mas no nosso sistema constitucional podia ter havido, e isso foi discutido na Constituição, um sistema de eleição do Presidente sem ser por sufrágio universal e direto, de eleição pelo Parlamento, como existe em muitos países europeus. A Constituição, a Constituinte, quando decide eleger o Presidente da República por sufrágio universal e direto, dá-lhe uma legitimidade eleitoral que é idêntica à legitimidade eleitoral da Assembleia da República e do Governo.
Mas o Presidente da República que se apresenta com um conjunto de princípios, como eu me apresento, com uma carta de princípios, como eu me apresento, de defesa de um conjunto de ideais, de ideias, de valores, de causas, não pode assistir impávido e sereno a um conjunto de legislação que ponha em causa esses valores e esses princípios.
Quer isto dizer imiscuir-se permanentemente na atividade normal do Governo? Com certeza que não. Eu serei um Presidente, nessa matéria, muito prudente, a interferir muito pouco no dia a dia do Governo. Mas serei um Presidente portador de grandes causas. E por isso tenho dito muitas vezes que terei na cabeça dois mapas: o mapa do presente e o mapa do futuro. Um mapa que me permitirá atuar no presente, no quadro da cooperação institucional com o Governo, mas sobretudo um mapa de futuro. Quais são as grandes causas, as grandes ideias para Portugal, os grandes compromissos estratégicos para o futuro da República que um Presidente, e provavelmente só um Presidente é que pode promover no nosso país.
No que diz respeito ao Orçamento de Estado. O Presidente pode vetá-lo?
O Presidente da República deve, em relação ao Orçamento de Estado, ter uma grande prudência, na medida em que é um instrumento essencial da governação e é um instrumento essencial para a estabilidade e para previsibilidade da nossa vida social, económica, etc. É um dos temas em relação ao qual o Presidente da República deve ter mais prudência. Mas não deve, em nenhuma circunstância, deixar de marcar as suas posições em relação a determinadas matérias que entenda que vão contra a carta de princípios e os princípios pelos quais foi eleito.
Quando diz marcar posições, diz discutir com o Governo antes do Orçamento estar fechado, ou ter uma palavra pública independentemente do que o Orçamento tenha?
As duas coisas. Acho que é necessário… Enfim, tive a possibilidade de acompanhar, durante muitos anos, como membro da Casa Civil do dr. Jorge Sampaio, a ação do dr. Jorge Sampaio nessa matéria. Julgo que foi uma ação, a vários títulos exemplar nessa matéria e nas matérias que, enfim, me coloca. E muitas vezes foi intervindo antes, em conversas, no quadro de uma normal relação entre o Governo e Presidência da República. Noutros casos foi através de alguma palavra pública, de algum registo público sobre isso. Creio que isso deve ser feito com muita prudência – acho que precisamos de um Presidente muito prudente. Mas não podemos ter um Presidente que esteja ausente da nossa vida política, sobretudo em matérias que são centrais para o futuro das pessoas.
No caso de uma resolução bancária que implique um Orçamento Retificativo, a palavra do Presidente deve valer ou é tão importante – do ponto de vista de estabilidade do sistema financeiro – que o PR deve promulgar independentemente da sua opinião?
A estabilidade do sistema financeiro é um valor extraordinariamente importante e é com muita preocupação que vemos situações como esta que se está a passar agora. E sobre as quais devia ter havido, obviamente, da parte dos diversos órgãos de soberania uma intervenção mais adequada e no tempo certo. É para todos nós difícil de compreender que havendo, inevitavelmente, tanta informação disponível nos diversos órgãos de soberania – Governo, Presidência da República… – se tivesse deixado esta situação arrastar no tempo, como se deixou arrastar.
Creio que um Presidente deve, na medida do possível, intervir sempre de forma preventiva. Deve ser uma pessoa capaz, pela informação que tem, de poder intervir antes que as coisas cheguem a uma situação em que, de repente, temos que tomar decisões que não agradam a ninguém, mas que se tornam inevitáveis para assegurar certos valores, como é o caso da estabilidade do sistema financeiro. E que são valores que todos prezamos, que são essenciais para a nossa vida coletiva.
Entende que o Presidente da República deve poder nomear o governador do Banco de Portugal?
É uma situação que pode, no futuro, vir a analisar-se. Neste momento é uma situação que não está em cima da mesa. Mas julgo que temos que pensar seriamente na forma de nomeação do governador do Banco de Portugal.
Designar, por exemplo, os juízes do Tribunal Constitucional ou membros do Conselho Superior de defesa? Acha que faz sentido que o Presidente da República tenha esse poder?
Está a colocar-me um conjunto de matérias que foram, algumas delas, levantadas pelo atual Presidente da República na mensagem que dirigiu e que são matérias que exigem a revisão da nossa Constituição, que é um dos assuntos em relação aos quais o Presidente da República não tem uma intervenção direta. A única lei, a única legislação, que o Presidente da República é obrigado a promulgar e sobre a qual não tem que tecer o juízo em sede de promulgação é a Constituição. Portanto, é uma matéria muito delicada no exercício presidencial e eu, como candidato, não devo sobre essa matéria pronunciar um conjunto de ideias que, depois, não tenho competência formal para as poder concretizar como Presidente.
Devo dizer que a grande maioria dos pontos que são levantados pelo Presidente da República merecem um debate na sociedade portuguesa. Merecem um debate, sobretudo, em sede parlamentar – que é quem tem a responsabilidade de o decidir. O Presidente deve acompanhar, mas a meu ver seria errado estar a tomar posições públicas sobre essa matéria, comprometendo-se com soluções que, depois, não tem competência para as concretizar.
“Se a maioria de esquerda ruir, não deve dissolver-se logo a AR”
Em que circunstâncias deve um Presidente da República dissolver a Assembleia da República?
Em circunstâncias absolutamente limite. Julgo que é uma situação tão drástica, tão definitiva e tão… O próprio termo que se popularizou da ‘bomba atómica’ dá essa dimensão de peso, que o deve fazer apenas em situações absolutamente limite. Quando todas as outras possibilidades de funcionamento do nosso sistema político estiverem bloqueadas. E sobre isso não devo fazer nenhum tipo de cenários… Sei que outros candidatos o fizeram e sei, por exemplo, que o admitiram se não houver o cumprimento de determinados compromissos europeus…
Está a falar de Maria de Belém…
… Que dissolveriam a Assembleia da República. Devo dizer que fazer uma afirmação desse tipo é estar a colocar nas mãos de Bruxelas a soberania sobre o meu país. Eu não coloco. É estar a dar a Bruxelas um poder que eu jamais aceitaria. Julgo que sempre que fazemos um cenário dessa ordem estamos a caminhar para situações que não são, a meu ver, desejáveis.
Nós temos é que afirmar o contrário. Que o Presidente da República deve ser um fator de estabilidade, deve ser um fator de prudência, de assegurar, em todos os momentos, a existência de compromissos estratégicos, de uma cultura de diálogo e de compromisso… como está a existir agora. Acho que os tempos que estamos a viver são, a esse nível, tempos exemplares. De uma cultura de diálogo, de uma cultura de compromisso. E tenho alguma pena que o atual Presidente da República não tenha sido, também ele, um fator de promoção dessa cultura de diálogo e compromisso e, antes pelo contrário, tenha feito declarações que foram excessivas em relação a essa matéria.
Se o acordo de esquerda ruir, acha que se deve convocar eleições ou deve tentar-se um novo Governo com a mesma composição do Parlamento?
É muito difícil falar em ‘ses’, porque os ‘ses’ são… Julgo que devemos fazer todo o possível para que este acordo de Governo seja um acordo estável, seja de acordo com uma nova cultura de diálogo, uma nova cultura de compromisso que já não existia em Portugal – que nunca existiu em Portugal verdadeiramente a seguir ao 25 de abril nestes termos que agora temos.
Nesse sentido, acho que os últimos dias, as últimas semanas se têm revelado muito positivas. Tem sido muito positivo que o povo português não tenha ido atrás de tanto alarmismo, de tanto tremendismo. Parecia que o mundo ia acabar. Estamos aqui no Observador que foi um dos jornais que mais suscitou esse alarmismo, esse tremendismo. Parecia que o país ia acabar, que o mundo ia acabar, que ia tudo acabar. E o povo português foi muito sensato nessa matéria. Em poucos dias percebeu que foi uma solução como outras possíveis. Sempre disse, desde o primeiro dia: na circunstância atual, na circunstância de um final de um mandato do Presidente da República, na circunstância de uma Assembleia da República que acabou de ser eleita teríamos sempre que apoiar um Governo de maioria Parlamentar, fosse ele qual fosse. À direita, à esquerda ou ao centro. Acho que é esse sinal que devemos dar.
Mas para responder diretamente, eu acho que se alguma coisa correr mal, se alguma coisa não funcionar, não acho que a solução imediata deva ser a dissolução da Assembleia da República. Acho que o Presidente da República deve esgotar sempre todas as possibilidades de diálogo, todas as possibilidades de compromisso, todas as possibilidades de entendimento, e que só deve recorrer a isso na última das últimas possibilidades.
Na votação do Orçamento Retificativo, o PCP e o BE votaram contra. Crê que a coligação de esquerda pode aguentar nestas circunstâncias?
A democracia é feita de imprevisibilidade, é feita de muito trabalho, é feita de muito esforço, é feita de uma cultura democrática que, em Portugal, está ainda pouco enraizada. Mas ainda nos falta muito para essa cultura, vai enraizando. Isso demora tempo. As coisas não surgem assim de uma varinha de condão – era bom que surgissem, mas não surgem. Julgo que vai ser difícil, não há nenhuma facilidade pela frente.
A situação em Portugal é muito difícil. Esta situação do Banif que agora veio ainda complicou mais uma situação que era de todos conhecida. É um caminho que não é fácil, mas é um caminho que tem que ser feito com muita determinação e devemos fazer tudo para que as coisas corram bem e para que esta cultura de diálogo e de compromisso se estabilize, mesmo quando há divergências sobre certas matérias.
Para mim foi muito claro, na maneira como acompanhei estes acordos que se fizeram… Foi de uma grande maturidade, a meu ver aceitar que havia um Governo, mas que havia discordância, que os partidos não pensam todos da mesma maneira. Têm visões diferentes da sociedade e que, em determinados momentos, podem não concordar e podem ter uma opinião diversa. Temos que nos habituar a isso e julgo que é muito curioso que o povo português se tenha habituado mais serenamente e mais facilmente a este novo tempo que muito intelectuais e do que muita gente das elites.
Vamos trabalhar sobre isso, vamos perceber que vai haver divergências. Vai haver outras. E vamos tentar estabilizar esses compromissos. E se não for possível, logo veremos o que é acontece daqui a um ano, daqui a dois, daqui a quatro…
Demasiado imprevisível para podermos adivinhar daqui a dois, três ou quatro anos….
Exatamente.
Numa das suas primeiras entrevistas televisivas disse que teria demitido o Governo de Passos Coelho em 2013, aquando da crise política. Porque é que, naquele momento, achava que devia partir para uma dissolução da Assembleia não estando ainda totalmente esgotado o plano parlamentar que estava em vigor?
O passado é o passado, as coisas aconteceram como aconteceram. Isso resulta de uma entrevista que eu dei na época, naquela altura, muito longe de pensar numa candidatura presidencial ou noutra matéria qualquer. Julgo que, naquela altura, naquele momento, face à demissão que houve, face à quebra daquele compromisso governamental que havia, a todos nos pareceu praticamente inevitável que era necessário voltar a dar a palavra ao povo e voltar a relegitimar, do ponto de vista democrático, o nosso sistema político. Julgo que, em circunstâncias parecidas valeria a pena agir da mesma maneira.
Mas estou de acordo, e queria marcar esse ponto, que é preciso, em todos os momentos, levar até ao limite a possibilidade de uma cultura de compromisso. Naquela altura foi possível. Ainda bem, no sentido em que foi possível do ponto de vista da estabilidade. Ainda mal que foi possível – do ponto de vista das políticas que foram prosseguidas nos anos seguintes. E algumas delas… Estamos agora a ver a dura consequência, com esta situação do Banif.
Aquela carta que foi pedida por Cavaco Silva ao líder do PS, antes de aceitar dar-lhe posse como primeiro-ministro… Acha que essa carta devia ser conhecida e, já agora, poderá ela ser, em caso de incumprimento, base para um Presidente “despedir” este Governo?
Não me parece. Os poderes de demissão do Governo são poderes que, do ponto de vista constitucional, nunca foram exercidos, e por alguma razão…
Quanto à carta o que eu julgo que é importante acentuar é a transparência. Julgo que um dos pontos essenciais para o nosso sistema político é a transparência das decisões; e o que nós sentimos todos nos últimos tempos, e uma vez mais agora, é a falta de transparência.
Para mim não é admissível que membros do anterior Governo venham dizer que não sabiam – um banco em que a maioria do capital já é uma maioria de capital público e o Governo não sabia do que se passava nesse banco. Eu acho que, nos próximos anos, vamos travar uma grande batalha, não só em Portugal. Vamos travar um grande batalha sobre a questão da transparência das decisões democráticas e esta transparência faz parte de todos os órgãos de soberania: do Presidente da República, do Governo, da Assembleia da República, do poder local…
Nesse sentido, creio que é legítimo que haja conversas que são privadas entre órgãos de soberania – com certeza, há muita dimensão da política que não pode ser feita na praça pública – mas tudo o que são decisões fundamentais é essencial que se façam no espaço público. Combatendo esta sensação de que estamos reféns de grupos, de interesses ou de informação que nos é ocultada, e que torna o nosso dia-a-dia muito difícil na nossa relação com o sistema político.
União bancária pode ir a referendo… se houver perda de soberania
Uma das discussões que está em curso tem que ver com a união bancária. E um dos pontos que está em aberto é se será preciso uma alteração aos Tratados da UE, por exemplo para dar uma garantia múltipla de depósitos entre os vários Estados da zona euro – e dar, em troca, algum controlo adicional sobre as finanças públicas dos vários países. O professor tem inscrito um compromisso de um referendo europeu… Acha que este é um caso que Portugal deve referendar?
Não tenho, sobre a Europa, nenhumas dúvidas de pertença. Agora, tenho dúvidas sobre o que tem acontecido na união económica e monetária, tenho dúvidas sobre a maneira como a Europa se tem organizado nos últimos anos. Tenho, também, sobre o facto de nós nunca termos [realizado] um referendo ou uma consulta popular sobre as questões europeias. O que está na minha carta de princípios – e que aqui reafirmo – é que, em matérias em que a soberania de Portugal seja significativamente reduzida, exigirei a realização de um referendo sobre essa matéria.
Sobre a pergunta concreta: depende até onde iria essa eventual adenda aos tratados da UE, até que plano da redução de soberania… É uma solução que terá que ser avaliada na altura, mas se ela trouxer uma redução considerável da nossa soberania no plano europeu, eu advogarei a existência de um referendo sobre essa matéria.
Este aprofundamento da união bancária merece-lhe reservas de alguma maneira, ou sente-se confortável com ela?
Sinto-me confortável com o aprofundamento da união bancária. Agora, depende da maneira como isso for realizado. Não é indiferente que seja realizado de uma maneira ou de outra, mas penso que é um caminho que pode ser útil se ele corresponder, também, a uma democratização da União Europeia e uma maior participação na decisão, nos espaços da União Europeia.
O que eu nunca aceitarei é uma União Europeia em que as decisões são tomadas sempre pelos mesmos, são tomadas no essencial pelo mesmo pequeno grupo de países e em que se reduz Portugal, como muitos outros países, a uma posição periférica, relativamente marginal daquilo que, na gíria, se tem designado por bons alunos da Europa (o que para mim é uma designação muito estranha porque, sendo eu professor, o bom aluno não é aquele que ingere passivamente toda a matéria que um professor lhe dá, o bom aluno é justamente o contrário: é aquele que critica, que participa, que intervém, que cria).
E não aceito uma espécie de periferização de Portugal, que se acentuou muito nos últimos anos, em particular na última década, ou mesmo nos últimos 15 anos.
Também à medida que União Europeia foi alargando…
À medida que a União Europeia se foi alargando e à medida que se foi acentuando a divergência entre os países, em vez da convergência que acontecia nos primeiros 15 anos. Foi a crise, foi a maneira como a crise foi criada. E com uma série de medidas que deviam ter sido lançadas de outra maneira, e que não foram.
“O combate ao Estado Islâmico deve ser sem tréguas”
Já que falamos de cooperação a nível europeu… França está a pedir apoio dos vários países da União Europeia para combater o Estado Islâmico. O próximo Presidente será, também, encarregue de decisões sobre política externa. Na sua opinião, Portugal deve entrar neste esforço?
O combate ao Estado Islâmico, a todas as formas de terrorismo, deve ser um combate sem tréguas. Nós não podemos deixar de participar nesse combate. Há questões centrais que estão em jogo para o nosso futuro coletivo, para o nosso futuro coletivo na Europa, para o nosso futuro coletivo no mundo, para o futuro em Portugal também. Nomeadamente grande parte dos valores que nos fizeram do ponto de vista da liberdade e da democracia. Não podemos fechar os olhos a essa situação e ser indiferente a isso. Temos que, na medida das nossas possibilidades participar nisso, e participar nisso com coragem e com determinação.
O que não podemos é cometer os erros do passado. Isto é, as intervenções militares que aconteceram no passado, em muitas destas áreas, são na verdade uma parte das causas da situação a que chegámos porque foram, de facto, intervenções que todos hoje reconhecem como absolutamente despropositadas e, até, catastróficas.
Mas hoje há um plano de ação, que está no terreno. Não sabemos se passos seguintes existiram ou não. O plano tal como hoje está a acontecer, de ataques aéreos, parece-lhe adequado?
O plano que está em vigor hoje em dia parece-me claramente insuficiente. Nós temos que ter uma outra capacidade de intervenção e de ação que não é apenas no plano militar, sem pôr de fora o plano militar, mas tem que ser uma intervenção muito mais complexa.
Tivemos oportunidade, nos vários debates que tenho vindo a promover no âmbito desta campanha, de ter um debate que, em grande parte, tinha que ver com as Forças Armadas, e também sobre essa matéria, onde intervieram alguns dos principais ex-chefes do Estado-Maior – e também o general Ramalho Eanes. E foi um assunto de grande acordo entre nós, que as principais intervenções têm que ser feitas noutro plano. É uma matéria de uma enorme complexidade sobre a qual nós não podemos ter hesitações quanto à necessidade de fazer esse combate. Mas temos que ter uma inteligência que, infelizmente, não temos revelado nas últimas décadas.
“Os mercados iam reagir, afundar o país. Não aconteceu nada disso.”
Voltamos ao plano interno. Se os patrões se recusam a assinar um acordo de concertação social, como Presidente da República pensaria em vetar alguma das medidas aprovadas?
O fazer um veto, ou não a determinados diplomas terá sempre mais a ver com a matriz do que é a minha carta de princípios e aquilo com que me apresentei aos portugueses, portanto com a legitimidade que recebi de uma eleição, do que propriamente com a opinião deste ou daquele setor da sociedade portuguesa. Isto dito, sou totalmente favorável à ideia da concertação social. Acho que falta em Portugal a tal cultura de diálogo e de compromisso de que falei há pouco. A concertação social é uma peça importante dessa cultura e devemos fazer tudo o que é possível para que ali se definam esses acordos. E que se façam com um sentido que seja positivo para toda a gente.
É pena que o salário mínimo tenha sido aprovado sem acordo de concertação?
Sempre que um acordo não se faz, eu tenho pena.
Não consegue entender a razão…
Eu consigo entender muitas razões, nomeadamente num certo artificialismo de certas fraturas que se tentaram provocar na sociedade portuguesa nas últimas semanas, ou nos últimos meses. Isso criou um ambiente de uma certa crispação…
O próprio Presidente contribuiu para isso? Tendo em conta que ele falou sobre concertação social, e a importância dela…
O Presidente da República, no primeiro discurso que fez, contribuiu muito para esse ambiente de crispação. E muita gente contribuiu para isso. Os mercados, os célebres mercados, iam reagir, afundar o país. Não aconteceu nada disso.
Os célebres mercados já nos afundaram uma vez…
É verdade, mas não aconteceu nada disso por estas razões, aconteceu por outras. Não foi por haver uma cultura de diálogo e de compromisso. Não foi por haver novos entendimentos que isso aconteceu. Aconteceu por outras razões…
Nunca foi por razões políticas…
Ainda bem que diz isso. Porque nós ouvimos o contrário durante vários meses.
Não, não. O que aconteceu foi uma rutura de financiamento do Estado.
Ouvimos, durante vários meses que era a existência de acordos políticos com determinadas forças que ia levar ao descalabro do país. Acho que devemos trabalhar sobre a concertação social o mais possível e eu, como Presidente da República, empenhar-me-ia muito nisso. Como lhe digo, é uma das marcas da minha vida. Se há uma marca que define a minha vida é uma marca de tentar acordos, tentar uniões, juntar pessoas.
Tenho pessoas na minha candidatura que me perguntam ‘como é que tens a pessoa x e como é que consegues juntar a pessoa x com a pessoa y, como é que consegues juntar líderes tão importantes da CGTP com líderes tão importantes da UGT, como é que consegues juntar pessoas como o general Ramalho Eanes e o dr. Mário Soares e o dr. Jorge Sampaio’… E acho que consigo porque as pessoas que me conhecem – quem não me conhece pode fazer todos os retratos que quiser, e muitos deles não correspondem à verdade, mas cada um tem o direito à sua opinião… sou um homem da liberdade, nunca me ouviram criticar alguma coisa que alguém diga sobre mim.
O que fará o Presidente Sampaio da Nóvoa se as manifestações se sucederem na rua?
Respeitará as manifestações, é a primeira coisa. Isto é, as manifestações são um direito legítimo das pessoas. Temos que nos habituar que a cultura do diálogo e do compromisso, muitas vezes, também que implica a divergência, que implica que as pessoas se manifestem, que deem os seus pontos de vista, que façam greves se acharem que devem fazer greves.
Sim, mas já houve Presidentes com perspetivas muito diferentes de encarar as manifestações, críticas setoriais, corporativas… Houve, por exemplo, uma fase de Mário Soares em que ele recebia algumas das corporações em Belém e outras em que não. E a mesma coisa aconteceu com outros Presidentes…
Eu serei um Presidente que vai ouvir as pessoas permanentemente, que estará sempre disponível para ouvir todas as pessoas seja na aldeia mais distante do país – estou disposto a ouvir toda a gente, em todas as circunstâncias. A minha primeira reação sobre qualquer assunto nestes últimos oito meses é esta: se há um problema com a Constituição… Naquela hora eu estou a falar com o professor Jorge Miranda, com o professor Gomes Canotilho, com o professor Jorge Reis Novais, a tentar informar-me sobre aquilo para tomar uma decisão. Ouvirei sempre as pessoas em todas as circunstâncias, porque ouvir não quer dizer que estejamos de acordo com as pessoas. Quer dizer que temos um direito e uma obrigação de ouvir. E essa é, talvez, a primeira obrigação do Presidente da República: saber ouvir, saber escutar.
É por isso, também, que nunca me verão a fazer campanhas sozinho, como se não precisasse de ouvir ninguém, como se só precisasse de me ouvir a mim próprio, como se as outras pessoas não tivessem nenhuma importância, como se só contasse a minha palavra.
Está a pensar em alguém em especial?
Não estou a pensar em ninguém em especial. O David está, mas eu não. Farei sempre uma campanha e uma Presidência com as pessoas, ouvindo as pessoas, conversando com as pessoas, em todas as circunstâncias. Nós precisamos de nos habituar, em Portugal, que não temos que pensar todos da mesma maneira, a que há diferentes interesses dentro da sociedade e o Presidente da República tem que ser o lugar de ouvir esses interesses e de escutar as pessoas – sem que isso signifique estar de acordo com elas.
“Se Rui Rio tivesse tido coragem, esta campanha seria completamente diferente”
Como é que se pode explicar por esta altura que um dos seus adversários, Marcelo Rebelo de Sousa, esteja tão deslocado nas sondagens, tão à frente nas sondagens? É por ser o Marcelo que nós conhecemos da televisão, é por ser um Marcelo diferente desse?
É, obviamente, porque há um nível de popularidade muito grande. Esse nível de popularidade traduz-se em sede eleitoral muito naturalmente, mas é também para isso que servem as campanhas presidenciais. Servem para dar a conhecer as ideias, para dar a conhecer as pessoas, para dar a conhecer as opiniões.
Essa diferença hoje justifica-se porque verdadeiramente, para espanto de todos nós, a um mês das eleições a campanha não tinha começado ainda. Ela nos Estados Unidos já começou há muito tempo e só tem lugar um ano depois da nossa, quase. Começou com os debates nas televisões e – ‘oops’, isto já está quase no fim. É evidente que isto favorece candidatos que têm um nível de popularidade que outros candidatos não têm, porque fizeram a sua vida dessa maneira.
Acho que há aqui uma situação que, provavelmente, nos deve levar a refletir para futuras eleições e em futuros processos sobre a maneira como queremos valorizar, ou não, as eleições presidenciais. O que está em causa não é apenas a escolha de uma figura – é certamente a escolha de uma figura – mas a escolha de uma ideia para o país, que país é que queremos, que projeto é que temos para o país. E não se devem deixar iludir por um candidato que eu defini como ‘esconde-esconde’.
Durante meses e meses e meses andou a esconder que era candidato e foi comentador, e secou todo o seu campo político à volta, para espanto meu, devo dizer. Para mim, foi muito surpreendente que, no campo político, pessoas como o Rui Rio e outras não tivessem coragem de avançar. Porque estas eleições seriam completamente diferentes. E deixaram um candidato completamente liberto para dizer agora, quando tem quase 70 anos – e ao fim de 40 muitos anos de vida pública – que ouve melhor com o ouvido esquerdo que com o ouvido direito. Descobriu isto com quase 70 anos de idade… Enfim, é uma descoberta possível, estamos sempre em momentos de aprendizagem, de aprender com a vida, mas não me parece que nos possamos deixar enganar pela maneira como estas coisas estão a decorrer. Acho que é preciso ter alguma autenticidade naquilo que somos, naquilo que representamos, naquilo que dizemos…
Acha que este Marcelo não é autêntico?
… Ter verdade naquilo que dizemos. Acho que temos que trazer ideias. O problema é que, de repente, parece que não há ideias a serem discutidas. Parece que não há proposta para o país, parece que não há projetos para o país, parece que se trata apenas de um concurso de maior popularidade ou de menor popularidade. Acho que, como uma coisa sem uma grande importância. Acho que todos percebemos muito bem a importância que tem o Presidente da República para o nosso futuro. Isso hoje é muito claro e é importante que os portugueses percebam que, quando votarem dia 24 de janeiro, vão decidir coisas muito importantes para o seu futuro. Vão decidir, provavelmente, o país que querem na próxima década.
O que é acontece ao país se Marcelo Rebelo de Sousa for eleito?
Vamos ter mais do mesmo, vamos ter um país basicamente igual ao que foi nos últimos anos. Vamos ter um país com um sistema político que não se vai renovar, com um país que se vai acomodar a um determinado jogo político, que é sempre mais do mesmo.
Quer dizer, que não traz nenhuma inovação, nenhuma novidade, que não vai ser capaz de promover um conjunto de energias novas que existem na sociedade portuguesa, que não vai ser capaz de promover um conjunto de formas novas de agir no espaço político, com liberdade, com independência, livre de compromissos, livre de interesses, livre de muitas coisas do passado. Acho que vamos ter um país que vai estagnar nesse sentido. E, para mim, estabilidade é muito diferente de estagnação.
Se permite que lhe diga… Marcelo Rebelo de Sousa não diria nada de diferente disso…
Talvez não. Mas eu não o ouvi dizer isso até agora. Não o ouvi dizer isso e, sobretudo, não me parece que a sua história de 40 e muitos anos de vida pública e de vida política possam fazer com que isso seja muito credível da sua parte. Não foi isso que vimos nos últimos 40 e tal anos.
Falava há pouco da limpeza à direita, do candidato que sobrou. O que é que falhou para não haver um só candidato de esquerda?
Acho que não falhou nada, no sentido em que não me pareceria desejável que só houvesse um candidato à esquerda. Não me pareceria desejável que estas eleições fossem disputadas apenas por dois candidatos. Acho que é bom que haja diversidade de opiniões. Acho que é bom o que o que cada um dos candidatos representa permita uma escolha aos eleitores.
O que me pareceu estranho, e por isso é que o disse, é que num campo político mais à direita se tivessem criado tantos obstáculos ou tantas dificuldades a que pudesse emergir outro candidato, ou outros candidatos. Que pudessem, também eles, representar um conjunto de outros valores e de outras perspetivas dentro das eleições presidenciais. Nesse sentido, é evidente que há um enorme desequilíbrio nestas eleições presidenciais. Isso parece-me óbvio e não me parece positivo do ponto de vista da escolha dos eleitores, que é em definitivo aquilo que me interessa.
“A nossa democracia está mais madura para aceitar um candidato independente”
Até hoje os candidatos independentes não tiveram resultados muito expressivos em eleições presidenciais. Tem uma explicação para esse fenómeno?
É a explicação que tentei dar-lhe há pouco. A nossa democracia era uma democracia relativamente recente e é normal que, depois de muitos anos sem partidos, houvesse uma proteção dos partidos e houvesse uma tendência para valorizar as dimensões partidárias. Julgo que chegamos agora, 40 anos depois, a um tempo da nossa democracia em que as pessoas estão a começar a valorizar outras dimensões – que são as dimensões que, de algum modo, estão presentes na nossa Constituição.
Porque a nossa Constituição fala em cidadãos que se apresentem com mais de 35 anos. Podia pôr como hipótese que um desses cidadãos podia ser proposto por um partido. Podia ter dito ‘um cidadão de 35 anos que tem 7.500 assinaturas ou um cidadão proposto por um partido’. Acontece em muitos outros regimes no mundo inteiro. Ao consagrar apenas a cidadãos que se apresentam livremente, autonomamente, a Constituição, num certo sentido sugere a figura de Presidente da República que eu quero ser e a que eu quero dar corpo.
Nesse sentido, acho que a nossa democracia estará hoje madura para poder aceitar, melhor que há 10 ou 20 anos atrás, a existência de um candidato independente. É isso que me traz a este combate e que me deixa muito seguro e confiante desde logo na possibilidade de haver uma segunda volta – e essa será talvez a barreira mais difícil de passar, porque passando à segunda volta julgo que a confiança é grande de que esta candidatura possa ser vitoriosa nas eleições para Presidente da República.