Todos chegamos lá – à terceira idade – uns mais cedo do que outros porque o tempo não espera por quem nasce primeiro. Independentemente dessa verdade absoluta gostamos de imaginar esses anos de ouro como uma fase calma, serena, de profunda apreciação pelo tempo que nos resta. É bom ser-se idoso quando a saúde acompanha a nossa vitalidade e entusiasmo pela vida depois da reforma, contudo nem sempre é assim. Por vezes falta a força, por vezes falta a autonomia devido a condições de saúde. Vamos cuidar dos nossos idosos? Eles agradecem.
Iniciemos o texto com um dos cenários mais graves quando se fala em saúde mental na terceira idade: a doença mental e o suicídio caminham lado a lado. Segundo o médico Alexandre Mendes, “a taxa de suicídio no idoso é quase o dobro da que se verifica nas restantes faixas etárias. E entre os idosos, são os homens mais velhos, os que têm a maior taxa de suicídio de todas as faixas etárias. Promover a saúde mental e tratar atempada e adequadamente as perturbações psiquiátricas são vectores essenciais para diminuir as taxas de suicídio e assim evitar também consequências catastróficas na saúde mental dos familiares e cuidadores dos idosos que se suicidam.” Vamos perceber o que está em causa?
Que tipo de diagnósticos são mais recorrentes?
Os Censos de 2021 revelam um “aumento expressivo” da população idosa e uma drástica diminuição da população jovem em Portugal. O envelhecimento progressivo da população portuguesa não surge sem consequências associadas – são de notar as dificuldades que alguns cidadãos séniores sentem a nível social, por exemplo, com o isolamento a potenciar quadros clínicos evitáveis; a nível económico; de saúde, com a idade a abrir a caixa de pandora das consultas de rotina e checks-ups necessários, e o aumento de transtornos mentais. “A grande maioria dos idosos é emocional e psicologicamente feliz e saudável. Contudo, cerca de 15 por cento dos adultos com 60 anos ou mais têm uma perturbação mental”, refere o psiquiatra. Segundo o especialista, os quadros psiquiátricos mais prevalentes nesta faixa etária são a depressão, a ansiedade, as alterações do sono. Existem também casos de “demências e quadros confusionais, abuso de substâncias (predominantemente álcool), quadros psicóticos de início tardio e recorrências de doenças de longa evolução que se iniciaram em idades mais jovens”, como a doença afetiva bipolar, a depressão e a esquizofrenia, finaliza.
Na dúvida, cuide (bem) de si
Ainda não foi descoberta uma fórmula mágica que nos ajude a perceber quando poderá, ou não, surgir uma doença mental. Vamos a números, que assim fica tudo mais claro. O médico explica que “a prevalência de depressão major no idoso varia entre 1-4% e as perturbações de ansiedade, historicamente consideradas como doenças da infância e do adulto jovem, são 2 vezes mais prevalentes nesta faixa etária, que as demências e quatro a oito vezes mais prevalentes que as perturbações depressivas major”. Estes quadros depressivos ou ansiosos podem surgir antes ou após os 65 anos de idade.
O especialista explica ao Observador Lab que a ansiedade numa fase tardia é frequentemente crónica, e mais vezes do que poucas, o paciente já convivia com o seu estado ansioso numa fase mais precoce da vida. Quando o idoso não revela qualquer tipo de sintomatologia anterior, devem ser avaliadas outras condições médicas que podem potenciar o surgimento desses sintomas. Apesar de não integrarem quadros psiquiátricos, o psiquiatra português refere que as demências não devem ser esquecidas, “sobretudo pela elevada frequência de sintomas neuropsiquiátricos associados”.
Quais são os sinais de alarme? (aqui existe um desafio acrescido)
“A doença mental manifesta-se em cada pessoa de forma muito particular e específica”, atalha. Apesar de existirem já bastantes estudos na área, não existe forma de prever todas as alterações de comportamento nas pessoas idosas que apresentam quadros de doença mental. Segundo o médico português, as alterações comportamentais “são frequentes e variadas e estão dependentes de múltiplos factores relacionados quer com a pessoa doente, com a própria doença mental, com doenças médicas concomitantes, com os tratamentos em curso e/ou com o ambiente onde a pessoa está inserida, entre outros”. O desafio aqui é muitas vezes aquele que queremos saber com mais rapidez: o diagnóstico. A dificuldade de chegar até esse momento é real, como explica Alexandre Mendes, Psiquiatra em Coimbra, “em pessoas distintas, a mesma doença, pode ter uma apresentação clínica completamente diferente. Se isto é verdade em qualquer faixa etária, desde as crianças aos adultos, no idoso é muito comum que as manifestações sintomáticas dos quadros psiquiátricos não coincidam frequentemente com as idades mais jovens”. Esta dificuldade surge com um convite a todos nós, comunidade médica e familiar, que convivemos com pessoas de idade avançada: é importante “estarmos continuamente atentos à saúde psicológica e emocional das pessoas mais idosas, colocando a hipótese que a doença possa estar presente”. Em detrimento deste cuidado, surge o pior e o cenário que todos nós queremos evitar. Diz quem sabe: “se essa hipótese não for colocada por quem cuida, por quem acompanha o idoso, os quadros de doença mental podem passar facilmente despercebidos e evoluir durante anos, acarretando sofrimento, limitações e diminuição significativa da qualidade de vida.”
Tratamento: quanto mais cedo, melhor
Como em tudo, e na série de textos que temos vindo a desenvolver em torno da saúde mental, a opinião dos especialistas que ouvimos é bastante semelhante: no caso do Dr. Alexandre Mendes, não é diferente. “O tratamento adequado destes quadros de doença mental é essencial não apenas para limitar o sofrimento associado aos quadros ansiosos e depressivos propriamente ditos, mas também para melhorar o prognóstico das comorbilidades médicas tão frequentes nos idosos”, refere, “a depressão e ansiedade quando presentes e não tratadas pioram o prognóstico das doenças”.
Existem muitos cuidados a ter em conta quando falamos nos tratamentos farmacológicos utilizados nas pessoas idosas com perturbações psiquiátricas, sobretudo quando falamos “nas doses utilizadas, geralmente mais baixas do que em adultos mais jovens”, por exemplo. O especialista português não poupa as palavras quando se trata de alertar para a atenção extra neste tipo de análise farmacológica: “os aumentos de dose devem ser lentamente progressivos (start low and go slow) e a escolha dos psicofármacos devem ter em conta o perfil cognitivo e funcional da pessoa, devendo ser evitados medicamentos que agravem a função cognitiva ou que sejam demasiado sedativos”. Não é suposto saber todos estes procedimentos, mas é curioso como o psiquiatra refere as interações farmacológicas e a polifarmácia, como aspeto que deve influenciar a escolha do plano de medicamentos, sobretudo em pessoas idosas com múltiplas patologias crónicas.
Uma salva de palmas aos cuidadores informais, eles merecem
Muitas vezes esquecidos, a maior parte do tempo exaustos de tanto carinho e preocupação, eles são essenciais no processo de tratamento e recuperação de um idoso que sofra de uma patologia mental. Este é o momento em que deve pausar uns segundos e agradecer, para dentro, o trabalho de alguém que enfrente desafio semelhante: a angústia de quem cuida noite e dia é real e pode afetar muitíssimo a saúde mental de quem ocupa esta posição. “É urgente e prioritário olhar os cuidadores com preocupação e sensibilidade, acompanhando-os, ajudando-os e oferecendo-lhes as ferramentas necessárias para lidar com o desgaste associado ao sofrimento e ansiedade resultantes dos cuidados prestados ao familiar doente”, partilha o especialista.
Como? (É a pergunta que se impõe). “No sentido de diminuir a angústia a quem cuida, diria que é essencial e necessário educar os cuidadores para a doença mental, para os sintomas decorrentes especificamente da doença mental, para que não confundam aquilo que é sintoma de doença com “má vontade”, ou “mau feitio” dos familiares idosos a seu cargo.” Estar informado é uma mais-valia: os cuidadores informais podem recorrer a apoios do sistema de saúde, social e jurídico. “Cuidar dos cuidadores é, e será sempre, uma das formas mais segura e plena de cuidar bem a pessoa idosa com doença mental”, finaliza.
Feche o computador, pegue no telefone e digite o contacto dos idosos mais importantes da sua vida. Ligue-lhes, um a um, e pergunte-lhes como foi o seu dia. Cuide agora, para não ter uma surpresa mais tarde.
Saiba mais sobre este projeto em:
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Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.
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