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Estas startups portuguesas dão a mão ao espaço com os pés na Terra

São projetos portugueses que não estudam o espaço, mas aplicam a tecnologia espacial em produtos terrestres. Calculam a qualidade do ar, localizam animais ou medem tacadas de golfe. Sem sair da Terra.

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Era o último habitante da aldeia de Podentinhos. Aos 79 anos, Joaquim Reis dava vida a um amontoado de casas vazias, caminhos desertos, naquela pequena aldeia a três quilómetros da vila de Penela, perto de Coimbra. A 20 de dezembro de 2016, recebeu uma refeição que lhe chegou literalmente do céu. Em cerca de quatro minutos, a sua “marmita voadora” chegou a Pondentinhos evitando os caminhos labirínticos, estreitos e de terra batida, que pintam a paisagem. A iniciativa foi da Câmara Municipal de Penela, da Santa Casa da Misericórdia, e da Connect Robotics, uma startup do Porto que desenvolve drones autopilotados capazes de fazer entregas de produtos. A tecnologia, essa, também vem literalmente do espaço.

A Connect Robotics não é a única a empresa a aproveitar o que se faz do lado de lá em produtos no lado de cá. À startup do Porto, juntam-se outros 15 projetos que têm o apoio da Incubadora de Empresas da Agência Espacial Europeia (ESA BIC) em Portugal, coordenada pelo Instituto Pedro Nunes (IPN), de Coimbra, mas da qual fazem também parte a UPTEC, do Porto, e a DNA Cascais. Juntas geraram 60 postos de trabalho. O objetivo da ESA é aproveitar “o enorme manancial de tecnologia que as tantas missões espaciais e satélites geram em termos de dados” e transformá-los em ideias que “podem gerar negócio”, explicou ao Observador Carlos Cerqueira, diretor de Inovação do IPN.

Tecnologia do espaço na Terra. Agência Espacial Europeia vai lançar incubadora para empresas portuguesas

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Antes de a marmita da Connect Robotics ter voado até ao “Sr. Joaquim”, a startup que também está incubada no UPTEC tinha feito uma demonstração que foi um “falhanço total”, recorda o líder da empresa, Raphael Stanzani, 28 anos. Em julho, Raphael tentou fazer algo semelhante, mas o drone levantou e caiu, sem conseguir terminar a entrega. Falhas à parte, o sucesso chegou meses depois em forma de marmita, mas também em forma de correio e de medicamentos.

Medicamentos que voam até um lar de idosos em Viseu

A Connect Robotics nasceu de um trabalho do doutoramento de Eduardo Mendes, que estava a desenvolver software para controlar drones, no início de 2015. Foi na altura em que os mini aviões não tripulados começaram a chamar a atenção dos media e a ficar mais acessíveis para o consumidor, conta Raphael, engenheiro de gestão industrial que, anos antes, tinha trocado o Brasil por Portugal. Eduardo desafiou-o e começaram “a ver como é que a coisa ia descolar”. Candidataram-se à ESA BIC, mas chumbaram. “Estava tudo muito cru ainda“, admite. À segunda, foi de vez.

Drone vai entregar comida ao último habitante de uma aldeia em Penela

A ideia dos dois jovens era competir com a Amazon, que tinha começado a fazer testes de entregas com drones, desenvolvendo um sistema capaz de ajudar outras empresas de distribuição. É a partir desta premissa que a Connect Robotics vai buscar um sistema de satélite europeu, “que oferece um nível de precisão maior do que o GPS (americano)”, o Galileo, para fazer automação de drones para entrega. Ou seja: prepara drones com um piloto automático capaz de controlar e navegar o dispositivo, sem ser preciso estar a conduzi-lo.

“Nós queríamos que fosse um serviço de entregas normal. Só que a viagem de ida e volta consome bateria e isso atrapalha o nosso alcance”, explica. Foi assim que a Connect Robotics passou a disponibilizar um serviço de aluguer de drones. Quando alguém quer utilizar o drone, aluga o equipamento à empresa e depois, garante Raphael, só precisa de saber “manuseá-lo”: trocar a bateria e ligá-lo. “É como colocar combustível ou encher um pneu num carro”, exemplifica. A empresa demonstrou o serviço aos CTT e, depois da marmita, foi o correio que caiu do céu. Os aparelhos levantaram voo de um centro de distribuição de correio, em Lisboa, e voaram três quilómetros até ao Parque das Nações.

Amazon. Drones que entregam mercadoria em 30 minutos já estão a ser testados no Canadá

Hoje, há três pessoas a trabalhar na Connect Robotics e o primeiro cliente da empresa é um lar de idosos, em Viseu: o drone vai transportar medicamentos de uma farmácia para o lar. Mas há uma “série de etapas” para conseguirem fazer as entregas. A primeira é conseguirem uma autorização para o voo, a segunda é conseguirem autorização para transporte de medicamentos. Os drones da Connect Robotics têm capacidade para subir quilómetros, mas a regulamentação permite que ascendam até um máximo de 120 metros, a contar da superfície. São capazes de percorrer cerca de cinco quilómetros.

A regulamentação é, precisamente, um dos calcanhares de Aquiles da empresa de Raphael. Para já, entregar alimentos, como a “marmita voadora”, ainda é “desafiante” do ponto de vista regulatório, o que “não dá a escalabilidade ideal para uma startup“, considera o fundador. “A tecnologia tem que avançar com a regulamentação”, admite, numa altura em que a discussão sobre este tema se adensou devido aos incidentes com drones nos corredores aéreos de aproximação aos aeroportos.

Joaquim Reis, o último habitante da aldeia de Podentinhos, a receber a “marmita voadora”

Os planos da startup passam agora por ter um espaço em Lisboa, na Beta-i, e pela internacionalização. Tem na mira o Reino Unido, onde a Amazon faz testes, Suíça ou França. “São mercados diferentes, que também têm necessidades e não faz sentido ficarmos só por cá. Onde a regulamentação permitir é onde vamos voar“, diz. Em França desde dezembro, os serviços de correio têm aprovação da autoridade de regulação aérea do país para entrega de encomendas com drones numa rota regular de cerca de 15 km.

A tecnologia que “desce” à Terra para ajudar a encontrar o cão

Em março, Chris e Lindsey Wagner perderam a cadela beagle, Lucy, durante uma viagem pelo estado de Washington, nos Estados Unidos. Com a ajuda de muitos populares, encontraram-na passado dois dias, depois de terem conduzido durante cinco horas. A história acabou por correr bem até que Lucy voltou a fazer das dela e saltou da janela do carro. Mas, desta vez, não foi preciso conduzir durante tantas horas. Os donos perceberam que a cadela tinha fugido, porque receberam a notificação no telemóvel. Como? Com o Findster, uma “coleira” localizadora, made in Portugal, que está disponível em mais de 70 países.

Lucy learned a new trick today. Lindsey Wagner and I were topping off our RV tires before leaving Hooper, Colorado and…

Posted by Christopher Wagner on Thursday, June 29, 2017

O episódio foi recuperado por André Carvalheira, 24 anos, diretor operacional da Findster, a startup do Porto que nasceu, justamente, por amor a um cão que não parava em casa. Aquiles, o pastor alemão de 65 kg de Virgílio Bento, cofundador da empresa, estava sempre a fugir para ir atrás dos gatos.

“Na altura, [o Virgílio] começou a procurar um dispositivo que permitisse saber a exata localização do cão, mas percebeu que o que existia no mercado não era suficiente, porque não permitia alertas em tempo real”, conta André ao Observador. Ou seja, o cão fugia de casa e o alerta só era enviado 15 minutos depois. “Ele já podia estar muito longe, já podia ter sido atropelado por um carro”, explica. Em abril de 2014, lançou uma campanha de crowdfunding (financiamento coletivo) na Indiegogo e o que na altura não passava de “uma brincadeira” rendeu, em dois meses, mais de 85 mil euros.

Com esse dinheiro, André começou a desenvolver o Findster – um dispositivo que se coloca na coleira do cão ou gato, que recebe as coordenadas GPS do local onde está o animal, ao mesmo tempo que permite saber se andou a correr ou se esteve a descansar – e hoje emprega 13 pessoas num escritório da baixa do Porto.

O preço de lançamento do Findster é de 99 dólares (85 euros). No retalho vai custar 149 dólares (128 euros)

Apesar da Findster estar focada em soluções para animais de estimação, André admite que a tecnologia tem potencial para outros mercados, podendo ser utilizada para localizar crianças ou idosos, por exemplo. “Isso já foi pensado. Tivemos pessoas a comprar o produto para usar noutros casos. Com crianças, com idosos. Tivemos um senhor no Canadá que comprou para equipar um lar de idosos”, conta.

Até à data, a empresa do Porto vendeu cerca de 2.500 dispositivos, que têm mais de um milhão de minutos de utilização (mais de 16 mil horas). E lançou a segunda versão do produto numa campanha do Kickstarter, na qual conseguiu um financiamento de 250 mil dólares. Agora que as dores de cabeça do desenvolvimento de produto já passaram, o foco está em começar a venda online, na Amazon, e entrar no retalho internacional no próximo ano.

A tacada da Bluecover faz um swing

Naquela sala do IPN, Emanuel Antunes calça a luva, pega no taco e faz um swing (o movimento do corpo ao dar uma tacada na bola). Demorou 841 milissegundos a chegar acima, 293 milissegundos a bater e 870 milissegundos a fechar. Este diagrama das velocidades permite saber que Emanuel fez um swing de 2,8. O recomendado é 3. “Safou-se”, diz Nuno Duro, o fundador da empresa que permite a um golfista saber todos os detalhes sobre as suas tacadas.

A Bluecover foi fundada há três anos para se especializar em geolocalização. Quando a criou, Nuno Duro teve a ideia de desenvolver uma pulseira que pudesse fazer “o tracking (monitorização) automático das posições de um golfista”. “Jogava golfe e achava que na altura não havia soluções. Os golfistas gostam muito de ter gadgets e de experimentar coisas novas, ver as posições, as distâncias que bateram. E achava que, do ponto de vista tecnológico, podíamos fazer uma coisa melhor do que a que havia no mercado”, conta.

A partir de setembro, a Bluecover vai aceitar as primeiras encomendas

Depois de cada tacada, através da análise de algoritmos de machine learning (aprendizagem automática), é apresentada uma estatística e um histórico que permitem comparar o handicap (o nível do praticante) com outros golfistas. Por exemplo, pela tacada inicial, percebe-se que Emanuel está no nível de iniciante.

A Bluecover está perto de um protótipo final, depois de ter feito vários testes em parceria com a Federação Portuguesa de Golfe e o Clube de Golfe da Beloura, em Sintra. A partir de setembro, vai começar a aceitar pedidos de encomendas e a produzir as primeiras 50 unidades. Na DNA Cascais, casa da Bluecover, trabalham oito pessoas num projeto que tem como objetivo chegar aos Estados Unidos. Mas, para já, querem encontrar um parceiro que queira comercializar a pulseira. A ideia é avançar para uma campanha de crowdfunding, que permita produzir 500 unidades, no próximo ano.

"Se elas partirem de ativos espaciais, podem ter uma vantagem acrescida sobre a concorrência. Não chega só a tecnologia. Tecnologia não faz um negócio"
Carlos Cerqueira, diretor de Inovação do IPN

Apesar de os fundadores terem desenhado este projeto à medida do golfe, Nuno Duro explica que têm tido procura noutras áreas. “Como reconhece um movimento de swing, pode reconhecer outros movimentos e criar comandos para dar ordens”, explica. E adianta ainda que está a estudar uma proposta para desenvolver a tecnologia para a área dos transportes.

O Copernicus que ajuda a prever crises de asma

A Space Layer Tecnologies surgiu quando o sobrinho de Paulo Caridade, geólogo de 39 anos, nasceu prematuro e, como consequência, asmático. Juntamente com o irmão Pedro, investigador na Universidade de Coimbra, quis perceber como podia ajudar as pessoas com doenças respiratórias, de pele e olhos, afetadas diretamente pela falta de qualidade do ar. O objetivo, explica Paulo, é o de conseguir prever o Índice de Qualidade do Ar “ao ponto de se poder dizer a um filho, que é doente asmático, ‘hoje vais levar a bomba para a escola, porque sei que às três da tarde a qualidade do ar vai diminuir e, provavelmente, vais ter uma crise‘”.

"Até se podia pensar que isto é um mercado de nicho. Mas quando falamos de dados, as barreiras são muito mais ténues"
Carlos Cerqueira, diretor de Inovação do IPN

Como é que Paulo quer tornar isto possível? Através de imagens de satélites do Copernicus, o sistema europeu de monitorização da Terra, que permite obter indicadores sobre a qualidade do ar, “praticamente em tempo real e prevendo o que vai acontecer daqui a 72 horas“, explica o geólogo. “Isto não é nada de novo. Queremos trazer para a mão das pessoas a possibilidade de ter estes indicadores e prever o que pode acontecer”.

A aplicação que a startup está a desenvolver ainda não está disponível ao cidadão comum. Em parceria com a diretora dos Serviços de Alergologia e Pneumologia da Universidade de Coimbra, os dois irmãos estão a desenvolver um “perfil médico”, que permita que cada utilizador receba alertas adequados condição médica. “É aqui que nos queremos diferenciar. Uma coisa quase tailor-made [feita à medida]“, explica. Contudo, admite que não deixam de ser previsões que têm uma margem de erro associada. Com base no mesmo princípio, a empresa está a desenvolver um projeto para quem gosta de correr.

"Acho isto mais interessante para a Europa, até porque as alterações climáticas, a descarbonização, a pegada ecológica estão em cima da mesa da UE. Acho que vai haver financiamento para desenvolver este tipo de projetos"
Paulo Caridade, Space Layer Technologies

As imagens de satélites permitem recolher uma “grande camada de informação”, numa “cobertura espacial muito grande”, mas o objetivo da Space é ir até ao “pormenor da cidade, à rua”, o que, neste momento, as imagens de satélite ainda não possibilitam. Por isso, querem pôr na rua carros em movimento que recolham dados sobre a qualidade do ar. Estão a desenvolver um projeto piloto com os Transportes Urbanos de Coimbra, diz Paulo, enquanto aponta para a luminária que tem em cima da mesa, para a qual está a desenvolver um sensor para deteção de dados atmosféricos em tempo real, numa parceria com a Philips Lighting. E já há interessados não só em Portugal, mas também em Espanha.

Mais 30,5 milhões de Portugal para o espaço

A ESA BIC em Portugal é coordenada pelo Instituto Pedro Nunes, de Coimbra, mas as ideias que por lá se trabalham também saem do Porto (UPTEC) e de Cascais (DNA Cascais). Durante dois anos, estas empresas têm 50 mil euros para desenvolverem protótipos. Para o diretor de Inovação do IPN, Carlos Cerqueira, a ESA olhou para Portugal e percebeu que havia uma indústria espacial que, estando numa fase inicial, é “pujante”. E que essa indústria estava associada a algumas startups como a Critical Software, a Active Space Technologies, Tekever ou a Lusospace

Além destes quatro projetos, há empresas portuguesas na ESA a trabalhar na área da construção civil ou dos oleodutos, como a Active Aerogels que desenvolveu o primeiro aerogel em spray do mundo com propriedades isolantes que, além de poder ser utilizado em foguetões e naves espaciais, pode substituir as tradicionais espumas de isolamento térmico.

O programa da ESA BIC, que começou na Holanda, expandiu-se para outros países europeus numa rede que conta hoje com 16 incubadoras e quase 400 empresas. Em Portugal, o projeto foi desenhado a cinco anos (2015-2020) e a perspetiva é apoiar 30 empresas, criando 250 empregos postos de trabalho e e levantando cerca de 6,5 milhões de euros em capital, refere Carlos Cerqueira.

No final do ano passado, por altura do conselho ministerial da ESA, o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, anunciou um aumento de 30,5 milhões de euros, na contribuição portuguesa na Agência Espacial Europeia, para os 86,094 milhões de euros, nos próximos seis anos. O objetivo é “assegurar a participação em programas de observação atlântica e de lançadores de novos satélites”, explicou.

Portugal quer aumentar contribuição para agência espacial europeia em 30,50 milhões de euros

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