Nem o candidato repetente, nem o responsável pelo aparelho, nem o homem das bases. A escolha de Eduardo Pinheiro, atual secretário de Estado da Mobilidade, como candidato do PS à Câmara Municipal do Porto surpreendeu muitos socialistas. Indiferente aos possíveis estilhaços, António Costa quis arrumar a discussão e escolheu uma quarta via — a via com mais possibilidades de chegar a um hipotético acordo com Rui Moreira no futuro. Mas o cenário provoca calafrios em parte do partido e está a partir ao meio o PS/Porto.
Entre os socialistas ouvidos pelo Observador — mesmo aqueles que aprovam a escolha — esse é, de facto, um dado adquirido: se Rui Moreira estiver disposto a reeditar um casamento com o PS (ou precisar de o fazer), Pinheiro será mesmo o nome mais pacífico, daí já ter sido sondado nos últimos dias e convidado formalmente esta terça-feira à tarde. Os dois conhecem-se há muito, são próximos e têm até alguma cumplicidade política. E esse cenário — o de uma possível aliança — pode interessar a António Costa.
A relação de cumplicidade entre Rui Moreira e Eduardo Pinheiro foi confirmada ao Observador por vários fontes ligadas ao universo do atual autarca e do PS local e nacional. Em 2017, aliás, o agora candidato socialista à autarquia do Porto chegou a ser sondado por Moreira para fazer parte das listas do autarca.
Existe um fator que pode precipitar essa equação: uma eventual perda da maioria absoluta, na Câmara e/ou na Assembleia Municipal. Mais: das sete juntas de freguesia, o Movimento de Rui Moreira controla cinco, PSD e PS uma cada um; não há garantias que essa dinâmica não se possa alterar e, aí, seria importante para Moreira assegurar junto do PS alguma simpatia.
“Não interessa se o PS ganha, interessa como vai gerir a derrota“, explica ao Observador uma fonte que acompanhou o processo no Porto, recordando o trabalho que Manuel Pizarro, presidente da distrital portuense, fez enquanto vereador ao lado de Moreira. O passo seguinte é lógico: “Nada impede que haja um acordo posterior às eleições…”, diz a mesma fonte.
As pontes vão ser relançadas. Resta saber com que alcance. A apesar do divórcio de má memória com Pizarro em 2017, o Observador sabe que Rui Moreira não exclui a hipótese de um dia voltar a entregar um pelouro a um vereador socialista.
Para Rui Moreira, de resto, a questão nunca foi traçar um cordão sanitário em relação aos socialistas. O atual presidente da Câmara do Porto só entende que dificilmente teria condições para negociar diretamente com socialistas com o perfil de Tiago Barbosa Ribeiro ou José Luís Carneiro, por exemplo. Nesse caso, o passado e percurso de Pinheiro pode ser um trunfo.
“Para já, vamos disputar a Câmara. Depois, depende de se o Rui Moreira tiver maioria absoluta…”, assume outra fonte socialista, que aponta ao Observador as valências do atual secretário de Estado na área da Mobilidade — um setor em que poderia convir ao atual autarca do Porto ter cobertura para o futuro.
Uma escolha que partiu o PS
Eduardo Pinheiro nunca foi sequer apontado como possível candidato do PS ao Porto. Tiago Barbosa Ribeiro, deputado e líder da concelhia do PS/Porto, chegou a ser dado como certo mas mudou de ideias por não gostar da indefinição do partido.
José Luís Carneiro, secretário-geral adjunto do PS, sempre quis ser candidato, teria a bênção de Barbosa Ribeiro (antigo adversário local), estava empenhado nessa possível candidatura, mas também se pôs de fora — dificilmente uma candidatura sua passaria sem o crivo de Pizarro e de outras figuras do PS do Norte.
Manuel Pizarro, eurodeputado e líder da distrital do PS/Porto, que sempre foi próximo de Barbosa Ribeiro mas nunca gostou de Carneiro, não queria ser candidato mas também não queria que Carneiro fosse — a sua oposição acabou por condicionar todo o processo. E assim nasceu a solução “Eduardo Pinheiro”, pensada por Costa e Pizarro, mas muito mal recebida pelas tropas de Barbosa Ribeiro e de Carneiro.
A proximidade com Moreira
Entre 2013 e 2017, Eduardo Pinheiro foi vice-presidente do então autarca em Matosinhos, Guilherme Pinto. O número um acabou por deixar a Câmara por motivos de doença e Pinheiro assumiu interinamente a presidência da autarquia.
No entanto, apesar de ter ocupado a pasta, Eduardo Pinheiro acabou por não ser escolhido como candidato ao PS nas eleições desse ano. A escolhida seria Luísa Salgueiro, que venceu as eleições e se tornou-se um dos nomes fortes do partido na região. De resto, há quem pergunte o óbvio: “Se Eduardo Pinheiro não serviu como candidato do PS a Matosinhos, servirá para o Porto…?”, interroga-se fonte do PS.
E se…?
Entre alguns dos apoiantes de Rui Moreira, há quem duvide que um eventual acordo entre o atual autarca e os socialistas esteja na calha, até porque as sondagens que vão aparecendo apontam para uma nova maioria absoluta do autarca.
Mas caso Selminho, que levará mesmo Moreira a julgamento, acusado de favorecer a imobiliária da família contra o município, preocupa. E a saída de António Fonseca, que constava das listas de Moreira, para se candidatar pelo Chega à autarquia também.
Se elementos como estes causarem alguma erosão, assim como a perceção de que a corrida está ganha para o lado de Moreira, que pode desmobilizar o seu eleitorado, o atual presidente não exclui voltar a olhar para o PS.
Este cenário — o de um possível acordo futuro entre Moreira e o PS — desanima uma parte do aparelho socialista. “Assim, o PS desiste da Câmara“, lamenta uma fonte local.
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Falta de notoriedade vs currículo cheio
O nome de Pinheiro foi confirmado esta terça-feira de manhã, numa reunião que juntou os três candidatos apontados — José Luís Carneiro, no papel de secretário-geral adjunto do PS, Manuel Pizarro, presidente da distrital, e Tiago Barbosa Ribeiro, presidente da concelhia. Foi Pizarro, já concertado com António Costa, o responsável para trazer para cima da mesa formalmente o nome de Pinheiro.
As dúvidas sobre o secretário de Estado são claras: por um lado, todas as fontes ouvidas pelo Observador — mesmo aquelas a quem a candidatura agrada — mencionam a falta de notoriedade do governante e o escasso tempo para preparar uma candidatura, especialmente em tempos de pandemia.
Ainda assim, há quem destaque o currículo “feito para o lugar” de Pinheiro, apontando para a experiência na área da Mobilidade, o historial a gerir fundos comunitários e a experiência autárquica em Matosinhos.
A isto soma-se, no último ano, o trabalho que desenvolveu enquanto secretário de Estado encarregado de gerir regionalmente o combate à Covid-19 — foi um dos cinco governantes escolhidos por Costa (com a concordância de Rui Moreira) para desempenhar esse papel.
A expectativa não é de vitória, mas antes que Pinheiro consiga agarrar o essencial eleitorado do PS no Porto e evitar um resultado desastroso, que poderia resultar num terceiro lugar na corrida à Câmara.
Dos outros nomes na calha, Tiago Barbosa Ribeiro já tinha vindo a fazer saber, nas últimas semanas, que apesar do apoio quase unânime da concelhia do Porto não iria avançar, dado o escasso tempo para preparar uma candidatura — só o PS ainda não apresentou um nome fechado na capital.
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Também José Luís Carneiro tinha acabado por dar conta da sua indisponibilidade, como noticiava esta terça-feira a TSF. Ao nº2 do partido não agradaria a hipótese de poder ainda estar em cima da mesa um acordo com Moreira, além de contar com alguns anticorpos nas estruturas locais do partido, tanto na concelhia como na federação — as discordâncias são antigas e passam muito pela disputa distrital que dividiu as tropas entre José Manuel Ribeiro (apoiado por José Luís Carneiro) e o vencedor e atual líder da distrital, Manuel Pizarro.
Acabou por ser Pizarro quem, embora concertado com Costa, assumiu a escolha na reunião desta terça-feira e defendeu as qualidades de Pinheiro para uma candidatura no Porto. As bases não terão ficado radiantes. Agora, é seguir em frente — não há planos na concelhia para colocar obstáculos ao nome escolhido, nem para mostrar entusiasmo por aí além.