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JOÃO FRANCISCO GOMES/OBSERVADOR

JOÃO FRANCISCO GOMES/OBSERVADOR

Eurico Castro Alves: "Nunca vamos ter dinheiro que chegue para a saúde"

Ex-secretário de Estado da Saúde preside à comissão organizadora da Convenção Nacional da Saúde, um debate inédito com todos os intervenientes do setor da saúde. Em entrevista, defende pacto no setor.

Há problemas no setor da saúde que não se resolvem com o Orçamento do Estado para um ano e precisam de compromissos mais alargados no tempo, defende Eurico Castro Alves, ex-secretário de Estado da Saúde de Passos Coelho e ex-presidente do Infarmed. O antigo governante, que recentemente liderou a candidatura do Porto à Agência Europeia do Medicamento, é o presidente da comissão organizadora da Convenção Nacional da Saúde, uma plataforma de discussão que vai reunir à mesma mesa ordens, associações profissionais e instituições de prestação de cuidados de saúde dos setores público, privado e social. O objetivo, explica Castro Alves, é identificar os principais problemas do sistema de saúde em Portugal e preparar uma estratégia a dez anos sobre a qual os partidos possam trabalhar na resolução desses problemas.

A convenção, inédita na história do sistema de saúde português, conta com mais de 60 parceiros, incluindo as ordens profissionais, os hospitais públicos, as instituições de solidariedade social e diversas associações profissionais ligadas ao setor. O desafio de conjugar os interesses de todos os parceiros foi “difícil”, reconhece Castro Alves. Por isso, decidiu-se que as divergências ficam à porta da conferência — que decorre a 7 e 8 de junho na Culturgest, em Lisboa –, onde se vão procurar os consensos possíveis. Um dos consensos, garante o responsável pela organização, é relativo ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). “Estamos todos de acordo que o povo português usufrui de um bom serviço de saúde”, mesmo com “múltiplos problemas por resolver”.

Em entrevista ao Observador, Eurico Castro Alves explica as linhas orientadoras desta convenção, apela à participação dos cidadãos e defende a necessidade de “opções racionais, inteligentes, suficientemente estratégicas” para fazer face às necessidades existentes “com os recursos que temos”, porque “nunca vamos ter dinheiro que chegue para a saúde”. “Estar no Ministério da Saúde é uma luta permanente todos os dias contra a escassez de recursos”, sublinha também. Relativamente à disputa pela Agência Europeia do Medicamento, o responsável pela candidatura portuguesa assegura que Portugal saiu “fortalecido” na sua credibilidade, mesmo tendo perdido a sede da agência para Amesterdão.

Qual é o objetivo da Convenção Nacional da Saúde?
A Convenção Nacional da Saúde é uma iniciativa que parte do setor da saúde e que, de forma inédita, faz acontecer uma coisa que é nova na história do sistema de saúde em Portugal: junta o setor todo, todos os players com todas as suas diferenças, num mesmo fórum. Queremos dar um sinal ao poder político, na sequência do desafio lançado pelo Presidente da República há um ano. A mensagem é clara. Nós temos construído, ao longo das últimas dezenas de anos, um bom sistema de saúde. Quando comparado com o resto do mundo, Portugal tem um bom sistema de saúde, mesmo com todos os problemas que tem para resolver, com todos os defeitos. O sinal que o setor quer dar é que quer que esse sistema de saúde continue a melhorar para que continuemos a ter um bom sistema de saúde na próxima década. Queremos que os decisores políticos entendam esta mensagem e que possam fazer a parte deles do trabalho, que é encontrar consensos que resultem num sistema de saúde viável, melhor ainda do que é hoje, na próxima década.

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Marcelo Rebelo de Sousa defende um “compromisso de regime” entre vários partidos para a saúde

De onde partiu a iniciativa para mobilizar todos os atores do setor da saúde?
Houve um gatilho que espoletou, mas depois aconteceu tudo muito rapidamente e nem será justo dizer que isto tem uma liderança. A Ordem dos Médicos lançou a ideia, mas imediatamente foi secundada por todas as outras ordens e por uma multiplicidade de associações do setor. A indústria farmacêutica, o setor das farmácias, o setor dos hospitais públicos e privados, o setor dos técnicos de saúde… Ou seja, todos em geral aderiram em massa a este movimento. Porquê? Porque ele não tem protagonistas, não está ao serviço de nenhum interesse, de nenhuma corporação ou de nenhuma instituição em particular, seja pública ou privada. No fundo, vão juntar-se todos à volta de uma única ideia: tentar perceber onde estamos todos de acordo, quais são os pontos em que estamos de acordo e que sirvam de base para que o poder político possa entender que tem de fazer um acordo para dez anos. Na saúde há um conjunto de problemas cuja solução não passa pelo orçamento de um ano, pelo Orçamento do Estado. Passa por compromissos a mais de um ano. Há coisas que não se resolvem com um partido só ou com um governo só. Atravessam vários governos. O setor vai tentar identificar esses problemas, vai tentar perceber se estamos todos de acordo, de alguma forma, nalgum tipo de soluções, e isto vai ser o alicerce, a base, em cima da qual, mais tarde, os partidos políticos — e os partidos emanam do conhecimento que vem da sociedade civil em geral, por isso achamos que vão levar a sério este acontecimento — poderão qualquer coisa que sirva de entendimento para que a dez anos nós tenhamos um sistema de saúde melhor do que o que temos hoje.

“Na saúde há um conjunto de problemas cuja solução não passa pelo orçamento de um ano, pelo Orçamento do Estado. Passa por compromissos a mais de um ano. Há coisas que não se resolvem com um partido só ou com um governo só. Atravessam vários governos”

Esta é uma plataforma inédita de discussão com todos os intervenientes do sistema de saúde, públicos, privados e do setor social, e cada um deles tem interesses particulares e divergências fortes entre si. Foi difícil conjugar vontades?
É um grande desafio, porque são múltiplas as divergências entre todos eles, os interesses são muito diferentes. Há interesses corporativos das profissões, das empresas, das associações, etc. É muito difícil e estamos todos os dias a trabalhar nisto. Mas o que está combinado é deixar aquilo em que somos diferentes, as divergências entre os vários setores, serem discutidas nos fóruns próprios e noutras circunstâncias. Aqui, o objetivo é tentar descobrir em que é que estão todos de acordo. Digo-lhe já uma coisa em que estão todos de acordo: este Serviço Nacional de Saúde, ou melhor dizendo, o sistema de saúde português, tem de continuar e tem de melhorar. Nós temos orgulho no sistema que temos e queremos continuar a tê-lo na próxima década. Este é o primeiro ponto em que estão todos de acordo. Não há ninguém que ache que este sistema deve ser destruído e que se deve fazer um novo, só privado ou só público. Estamos todos de acordo que o povo português usufrui de um bom serviço de saúde. Não estou a dizer que é perfeito, tem múltiplos problemas por resolver. Aliás, por ter muitos problemas por resolver é que estes intervenientes se juntam todos e dizem: gostaríamos que em cima destas ideias consensuais, afastando-nos das divergências que temos e que são muitas, os partidos possam construir qualquer coisa que nos garanta que na próxima década o Serviço Nacional de Saúde melhorou.

Quais são os problemas concretos que o setor identifica nos cuidados de saúde em Portugal?
Nós temos problemas de base que são sobretudo estruturais. As instituições são como as pessoas, têm de se reformar todos os dias. Tem de haver essa preocupação. Nós próprios, como pessoas, mudamos constantemente porque a realidade à nossa volta muda. Portanto, o SNS tem de ser um sistema que se auto-reforme permanentemente. Para isso, tem de haver vontade política e aceitação, de quem está no Governo e de quem está na oposição — e nós temos a experiência de que nos últimos anos têm alternado os partidos que estão no Governo e na oposição –, de fazer algum tipo de acordo, de que há um conjunto de medidas que têm impacto a médio e longo prazo, e essas medidas garantem a sobrevivência e a melhoria do sistema. Vai ter de haver um acordo entre os partidos para aceitarem um conjunto de medidas que muitas vezes, no imediato, não são muito populares.

Faltam profissionais, os salários são baixos, há falta de financiamento do setor…
Não podemos esconder a questão do financiamento. Eu não sei nem quero dizer — nem neste fórum se vai dizer — qual é a solução. Mas é importante que haja acordo. Aqui entra a tal questão dos acordos plurianuais. Se calhar a questão do subfinanciamento da saúde passa muito por, na Assembleia da República, os partidos se entenderem e pensarem em soluções a mais de um Orçamento do Estado. Mas essa é apenas uma das questões. Há questões estruturais nas carreiras profissionais, há questões estruturais no setor do medicamento. Portugal tem de ter opções estratégicas. Nós temos acesso a tudo o que há de melhor e mais bem preparado do que acontece no mundo, e queremos continuar a ser assim. Mas temos de fazer isto de uma maneira que não comprometa a sustentabilidade do sistema. Vêm aí medicamentos caríssimos na área da oncologia e de doenças que até há bem pouco tempo eram incuráveis, portanto tem de se olhar para isto com racionalidade e procurar a eficiência máxima.

Vão procurar, no documento final que vai resultar da conferência, apresentar medidas concretas de ação?
Não é esse o objetivo. O objetivo desta conferência é juntar todos os players do setor e encontrar pontos em que estão todos de acordo. Será divulgado um documento final que não será extenso propositadamente, até porque como o setor tem muitas divergências e interesses muito diferentes — muitas vezes até opostos –, não vai ser possível ter um grande consenso em muitas áreas. Nós só queremos encontrar consensos em algumas áreas, nas mais importantes, que sirvam de base para o poder político fazer a sua parte do trabalho, que é encontrar as soluções. Nós vamos apontar áreas em que é possível que o setor todo aceite que sejam tomadas um conjunto de medidas.

"Não há ninguém que ache que este sistema deve ser destruído e que se deve fazer um novo, só privado ou só público. Estamos todos de acordo que o povo português usufrui de um bom serviço de saúde. Não estou a dizer que é perfeito, tem múltiplos problemas por resolver"

Parece-lhe possível no contexto político atual, na formação governativa e na distribuição parlamentar que temos hoje, que se alcance esse pacto?
Acredito que sim. Estou convicto de que os partidos portugueses da esfera governamental, de uma ponta à outra, também eles estão todos de acordo numa coisa: querem o melhor para o nosso país, têm é visões diferentes. Todos reconhecem que o sistema de saúde é das coisas que correram bem no pós-25 de Abril. Não tenho dúvida nenhuma de que todos eles têm a disponibilidade para contribuir para que isto se mantenha. Vai haver muitas divergências, há opções em que vai ser impossível tê-los todos de acordo. Mas também acredito que, como há vontade de que se mantenha e melhore o nosso Serviço Nacional de Saúde, há essa disponibilidade. Só precisamos de ter acordos em duas ou três questões fundamentais. Uma delas é claramente financiamento.

E as outras?
A complementaridade do sistema, a postura do Estado relativamente à modificação demográfica que aconteceu. Temos um envelhecimento da população, portanto temos mais necessidades, mais carências na prestação de cuidados de saúde. Temos uma população muito mais educada civilizacionalmente, e por isso mais exigente. Portanto, o Estado também tem de ter a preocupação de fornecer informação. Já que as pessoas são mais educadas e mais desenvolvidas do ponto de vista civilizacional, também estão mais sensíveis às questões da prevenção e da educação para a saúde. Tudo isto são questões que são fáceis de serem consensualizadas ao nível dos elementos da decisão política, que são os partidos.

Recentemente um relatório da Organização Mundial de Saúde e do Observatório Europeu dos Sistemas e Políticas de Saúde dizia que uma das principais prioridades no SNS em Portugal é definir bem os papéis dos serviços públicos, dos privados e do setor social na prestação de cuidados, e de que forma devem interagir. Qual deve ser o caminho?
É uma grande preocupação, de tal forma que nesta convenção nós vamos dedicar uma conferência a essa questão. A verdade é que eu não conheço nenhum sistema bem sucedido que seja monolítico, que seja completamente público ou completamente privado. Os sistemas bem sucedidos do mundo civilizado são sempre uma mistura. O nosso país é um case study, um exemplo de sucesso, em como pode haver complementaridade. Nós até temos o terceiro setor, o setor social. E esta complementaridade é que nos dá a capacidade de tratar toda a população portuguesa, apesar de todos os defeitos e dificuldades, com algum nível de equidade e com algum nível de eficiência. Tenho consciência de que hoje em dia, quem tem uma doença verdadeiramente grave, nomeadamente as doenças oncológicas, qualquer português independentemente da sua condição social, do seu nível educacional ou do lugar onde vive, com maior ou menor dificuldade, acaba por ter acesso aos melhores tratamentos que hoje em dia há no mundo. Quer em termos de medicamentos quer em termos de tecnologias hospitalares. Nós só queremos — e acho que é aqui que estamos todos de acordo — melhorar este acesso e melhorar esta equidade. Há imensos problemas para resolver, mas de uma forma geral isso está assegurado. Nos princípios e na prática. Precisa é de ser melhorado. Por isso, nesta convenção foram selecionados temas estratégicos e uma das conferências é precisamente sobre a complementaridade. Vamos pôr a debater pessoas das várias áreas, do setor público, do privado e do social, e esperamos que dessa conferência saiam algumas conclusões. Pelas conversas que tenho tido com pessoas das várias áreas, a maior parte concorda e percebe que esta complementaridade é necessária e funciona bem em favor do sistema de saúde.

O que é que falha, então, em casos como o do hospital de São João, no Porto, e noutros casos que têm sido conhecidos? Diz que temos um sistema de saúde de topo em que os melhores tratamentos estão assegurados à generalidade da população, mas há casos em que parecem faltar coisas básicas.
Não falha só no hospital de São João, há falhas por todo o lado. Repare: sempre que eu disse que temos um bom sistema de saúde, fiz vírgula e disse sempre que é com todas as dificuldades e com todos os problemas que há para resolver. É por isso que vamos fazer esta conferência. Nós temos noção de que temos um bom sistema em termos de princípios e de alicerces, bem montado, e que depois tem muitas deficiências. É normal, a perfeição não existe. O nosso país tem um problema de recursos, há escassez de recursos, no orçamento da saúde há escassez, e portanto há questões estruturais que é importante que sejam resolvidas. São questões estruturais de fundo tão importantes que só poderão ser resolvidas se se conseguir um acordo de quadro. Daí o tal pacto de regime que o Presidente da República referiu e que para nós faz todo o sentido.

"Estar no Ministério da Saúde é uma luta permanente todos os dias contra a escassez de recursos, com o equilíbrio dos interesses das corporações, etc. É uma tarefa muito difícil"

A convenção procura responder a esse apelo de Marcelo Rebelo de Sousa?
Acho que a convenção é o primeiro passo para responder ao apelo do Presidente da República. Cada um faz a parte que lhe diz respeito. O setor senta-se, junta-se e vai ver o que pode conseguir em termos de consensualizar um conjunto de questões e de propostas. Essa é a sua parte. Depois disso espera-se que o poder político, ou quem está na decisão política, faça a sua parte do trabalho também. Há outra coisa que para nós é importante. Nós abrimos um site com a divulgação da convenção, porque achamos que temos este dever cívico de divulgar. Lá, fazemos um apelo ao contributo e à participação dos cidadãos. Estamos a reunir opiniões, já temos inúmeros contributos, que estão a ser reunidos por um grupo de trabalho e dali há de sair alguma coisa. Além do setor, estamos a apelar também ao contributo da população, dos cidadãos. É altura de os cidadãos porem lá o que acham, o que pensam, o que querem, quais são as suas expectativas do sistema. Para nós é muito importante chega à convenção e dizer: no período antes da convenção, que foi aberto à participação dos cidadãos, nós reunimos este conjunto de ideias, este resumo de opiniões, que seguramente serão um contributo para o produto final. Há aqui um apelo à participação da sociedade civil, do cidadão utilizador. Quando se fala de saúde, é um problema que tem a ver com todos. O setor opera a saúde, mas qualquer um de nós, qualquer português, é um utilizador ou potencial utilizador dos serviços de saúde. Todos nós, alguma vez na nossa vida, vamos ter de recorrer a serviços de saúde. Isto tem de ser uma preocupação de todos, e agora é a altura de os cidadãos colaborarem e mandarem os seus contributos, que serão muito bem vindos.

Como é que os cidadãos podem contribuir?
Através do nosso site. Há lá um item onde as pessoas podem deixar o seu contributo. Para nós é muito importante até para perceber um bocado as tendências, para saber qual a expectativa que os cidadãos têm. Por exemplo, eu, enquanto cidadão, diria que espero ter um serviço de saúde que corresponda àquilo que eu preciso, e não quero saber se ele é público, se é privado, se é social. Quero é ter esse serviço e ter a consciência de que a sustentabilidade do meu país não fica em causa. Quero o melhor possível sem comprometer a sobrevivência do sistema e do país. É isso que eu quero enquanto cidadão, é a minha expectativa. O que eu espero é que o setor dê o seu contributo, diga de que é que está disposto abdicar para este desígnio comum e com que é está disposto a contribuir. Depois do setor, espero também que o poder político faça a sua parte. E o setor político faz isso. Os partidos são a emanação do sentimento de uma população. Estou convencido de que os partidos vão encontrar neste documento, que vale o que vale — não valerá muito, é um primeiro passo –, um contributo para se poder pensar num sistema de saúde na próxima década que vá ao encontro do que os portugueses precisam.

Falava de um plano a dez anos.
Sim, um plano a dez anos. Era o que lhe dizia, algumas questões na saúde, que espero que venham a ser identificadas nesta convenção, exigem um compromisso dos partidos, quer estejam no governo quer estejam na oposição. Quem decide vai ter de assumir alguns compromissos. O da orçamentação é um deles, mas haverá muitos outros. A questão da prevenção da saúde, de como se enfrenta esta questão da alteração demográfica… A lei de bases da saúde, que está agora em discussão, é outra das nossas grandes preocupações. Há aqui um conjunto de preocupações, das quais sairão alguns pontos base, mas que não são mais do que isso. São apenas pontos de partida e que correspondem ao sentir do setor. Os partidos, em democracia, têm de perceber o que é que o setor sente, quais são as expectativas, o que é que está disposto a dar como contributo, e a partir dali construir o edifício da decisão, que tem sempre de ir ao encontro das expectativas dos cidadãos sem pôr em causa a sustentabilidade económica do país.


"Nunca vamos ter dinheiro que chegue para a saúde. Isso não existe. O que vamos ter que ter é opções racionais, inteligentes, suficientemente estratégicas para, com os recursos que temos, podermos fazer face às necessidades que temos"

O Ministério da Saúde está envolvido na organização da convenção?
O Ministério da Saúde foi informado e vê com bons olhos este tipo de iniciativas, evidentemente. Já agora, aproveito a deixa que me dá para que fique muito claro: isto é um fórum para falar de estratégias para o futuro, não é um fórum para discutir esta ou aquela governação. Não falo só deste governo, falo dos governos anteriores. Não é para discutir o que ficou mal, o que ficou bem. Há uma coisa que nós sabemos, e quero deixar isto bem claro: o sistema de saúde, se chegou até aqui, foi com pequenos milagres que foram sendo feitos todos os dias pelos sucessivos governos. Estar no Ministério da Saúde é uma luta permanente todos os dias contra a escassez de recursos, com o equilíbrio dos interesses das corporações, etc. É uma tarefa muito difícil. E acho que deve haver a discussão sobre quem fez bem e quem não fez bem, sobre o que falta, sobre as decisões erradas e as decisões certas. Mas não é neste fórum. Aqui não vamos discutir quem fez bem e quem fez mal, vamos discutir que contributo podemos todos dar para que no futuro tenhamos um serviço de saúde de excelência.

Têm algum apoio por parte de algum partido político?
Não. Convidámos os partidos a estarem presentes e far-lhes-emos chegar as conclusões. Queremos ter algum distanciamento. Embora haja pessoas de partidos que foram convidadas a intervir na conferência, nós queremos algum distanciamento, porque queremos que isto seja um debate e um trabalho feito no setor da saúde.

Disse que escolheram um conjunto de temas estratégicos para discutir na convenção. Quais são?
Temos nove conferências que consideramos estratégicas e que vão ser alvo de debate intenso. A primeira é aquela que referiu há pouco, muito importante, a complementaridade do sistema de saúde com o setor público, privado e social, considerando-se que isso pode ou não ser um ganho para o utente. A segunda é a revisão da lei de bases da saúde, um documento estratégico para o nosso país e para o futuro do sistema de saúde. A terceira é a inovação: o nosso país tem conseguido estar a par de tudo o que de melhor se faz em todo o mundo, e todos queremos que continue a ser assim. Mas também sabemos que a inovação tem custos elevadíssimos, portanto é preciso olhar e tratar a inovação com a maior racionalidade e inteligência. Uma outra conferência é sobre as políticas públicas de proximidade. Cada vez mais o doente está no centro da prestação de cuidados de saúde, portanto a preocupação dos vários setores deve ser a de organizar os serviços de forma a que o doente não se sinta perdido. Outro tema é o desafio demográfico, as políticas de natalidade, o envelhecimento ativo, etc. Um dos grandes compromissos que vamos discutir é o de como adequar o financiamento às necessidades. Nunca vamos ter dinheiro que chegue para a saúde. Isso não existe. O que vamos ter de ter é opções racionais, inteligentes, suficientemente estratégicas para, com os recursos que temos, podermos fazer face às necessidades que temos. Além disso, vamos discutir o valor económico da saúde, porque é importante que se perceba que o sistema de saúde a funcionar tem um valor económico na nossa sociedade e representa mais-valia económica para o orçamento global do país. É preciso enquadrar os custos que a saúde representa para o Orçamento do Estado e para o SNS, mas ao mesmo tempo, quanto melhor funcionar a saúde, tem também um retorno económico. Um outro debate que não podíamos deixar de ter em consideração é relativo aos recursos humanos. Não há nada que não tenha pessoas e portanto a formação, a motivação, as questões da liderança, vão ser debatidas, porque para nós este é um princípio estratégico: se não acautelarmos e não tivermos cuidado com as pessoas que fazem parte do SNS, nada funcionará. Por último, o debate mais importante será uma mesa só constituída por jovens profissionais, médicos, gestores, farmacêuticos, enfermeiros, com o tema “O amanhã somos nós”. São aqueles que, na próxima década, estarão nos centros de decisão. É importante ouvi-los debater na fase em que se estão a preparar para serem eles os protagonistas das decisões no futuro. Temos um grupo de pessoas preparadas para reunirem as ideias mestras que sairão destas conferências e esperamos que no dia seguinte possamos apresentar publicamente um documento resumo das grandes ideias que foram ventiladas ao longo destas conferências.

Vão estar presentes oradores estrangeiros para partilhar experiências com que Portugal possa aprender?
Temos dois oradores estrangeiros que são personalidades de referência a nível internacional. São pessoas que têm dedicado a sua vida a estudar questões fundamentais. Uma dessas questões é o desafio da próxima década para os sistemas de saúde, quais as grandes dificuldades que se colocam, as oportunidades, e quem vem falar sobre isso é Angela Spatharou de Buira. Outro é um conselheiro sénior do European Policy Centre, na área da saúde, Hans Martens, que vem falar sobre o financiamento dos sistemas de saúde no futuro. Cada um deles tem uma conferência que depois vai ser comentada por personalidades de referência do setor da saúde, que nós convidamos, para ao longo de uma hora poderem dar um contributo. São conferências de enquadramento conceptual e discussão de ideias. Depois, vão ser feitas as tais nove conferências temáticas que referi antes.

"Não há nada que não tenha pessoas e portanto a formação, a motivação, as questões da liderança, vão ser debatidas, porque para nós este é um princípio estratégico: se não acautelarmos e não tivermos cuidado com as pessoas que fazem parte do SNS, nada funcionará"

O documento final vai ser entregue ao poder político. Acha que terá um efeito positivo, que vai mudar alguma coisa?
Claro, é isso que nos faz andar. Acho que ao dizer isto falo em nome de todos os que vão estar naquela conferência — e são já largas dezenas as instituições que aderiram, mais de 60, entre associações, ordens, instituições, hospitais — quando digo que todos nós vamos gastar muito do nosso tempo e do nosso trabalho neste evento, e estamos a cumprir o nosso dever cívico de contribuir para que alguma coisa possa ser feita para melhorar o sistema na próxima década. Ninguém pense que se nada se fizer o sistema vai continuar a funcionar na próxima década. Alguma coisa tem de se fazer. Daí o meu apelo aos cidadãos. Acreditamos que podemos criar uma base de entendimento para depois alguém fazer o tal pacto de regime. Não é o setor social ou os operadores do sistema de saúde que vão fazer o pacto de regime.

Agência do Medicamento: candidatura “fortaleceu” Portugal

Liderou a candidatura do Porto para receber a Agência Europeia do Medicamento. Acha que a imagem de Portugal na área da saúde a nível europeu ficou de alguma forma fragilizada com o facto de ter perdido para Amesterdão?
De maneira nenhuma. A candidatura portuguesa foi muito honrosa e teríamos ficado muito fragilizados se tivéssemos apresentado uma candidatura que não correspondia minimamente aos critérios. Como aconteceu. Imensos países apresentaram candidaturas que não tinham a mínima credibilidade, que não correspondiam nem a metade dos critérios exigidos. Houve uma empresa consultora que estudou as candidaturas sob o ponto de vista técnico, e no que toca ao cumprimento dos requisitos técnicos Portugal estava nos três primeiros, ou nos cinco primeiros. Em mais de vinte candidaturas, Portugal estava no pelotão de cima, no topo, o que credibilizou muito o nosso país. Portugal só ganhou com esta candidatura, porque mostrou que estava capaz e que até tinha mais do que uma cidade que preenchia todos os requisitos, em termos de investigação, de doutorados, de universidades, de capacidade técnica e física, de empreendimentos. Tudo. A todos os níveis, ultrapassávamos todas as necessidades. Isto credibilizou Portugal. A decisão foi muito política. Foi uma votação, mas foi muito política. Porque se a decisão fosse meramente técnica, se os únicos critérios fossem os técnicos, nós estávamos nos três países que podiam ser elegíveis. Acabámos por ficar em sétimo na votação, que foi política. São os jogos de interesses entre os países, o toma lá dá cá. No que respeita à parte técnica, nós éramos dos melhores. Portugal saiu reforçado e mais credibilizado desta candidatura. É evidente que todos queríamos que viesse para cá, até por questões económicas. Uma agência daquela dimensão mexe na economia do país, são milhões de euros a ser movimentados por ano. De qualquer modo, não se perdeu isso. Ganhámos muito em termos de credibilização e da nossa afirmação junto da União Europeia. Portugal hoje é entendido como um par entre os melhores.

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