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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Excesso de álcool, velocidade a mais e desatenção ao volante. O que leva quatro arguidos a julgamento pela morte de Sara Carreira

Tribunal de Santarém considerou que "todos os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente", mas esclareceu algumas dúvidas sobre a noite em que Sara Carreira morreu.

A noite de 5 de dezembro de 2020 estava “escura, sem luar e com períodos de chuva fraca”. Com visibilidade reduzida, ao quilómetro 60 da A1, em Santarém, Sara Carreira seguia no carro com o então namorado, o ator Ivo Lucas, quando o carro abalroou outra viatura imobilizada no meio da estrada. Sara morreu. E esta segunda-feira, mais de dois anos depois do acidente, os quatro condutores envolvidos no acidente ficaram a saber que vão a julgamento — Ivo Lucas e Paulo Neves indiciados pelo crime de homicídio negligente na forma grosseira, Cristina Branco por homicídio por negligência e Tiago Pacheco vai responder pelo crime de condução perigosa. O Ministério Público tinha deduzido acusação apenas contra Ivo Lucas e Cristina Branco por homicídio por negligência, mas o tribunal de Santarém decidiu também, na conclusão do debate instrutório, pronunciar Paulo Neves.

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Sem nenhum dos arguidos presentes na sala — fizeram-se representar pelos respetivos advogados –, assistiram à sessão jornalistas e os pais de Sara Carreira, que não faltaram a nenhuma sessão do debate instrutório. A defesa, o Ministério Público, Tony Carreira e Fernanda Antunes ouviram então as razões anunciadas pelo juiz de instrução criminal, que se decidiu pela pronúncia dos quatro arguidos.

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Tony Carreira não desviou o olhar do juiz de instrução, mesmo durante todo o tempo em que Bruno Lopes descrevia os detalhes do acidente. Naquele final de tarde, Ivo Lucas seguia, com Sara Carreira ao seu lado, ao volante do Range Rover Evoque que embateu no carro de Cristina Branco. Segundo a acusação, o jipe seguia a uma velocidade entre os 131 e os 139 km/h. O carro de Cristina Branco estava imobilizado no meio da A1 depois de a própria fadista já ter chocado contra o carro de Paulo Neves, que circulava a 30 km/hora naquela autoestrada (Tiago Pacheco viria a embater no carro de Ivo Lucas, mas esse momento não terá tido influência na morte de Sara Carreira, que terá perdido a vida logo no primeiro embate). O juiz de instrução precisou, aliás, de utilizar uma linha temporal para explicar que “todos os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente”.

Paulo Neves e Cristina Branco poderiam ter evitado o acidente?

Paulo Neves circulava, naquela noite, a cerca de 30 km/hora na autoestrada — abaixo do limite mínimo permitido, que é de 50 km/hora –, sem sinalização de marcha lenta. E conduzia sob efeito de álcool, tendo acusado uma taxa de alcoolemia de 1,18 g/L de álcool no sangue.

Mas isso é apenas uma parte das falhas que o tribunal apontou ao arguido: além do excesso de álcool e da velocidade desadequada à estrada em que seguida, o juiz de instrução sublinha que, depois do acidente — depois de Cristina Branco ter embatido no seu carro —, Paulo Neves também não colocou qualquer sinalização na estrada que alertasse os outros condutores que seguiam no sentido norte-sul da A1 para o acidente inicial.

Sobre a condução do arguido, o tribunal sublinhou que Paulo Neves seguia “completamente alheio ao facto de conduzir numa autoestrada, numa noite escura e de visibilidade reduzida”, acrescentando que o mesmo adotou “uma condução que colocou em perigo as outras pessoas”. “Paulo Neves sabia que não podia” conduzir nestas condições, mas, “ainda assim, quis conduzir”, sublinhou o magistrado.

"Existiria, de facto, tempo suficiente para a arguida ter evitado o embate, quer seja reduzindo a velocidade ou, de forma ainda mais fácil, ultrapassando o veículo como fez o condutor que a sucedia".
Juiz de instrução do Tribunal de Santarém

Cristina Branco seguia atrás de Paulo Neves. Ao quilómetro 61 da A1, acabou por embater no carro (provocando o primeiro acidente, que estaria na origem dos choques seguintes). Segundo o tribunal, a fadista “seguia desatenta à condução”. E é aqui que surge uma questão particularmente relevante para a decisão do debate instrutório e pronúncia dos arguidos. Se, por um lado, o tribunal considera que Paulo Neves conduzia de forma perigosa, por outro, também entende que Cristina Branco poderia ter evitado a colisão.

Ora, entre o carro de Paulo Neves e de Cristina Branco existia outro carro, que ultrapassou Paulo Neves. “Existiria, de facto, tempo suficiente para a arguida ter evitado o embate, quer seja reduzindo a velocidade ou, de forma ainda mais fácil, ultrapassando o veículo, como fez o condutor que a sucedia”, considerou o tribunal. O embate inicial não era, na ótica do tribunal, inevitável. Mas a cantora não fez nenhuma das duas ações descritas e, como consequência, o seu carro acabou por ficar parado, virado para o sentido contrário, na faixa do meio daquela autoestrada.

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Depois do embate, Cristina Branco saiu do carro, pegou na filha de 11 anos e dirigiu-se para o separador central. Além de não ter conseguido travar a tempo ou ter ultrapassado o carro de Paulo Neves, a cantora também não colocou o triângulo refletor na estrada, para indicar aos outros condutores que existia um carro parado. Mas, sobre este ponto, o tribunal reconhece que a ideia de proteger a filha falou mais alto, que “o tempo de reação de Cristina Branco foi diretamente condicionado pela velocidade a que circulava Paulo Neves” e que ninguém pode garantir que o triângulo refletor “seria suficiente para conseguir chamar a atenção de Ivo Lucas e Tiago Pacheco, evitando a ocorrência da segunda e terceira colisões”.

Carro chocou contra jipe de Sara Carreira e levou-o a capotar de forma violenta

Além disso, explicou o juiz de instrução, ninguém garantia que era completamente seguro colocar o sinal no meio de uma autoestrada: “Será que era exigido que, durante uma noite nublada e escura, se deslocasse à faixa central, abrisse o porta-bagagens e colocasse o triângulo para depois voltar ao separador central, deixando durante esse tempo a sua filha de 11 anos no separador central, ou levando-a consigo durante esse tempo?” A questão, concretiza o mesmo tribunal, pode ser absolutamente revelante para o desfecho daquela noite. “Caso isso acontecesse” — caso Cristina Branco tivesse voltado ao seu carro para colocar o triângulo de sinalização — “e Ivo Lucas tivesse chegado ao local uns minutos antes, com toda a probabilidade, havia pelo menos mais uma vítima mortal.

"Será que era exigido que, durante uma noite nublada e escura se deslocasse à faixa central, abrisse o porta-bagagens e colocasse o triângulo para depois voltar ao separador central, deixando durante esse tempo a sua filha de 11 anos no separador central, ou levando-a consigo durante esse tempo? Caso isso acontecesse, e Ivo Lucas tivesse chegado ao local uns minutos anos, com toda a probabilidade, havia pelo menos mais uma vítima mortal".
Juiz de instrução do Tribunal de Santarém

Ivo Lucas conduzia em “estado de desatenção”

O ator, que conduzia o carro onde seguia a sua então namorada Sara Carreira, nunca esteve presente nas sessões do debate instrutório. Mas o juiz de instrução foi bem claro ao dizer que Ivo Lucas conduzia em “estado de desatenção” — daí entender também que talvez o triângulo que Cristina Branco não colocou não fosse suficiente para evitar o embate do Range Rover Evoque.

Sara Carreira. Velocidade excessiva em dia de chuva pode ter causado acidente

Mas, além do estado de desatenção, Ivo Lucas seguia também em excesso de velocidade, sendo este acidente” a consequência natural do primeiro embate e da conduta de Ivo Lucas”. “Ivo Lucas apresentou uma condução descuidada e sabia quais os cuidados que deveria ter tomado”, acrescentou o tribunal, sem entrar em mais considerações.

Sara Carreira morreu na sequência deste acidente, no momento em que o carro onde viajava embateu no carro de Cristina Branco e capotou. Depois deste episódio, apareceu ainda o carro de Tiago Pacheco, que chocou contra o jipe de Ivo Lucas e de Sara Carreira e que será julgado pelo crime de condução perigosa, uma vez que não abrandou ao aproximar-se do acidente.

Namorado de Sara Carreira seguia a 128 quilómetros por hora no momento do acidente

Tiago Pacheco circulava também em excesso de velocidade — entre os 146 e os 155 km/h, segundo consta da acusação — e, “tendo em conta a visibilidade de 400 metros que tinha, deveria ter ajustado a sua condução”, concluiu o juiz de instrução.

“Não vai acontecer nada a ninguém”

Fernanda Antunes, mãe de Sara Carreira, foi a última pessoa a sair da sala. Durante toda a sessão, não levantou nunca o olhar, que manteve preso ao chão. À saída do tribunal de Santarém, Tony Carreira fez umas breves declarações. Já depois de saber que os quatro arguidos vão a julgamento, o cantor disse acreditar que “não vai acontecer nada a ninguém”. “Não estou aqui para vingar ninguém, porque sei perfeitamente como isto vai terminar: simplesmente a dizer-se que eu perdi a minha filha.”

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Ao lado do seu advogado, o artista deixou ainda um recado aos quatro arguidos: “Só lamento que nenhum deles me tenha mandado uma mensagem, escrito uma carta a dizer simplesmente ‘lamento aquilo que aconteceu’.”

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